Ela desaparece como se fosse uma nuvem de verão. Não diz nada e só deixa um azul ao lado do Sol. Vai fazer o que deve fazer para passear seus cabelos e o seus olhos pelas ruas de uma cidade que só ela sabe inventar. E a cidade se apaixona pelo seu caminhar. E o dia vai atrás de seus aromas matinais, e os pássaros seguem os seus caminhos, as plantas se encantam com as cores de seu vestido de algodão, com as cores serenas dos seus cabelos e olhos.
Não tenho o que fazer senão regar as plantas da varanda do apartamento, alimentar o passarinho, lavar as poucas louças da pia da cozinha e me preparar para as muitas horas de ausência. E olho o azul do céu e agradeço pelo presente que a ela é dado. Uma pequena nuvem passa carregando um andor de um santo. E logo se desmancha no azul do céu. Sento na cadeira da varanda trás de nuvem e de notícias da moça matinal. E fico pensando nas calçadas que ela estará pisando, nas pedras portuguesas, desviando dos buracos, aos cuidados de seus anjos de guarda e proteção.
E um enorme buraco abre em meu peito, uma cratera de solidão, sem lava, sem calor, apenas um vulcão pequeno como uma colina de Vargem Grande do Sul, agora tão longe, tão longe, assim como os caminhos que ela percorre. E a cidade está sob os meus pés, bem sei, mas os caminhos dela estão em segredos urbanos. E assim de me deixo quieto no canto e apenas aguardo as novas nuvens…
O violão me convida lá no seu canto. Digo que não é hora para canções. O lápis me pede palavras no caderno. Não é hora também de grafite. Nem de borracha.
Bebo água e tomo um café frio. Gosto de café frio. Acendo um cigarro, dou duas tragadas e dispenso. E lavo a boca pois nem mesmo eu aguento mais o cheiro da nicotina.
Ajeito uma comida para o almoço e como quieto como um bicho qualquer. Lavo a louça e me recolho ao sofá. O violão me olha. E a televisão está desligada. O lápis está no seu canto.
O bom da vida vai acontecer a qualquer momento, uma chuva fina, um botão da rosa amadurecer. Acho que a palavra virá me acordar para ligar o computador. E assim aguardo, sem pressa.
E sem pressa aguardo a moça entrar no apartamento. E ela chega. E me pede para pegar o resto da compra no carro. E lá vou eu. E volto carregando um mundaréu de coisas de brechó, de mercado, como se levasse um enorme buquê de rosas e lírios. E assim uma nova noite se anuncia com a simplicidade de uma nuvem boêmia..
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico