O número de pessoas que anualmente são obrigadas a deixar suas casas e abandonar seu país de origem, seja por conta de desastres naturais, fome, perseguições políticas, guerras, entre outras, não para de aumentar. Mesmo com a pandemia do novo coronavírus, milhares se deslocam pelo mundo em busca de uma vida digna. A situação é tão difícil e complexa que há 20 anos, no dia 20 de junho, é celebrado o Dia Mundial do Refugiado, instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), para a reflexão sobre a situação em que se encontram essas pessoas forçadas a abandonar seus países.
Só em Campinas, a Prefeitura atende cerca de duas mil pessoas que compõem o público de imigrantes e refugiados acolhidos pelo Serviço de Referência ao Imigrante, Refugiado e Apátrida do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos.
De acordo com a Administração, o número é ainda maior, pois só contabiliza aqueles que procuram os serviços. “Nos atendimentos são identificadas as necessidades do cidadão e realizadas as orientações e referenciamento aos serviços públicos oferecidos no Município. As maiores demandas envolvem a regularização migratória e empregabilidade”, informa por meio da assessoria de imprensa.
Segundo a Prefeitura, entre 2018 e 2019 ocorreu um aumento abrupto na procura dos imigrantes pelo serviço e a regularização dos documentos passou a ser o foco principal do atendimento.
“Atender essa necessidade, prioritária para o imigrante, representa abrir a porta de entrada ao mercado de trabalho formal e sua regularização migratória significa minimizar a vulnerabilidade pessoal (etnia), situacional (falta de documentação em país estrangeiro, isolamento social de seus pares, isolamentos linguísticos) e circunstancial (desemprego e pobreza)”, explica.
Os atendidos são de diversas nacionalidades. “Mais precisamente de junho de 2019 até novembro de 2020, estima-se que o Serviço tenha atendido pelo menos 2.060 imigrantes internacionais, de 46 países diferentes”. Haitianos respondem por 72% dos registros, seguidos de venezuelanos (13,7%), cubanos (5,35%) e angolanos (1,59%). Além dessas nacionalidades, a presença de colombianos, sírios, bengaleses, senegaleses, paquistaneses e mesmo de pessoas nascidas em países como Itália, Espanha e Reino Unido, reforça a extrema heterogeneidade dos fluxos migratórios recentes para a região de Campinas.
De acordo com organização humanitária Refúgio 343, que atua no abrigamento, saúde, educação e interiorização de refugiados, São Paulo é o segundo estado em número de interiorizações (281), seguido pelo Paraná (200); Minas lidera com 430 acolhimentos.
Os beneficiados por meio das ações do Refúgio 343 estão, além da capital, nas cidades de Campinas, Piracicaba, Itu, Atibaia, Arujá, Barretos, Ribeirão Preto e em mais 20 municípios.
Entre os beneficiários, mais de 300 já passaram pela Escola Refúgio, onde aprendem Língua Portuguesa, Educação Intercultural e capacitação profissional, entendimentos fundamentais para a interiorização – deslocamento planejado e que visa dar autonomia aos refugiados. “O que mudou nas últimas décadas? É um dia para celebrar, ou para refletir? Certamente não há o que comemorar. Hoje, são quase 80 milhões de pessoas que foram obrigadas a deixar suas origens para trás”, afirma Fernando Rangel, cofundador e diretor-executivo do Refúgio 343. “Um dos fatores que contribuiu para esse número foi a movimentação em massa de venezuelanos, que já são o segundo maior grupo populacional deslocado do mundo”, ressalta Rangel.
Guerras e Conflitos
No final de 2020, 82,4 milhões de pessoas estavam deslocadas por guerras, conflitos, violações de direitos humanos e perseguições. É o maior número já registrado pela Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), com aumento de 4% em relação a 2019, quando 79,5 milhões de pessoas estavam em deslocamento forçado.
Mais de 1% da população mundial – uma em cada 95 pessoas – estão neste momento em deslocamento forçado.
