Se você pudesse reinventar a comunicação acadêmica do zero, como seria? As formas como interagimos e nos comunicamos estão mudando em um ritmo acelerado e, como consequência, a forma como a pesquisa é conduzida também está evoluindo. Os projetos de pesquisa tornaram-se cada vez mais interdisciplinares e as colaborações frutíferas entre disciplinas que tradicionalmente não se uniam estão se tornando a nova norma. “Ninguém faz mais nada sozinho”.
Temos como exemplo recente e auspicioso a aprovação pelo nosso grupo de um “CEPID” (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) pela Fapesp onde estão juntas várias Instituições Universitárias como Unicamp, USP, Santa Casa; várias áreas da Medicina (Oncologia, Hematologia, Medicina Nuclear etc..), Farmacologia, Química, com muitos colaboradores de formação tradicional as mais diversas, para o desenvolvimento de uma nova área de “Abordagem Teranóstica – CancerThera (terapêutica e diagnóstico simultâneos) do Câncer”.
O fluxo implacável de avanços metodológicos e técnicos continua a avançar em campos estabelecidos e a abrir caminho para novas disciplinas e campos multidisciplinares de pesquisa. Embora continue a ser uma parte fundamental do processo acadêmico, a forma como a pesquisa é comunicada e compartilhada tem também, até certo ponto, “recuperado” esses desenvolvimentos nos últimos anos.
Em resposta, a publicação acadêmica também está experimentando claros sinais de mudança. Os periódicos de “Acesso Aberto” (Open Access) foram lançados e prosperaram na virada do século, catalisando a mudança da impressão tradicional para artigos online e fornecendo conteúdo gratuito e totalmente acessível.
É claro que o desenvolvimento da “Internet” favoreceu e facilitou este processo. Não sei como seria nossa vida sem a Internet. Não estamos falando de editorias “predatórias” ou de âmbito puramente comercial e que têm ocupado grande espaço e causando real incomodo a todos nós. Falamos de entidades e revistas sérias e que querem, com o financiamento ético e institucional, abrir portas para as publicações à pesquisadores e aos países de menor poder aquisitivo e as leituras mais abertas e acessíveis possível em caráter universal.
Este é o caso de nosso jornal científico “Hematology, Transfusion and Cell Therapy” totalmente financiado pela Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), afiliada da Associação Médica Brasileira (AMB), presente livremente nas mais importantes bases de dados do mundo e que acabou de receber seu primeiro índice de impacto de 2.1 (ótimo para primeiro ranqueamento).
No entanto, na maioria das vezes, os periódicos acadêmicos mantiveram o formato tradicional que reconhece o ‘artigo’ como a etapa final do processo de publicação. Isso parece estar mudando lentamente à medida que novas iniciativas criativas começaram a transformar as publicações tradicionais.
As pré-impressões (preprints), comumente usadas na física há décadas, agora estão sendo adotadas por muitas outras grandes áreas do conhecimento, inclusive nas ciências da vida, como um meio para os autores compartilharem seus trabalhos publicamente e assim que estiverem prontos para feedback – uma alternativa ao processo de revisão por pares mais tradicional, mas mais demorado em revistas ou jornais científicos.
Nesse contexto, qual é o lugar de um artigo em uma revista científica? Podemos pensar em alternativas que atendam melhor às nossas necessidades atuais e futuras na divulgação de pesquisas? Creio que este é um assunto da maior relevância e que precisamos discutir a exaustão e em profundidade.
Queremos e sempre desejaremos, preservar a excelência da ciência, educação, pesquisa, inovação etc. Entretanto, buscar a equidade de acesso com a democratização de nossas ações com a celeridade que a ciência contemporânea exige, se tornou um objetivo, mas, principalmente, um grande desafio aos geradores e difusores de conhecimento.
Minha sugestão é que possamos sempre que pudermos e em todos os espaços possíveis discutir estes novos e, aparentemente, irreversíveis componentes da comunicação científica. É difícil prever para onde caminharemos. Devemos preservar as formas tradicionais de comunicação científica que são as mais seguras e tradicionalmente testadas e aceitas pela comunidade científica, dentre os quais me incluo. Mas, devemos pensar no acesso às publicações e acesso às leituras amplas e ágeis para um contingente cada vez maior de leitores, sejam membros de nossa sociedade, pacientes, estudantes, pós graduandos, professores e pesquisadores, estejam onde estiverem.
Sou defensor de que o “acesso aberto” seja sempre para todos. Como faremos e financiaremos isto…, devemos pensar e trabalhar juntos. Os custos para a submissão de artigos, hoje já cobrados por algumas revistas e os altíssimos valores cobrados aos autores para que façam suas publicações e tenham acesso aos artigos, reduzem as oportunidades e o conhecimento que deve ser universal.
O conhecimento deve ser direito de todos e, portanto, o acesso deve ser para todos os interessados em qualquer parte do mundo.
Não ser assim, ampliamos cada vez mais o abismo entre os povos e, o que é pior, entre os próprios cientistas. Mais uma vez creio que os organismos multilaterais (como a ONU e suas subsidiárias como a OMS, Opas etc.), os vários governos bem como as várias entidades da sociedade de todo o mundo deveriam trabalhar em conjunto para alcançarmos estes objetivos.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.