A partir da década de 1990, o campo cultural — tantas vezes reflexo e profecia do mundo — começou a perceber que entrávamos em plena era dos “re” (reformulações, reciclagens, regressos, recuperações, remakes, reedições, retrospectivas), vislumbrando-se uma certa paralisia no horizonte de futuro, como se a única opção fosse se voltar melancolicamente ao passado, em busca de um mundo fora do capitalismo selvagem, desumano, como única solução.
Os filhos começaram a duvidar de que suas vidas poderiam ser melhores do que as de seus pais. O sentimento de que as elites políticas são incapazes de gerar mudanças foi crescendo e a desconfiança em relação ao sistema político se acentuou.
A precariedade e as desigualdades só aumentaram. Até a tecnologia começou a ser olhada com suspeita. A descrença num futuro melhor intensificou-se com a crise financeira e a estagnação econômica, impondo uma atmosfera de incerteza e impotência. como se preservar o mínimo (emprego, educação, saúde) fosse o máximo possível.
As ferramentas que, no passado, se revelavam eficazes para lidar com os desafios da vida individual ou coletiva foram desacreditadas. Hoje parece que projetamos nossos medos para o futuro e falamos com saudade do passado, não só do recente.
Nessa desordem, quando não parece existir confiança nem rumo, podemos traçar utopias, um impulso de transformar o presente por meio do vislumbre de um outro futuro. Mas a desilusão e o temor pelo que poderá vir podem nos levar a tentar regressar a um passado seletivo, logo, idealizado, ou a algo que foi abandonado lá atrás e que julgamos agora poder reparar.
Zygmunt Bauman, que faleceu em 9 de janeiro de 2017, nos legou o conceito de retrotopia. O desejo pelo regresso a um passado mitificado, que nunca existiu realmente, do qual se selecionam apenas algumas partes.
Deslocamos as esperanças de uma sociedade melhor de um futuro que ainda não veio para um passado que não foi da forma como tentamos fazer crer. Entramos num regresso ao que julgamos conhecer e que nunca acontecerá.
O objetivo já não é conseguir uma sociedade melhor, porque consegui-la parece uma esperança vazia, mas apenas melhorar algo dentro dela. Vive-se numa urgência sem fim e há quem desista de pensar ou construir outro mundo, satisfeito com que o mundo simplesmente lhe aconteça.
Mas, se a grande maioria deixou de pensar o futuro, não o fez por opção, mas sim porque não possui um horizonte. Estão vivos hoje, têm emprego e comida para os filhos, mas não sabem se terão amanhã. A incerteza não lhes permite ver o futuro para além do imediato. Vive-se em uma espécie de eterno presente, com mais perguntas do que respostas, mais problemas do que soluções. Mas regressar ilusoriamente ao passado, seja ele qual for, não parece solução para quebrar o enguiço.
É necessário encontrar outras formas de viver o tempo que temos para viver, valorizando a memória sem ficar preso à história, sem temer paradoxos ou aquilo que não se conhece por inteiro, porque é nesse processo que o desejável pode ser alcançado.
Em uma de suas últimas entrevistas, Bauman foi perguntado se era otimista em relação ao futuro. Respondeu que era pessimista no imediato e otimista no longo prazo, refletindo que a humanidade já havia passado por encruzilhadas que tinham sido superadas. Mas até que a confiança no futuro seja uma reposta, é inegável que muitas vidas continuarão com um ponto de interrogação.
Retrotopia disseca o fenômeno atual de a busca por um mundo melhor não estar mais no futuro a ser construído, mas em ideias e ideais do passado, como nacionalismos exacerbados e fechamento de fronteiras.
Grandes planos do passado, abandonados, mas não mortos, estão sendo ressuscitados e reabilitados como possíveis caminhos para um mundo melhor. E nos tempos atuais, as relações entre os indivíduos nas sociedades tendem a ser menos frequentes e “as relações escorrem pelo vão dos dedos”.
O capitalismo caminhando juntamente com o consumo demasiado, o chamado consumismo, consequentemente acarreta na degradação, na devastação ambiental e na grande emissão de gases poluentes.
Luis Norberto Pascoal é empresário, empreendedor e incentivador de projetos ligados à educação e à sustentabilidade. A Fundação Educar Dpaschoal é um dos pilares de seu trabalho voltado ao desenvolvimento humano e social.