Para muitas pessoas o dia só começa depois do café. Considerado uma paixão nacional, o produto é o mais consumido depois da água em unanimidade e faz parte da vida e da memória afetiva do brasileiro. Afinal, o café simboliza encontro, começar o dia ou para uma pausa necessária em qualquer momento, durante uma reunião de negócios, seja na alegria ou na tristeza.
Em média, as pessoas tomam de três a quatro xícaras de café por dia, não é à toa que o Brasil é o segundo maior consumidor de café do mundo.
Esse mercado tem despertado cada vez mais o olhar para o universo dos cafés de qualidade, fazendo com que os brasileiros observem melhor o que está sendo consumido. Assim os cafés especiais têm esse lugar de destaque na elite brasileira desde 2010. Mas, o último Censo, comprova quem nem 10% da população sabe o que é café de qualidade.
Nos últimos anos, por meio de um projeto inspirador, a profissão de barista está em ascensão e se torna promissora na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, para o público desempregado em situação de vulnerabilidade que se submete a subempregos e, em alguns casos, acaba se rendendo ao tráfico de drogas e prostituição.
Kivian enxergou muito além de uma xícara de café
Conheci um projeto muito inspirador que ensina o ofício de barista e profissional do café para pessoas de Belo Horizonte e dos municípios do entorno. Isso porque Kivian Monique, de 34 anos, resolveu transmitir os conhecimentos que aprendeu sobre a potência do café para outros jovens. Ela conta que a força veio por ter um filho de 12 anos e uma enteada de 8, descendente de uma família de matriarcas, mulheres, pretas fortes e que guiam a família Moreira.
Antes de chegar ao universo de café teve vários subempregos e mesmo com dificuldades, não desistiu de cursar uma universidade.
Em 2014, enquanto cursava a graduação de Administração, teve acesso a vaga de recepcionista em uma indústria e comércio de Café Gourmet. Foi lá que iniciou sua trajetória no café e no conhecimento da sua ancestralidade afro. Se certificou no curso do SindiCafé – Sindicato das Indústrias de Café do Estado de Minas e, desde então, passou a se aprimorar no conhecimento de café.
“Após 4 anos totalmente dedicados a essa operação de café gourmet, recebi uma proposta em 2018 para trabalhar com cafés especiais e comecei a atuar em um projeto social com estudos embasados na Gastronomia Brasileira na diáspora Africana com foco em Café. Também ensinei o ofício para a minha irmã Ester Vitória, de 24 anos, formando-a barista profissional”, conta Kivian.
Após a turma inicial criada no Morro do Papagaio, deu início ao Projeto Social Jovens Barista.
“Quis dividir o conhecimento com outras pessoas que moram na periferia e vivem em situação de vulnerabilidade social. São pessoas que passam pelos mesmos desafios que eu e tinham grande dificuldade de se encaixar no mercado de trabalho”, conta.
Durante o processo da primeira turma, sua irmã Ester Vitoria e o psicólogo Everton Pereira colaboraram com a elaboração do projeto. O resultado foi animador pois gerou possibilidade de empregos mais dignos para os alunos.
Kivian faz questão de destacar que esse ofício é tão potente que transformou de uma vez a sua vida, dando possibilidade para criar com dignidade seu filho, continuar os estudos e hoje ela tem uma marca de café chamada Café Utopia.
“Tenho levado esse projeto como meu propósito de vida. Conheço na prática quais são os desafios e a falta de oportunidade que enfrentamos por sermos mulheres, negras, mães solteiras, pobres, periféricas, vivendo em uma região com poucas oportunidades e recursos. O objetivo do projeto é qualificar as pessoas vulneráveis da sociedade”.
Sede foi fechada na pandemia
Atualmente os cursos de barista têm ocorrido em sua casa, no Bairro Glória, em Belo Horizonte. Para não deixar o projeto morrer, Kivian montou uma estação de trabalho de barista para dar assistência aos alunos.
Kivian conta que eles estão buscando um outro local para ser a sede do projeto, pois infelizmente parte dos equipamentos foram roubados recentemente.
“Estamos empenhados para continuar fazendo esse projeto acontecer. Vamos seguir capacitando nossa comunidade e tenho certeza que vamos recuperar um lugar que já foi nosso, de reis, rainhas e imperadores do café. O café veio da Etiópia, vários impérios africanos se mantiveram por anos a partir do café”, conta.
Por experiência e prática, a idealizadora sabe o quanto o café pode mudar o futuro. Vale destacar que este é um dos lemas do projeto chamado Jovens Baristas: O café transformando vidas!
Kátia Camargo é jornalista e após escrever este texto foi preparar um café. Lembrou de um trocadilho de uma frase que está na música de Gilberto Gil. “Andar com fé eu vou/ ‘Café’ não costuma faiá”
Para conferir a letra original de “Andar com fé” basta clicar aqui na versão Gilberto Gil e Caetano Veloso: