Conhecemos muitas histórias sobre pessoas solitárias e desamparadas que passam suas vidas anônimas dentro de uma engrenagem trituradora, mas a história que tanto sensibiliza o cineasta Hamilton Rosa Júnior é a do artista de interior, retratada em seu mais novo trabalho, o filme “Atriz”.
A estreia acontece na noite desta sexta-feira (24), em duas sessões no Cineplex Boulevard, no Shopping Prado Boulevard, em Campinas. A primeira sessão, às 21h, já está com vendas esgotadas, mas a segunda, às 22h, ainda tem ingressos disponíveis, que podem ser adquiridos diretamente com a produção (veja na ficha técnica abaixo).
O filme conta a trajetória de Virgínia Ribeiro (Andrea Wanger), uma veterana atriz do interior de São Paulo que dedicou toda sua vida ao teatro, porém há três anos não pisa em um palco.
A personagem principal só consegue fazer bicos como atriz trabalhando como professora na escola de teatro de um amigo e fazendo espetáculos de necroturismo no cemitério. Isso até aparecer um amigo dramaturgo, Félix (Iriberti Argenton), que lhe oferece um papel em sua próxima peça.
Virginia se entusiasma com o convite, mas no dia da leitura, percebe o interesse do amigo em seduzi-la. Os dois brigam, e Virgínia, com seu domínio cênico, coloca o dramaturgo em seu lugar. Esse controle torna Virgínia uma realeza no palco. Mas fora dele, ela tem que batalhar para ter um ganha-pão. Por escolher o teatro como profissão, a mulher se sujeita a todo tipo de palco, inclusive o do Cemitério da Saudades, onde ela encena o drama de personalidades históricas em frente a seus túmulos.
A protagonista, quando é banhada pelo foco de luz no palco, infla o corpo e demonstra toda sua perícia como uma diva gloriosa. No alto do teatro ela brilha, mas no cotidiano há o contraste: ela está falida e amargurada, vivendo num pequeno apartamento empilhado com seus prêmios e livros.
“Agora considere, se a protagonista, que é branca e de classe média, encontra tais dificuldades, imagina o que uma aspirante a atriz pobre e negra terá que enfrentar se quiser seguir a mesma profissão de fé?”, indaga o cineasta Hamilton Rosa. Pois essa é justamente a subtrama do enredo, com a participação da atriz Jéssica Magalhães. O roteiro é assinado pelo próprio diretor.
Baseadas em fatos verídicos, as duas histórias se entrelaçam e ilustram muito bem a dificuldade da classe artística numa cidade como Campinas. Para Hamilton, é uma ironia ver a forma como os artistas da cidade precisam se digladiar para conseguir algum patrocínio.
“Campinas é uma das regiões mais ricas do Brasil. Desde a época dos barões do café, o território é dominado por uma elite que sempre fez muito pouco em investimentos artísticos pela região. Em qualquer lugar do mundo, onde existe muito dinheiro, há espaços, às vezes, monumentais dedicados à arte e à cultura. Mas aqui não, a elite campineira vai para os Estados Unidos e Europa ver os grandes espetáculos, ignorando os talentos que têm em sua própria casa”, observa Hamilton Rosa.
“Esquecem, por exemplo, que tivemos Teresa Aguiar. Em um mundo de homens, Teresa foi a primeira grande diretora de teatro do Brasil. Esse pioneirismo é destacado no país inteiro, mas aqui ela precisou lutar muito para conseguir reconhecimento. Historicamente, a cidade contou também com Luís Otávio Burnier, outro expoente fundamental. Ele foi um dos maiores mímicos deste país, apesar de morrer jovem”, destaca Hamilton.
“O manancial criativo em Campinas é tão grande que proporcionou a criação da trupe ‘Os Geraldos’ no Teatro de Arte e Ofício. Permitiu que um grupo teatral de vanguarda, como o Lume, florescesse e ganhasse repercussão internacional. Que o Conservatório Carlos Gomes se tornasse esteio para duas gerações de atores que tomaram o palco nos anos 70 e 80, levando o teatro regional à efervescência. Isso sem contar a Escola de Artes Cênicas da Unicamp, local por onde passaram professores como Celso Nunes, Paulo Betti e Eliane Giardini. Então cabe a pergunta: Por que continua esse descaso com o que é mais genuíno e representa o que somos?”, questiona o diretor.