Os dados constam do relatório Tendências Globais, que traz informações sobre a situação dos deslocados e refugiados em todo o mundo anualmente. O relatório mostra que durante o pico da pandemia em 2020, mais de 160 países fecharam suas fronteiras, com 99 deles não fazendo qualquer exceção para pessoas em busca de proteção internacional. Segundo a Acnur, apesar da pandemia e dos pedidos de cessar-fogo, conflitos continuam a expulsar pessoas de suas casas.
O porta-voz da Acnur no Brasil, Luiz Fernando Godinho, destaca que o fechamento das fronteiras por causa da crise sanitária teve como efeito imediato o expressivo aumento de deslocados internos que fugiam não só das guerras, mas também de regiões de seu país com altos índices de infecção. “Essa combinação de conflito, crise sanitária global, perda de renda e insegurança alimentar forçou as pessoas a se deslocarem dentro de seu país”, diz Godinho, destacando que a Covid-19 foi fator de deslocamento interno em países como Iêmen, Bangladesh, Etiópia, Iraque e Djibouti.
De acordo com o porta-voz, a tendência para 2021 é de aumento do deslocamento das pessoas, já que procedimentos de refúgio e asilo devem voltar a funcionar com a maior liberalização das fronteiras internacionais em meio ao avanço da vacinação.
Devido a crises principalmente na Etiópia, no Sudão, nos países do Sahel (região da África, situada entre o deserto do Saara e as terras mais férteis na região equatorial do continente), em Moçambique, no Iêmen, Afeganistão e na Colômbia, o número de deslocados internos cresceu em mais de 2,3 milhões de pessoas.
Ao longo de 2020, cerca de 3,2 milhões de deslocados internos e apenas 251 mil refugiados retornaram para seus lares – uma queda de 40% e 21% respectivamente, se comparada com 2019. Outros 33.800 refugiados foram naturalizados por seus países de acolhida.
Mais de dois terços de todos os refugiados e dos deslocados vieram de apenas cinco países: Síria (6,7 milhões), Venezuela (4 milhões), Afeganistão (2,6 milhões), Sudão do Sul (2,2 milhões) e Mianmar (1,1 milhão).
A maioria das pessoas refugiadas do mundo – quase nove em cada dez (ou 86%) – está acolhida em países vizinhos às crises e que são de renda baixa ou média. Os países menos desenvolvidos acolheram 27% desse total.
Advogada campineira lança livro
A advogada campineira e professora de Direito Internacional da PUC-Campinas, Carolina Galib, está lançando o livro Imigrantes e Refugiados pela Matrioska Editora. Nele, ela trata de temas como direitos em relação à saúde, educação das crianças, trabalho, auxílio emergencial e outros que cabem aos refugiados. O livro faz parte da série Leituras Críticas Importam, coordenada pelo Professor da PUC-SP, Alvaro de Azevedo Gonzaga. É uma série que trata de dignidade, de humanização, dos direitos mais básicos e fundamentais de todos.
Carolina, que foi advogada do projeto PUC-SP de Portas Abertas aos Imigrantes e Refugiados, pesquisa o tema desde 2017, quando fez o mestrado. “Em seguida eu iniciei o doutorado. Meu grande tema de estudo são as migrações. O livro é uma análise do sujeito, mas sem uma individuação desse sujeito. Eu trato do fenômeno da migração e do refúgio. Analisei os fluxos de vários locais desde o Oriente Médio até a América Latina”, diz.
A advogada reforça que essas pessoas não abandonam suas origens por comodidade. “Estão passando por graves violações no seu local de origem e buscam um lugar com mais dignidade para viver. O refugiado é obrigado a sair do seu local de origem porque sua vida está em risco”, afirma.
A autora ressalta que ao contrário do que se costuma pensar, os imigrantes não vêm para roubar trabalho. “A acolhida do imigrante, do refugiado é muito benéfica para a sociedade. Na maioria dos casos são uma mão de obra qualificada, contribuem para a economia do país. Essa imagem de que vão roubar empregos é falaciosa”, diz.
Aos interessados pelo tema, o livro da professora Carolina está em pré-venda até 12 de julho (custo de R$ 42,50) em loja.matrioskaeditora.com.br