O esforço para tirar “Atriz” do papel, de acordo com Hamilton Rosa, foi tremendo. Foram seis anos tentando os editais e buscando patrocínios em empresas. No fim, surgiu a ideia de lançar uma campanha para arrecadar fundos na internet.
“O dinheiro foi suficiente? Claro que não. O filme não existiria se não fosse a colaboração da equipe. Gente como o produtor técnico Toni Ferreira, o câmera Joel Camargo e o iluminador Johnny Muller. Esse filme teve um trabalho muito delicado, quase de bordado, de direção de arte da Karla Maturana e do Joaquim Mattos, ou ainda do som de Luiz Guga Lourenço e da trilha sonora de Daniel Guimarães. Todos são muito guerreiros”, elenca Hamilton.
Para o cineasta, guerrilha, aliás, é uma palavra que dá bem conta do que é produzir qualquer tipo de espetáculo na cidade. “Por isso, prestamos homenagem à classe teatral campineira. Sem a contribuição de pessoas como Róbson Loddo, do Téspis, do Antonio Carlos, do Teatro Escola Sotac, do Kha Machado, da Rabeca Cultural, e de tantos outros, não teríamos concluído esse trabalho”, valoriza.
“Existem muito mais artistas nessa cidade, que arregaçam as mangas e constroem mundos, às vezes colorindo, como pintores, palcos precários e improvisados. Não importa se é numa casa de espetáculos, numa praça ou num cemitério. Essa turma traz tanto pra gente. Não é só diversão que é oferecida. É uma reflexão sobre a nossa cultura e identidade. Esse filme é uma carta de amor a todos eles”, descreve Hamilton.
Sobre a carreira comercial de “Atriz”, que apesar de toda ambição, tem enxutos 30 minutos de duração, Hamilton é mais pragmático.
“Vamos manter o filme inédito enquanto tentamos os festivais. A gente produz a obra, mas depende da acolhida. Para a equipe, o resultado ficou muito especial, mas é o coração do público que define a carreira. Esperamos que as pessoas embarquem na viagem e que seja um filme marcante, como foi para todos que estiveram na produção, na frente e por trás das câmeras”, deseja Hamilton.
Concretização de um sonho, o filme “Atriz” também representa uma verdadeira conquista pessoal para o cineasta Hamilton Rosa, que superou a desconfiança de quem não acreditava em seu sucesso após deixar a capital paulista para seguir a vida e a carreira em Campinas.
“Era incrível, nessas horas ninguém liga para te apoiar. Só aparecia gente aconselhando que morar no interior me arruinaria. Tenho até hoje gravado a fala de um reforçando que artista de Campinas, se é bom, está em São Paulo. ‘Volte, pois aí você não vai encontrar profissionalismo e nem vai conseguir filmar nada’, ele me disse”, revela Hamilton.
Seis anos foram suficientes para Hamilton provar para os “amigos” de São Paulo que eles estavam errados. Neste período, o cineasta dirigiu quatro filmes, entre eles “Meninas” e o documentário “Os Labirintos de Stanley Kubrick”, em parceria de pesquisa com a Universidade das Artes de Londres (UAL). Ele também produziu os filmes “Antônia”, do diretor Flávio Carnielli, e “A Última Transmissão”, de Helen Quintans.
“Atriz” é o filme-síntese deste ciclo.
Confira abaixo o trailer do filme “Atriz”:
FICHA TÉCNICA:
Filme: “Atriz”.
Direção e roteiro: Hamilton Rosa Jr.
Elenco: Andrea Wanger, Jéssica Magalhães, Iriberti Argenton e Elisângela Lima.
Data: 24 de novembro (sexta-feira), às 21h (esgotado) e às 22h.
Local: Cineplex Boulevard (Shopping Prado) – Av. Washington Luiz, 2480, Vila Marieta – Campinas (SP).
Ingresso: R$ 30,00. Para adquirir, entre em contato com o diretor Hamilton Rosa, através de seu perfil no Instagram – instagram.com/rosajr.hamilton