A Editora Elsevier em sua área da Saúde (Elsevier Health), desenvolveu o relatório Clinician of the Future * para explorar as tendências e mudanças globais que afetarão o futuro da saúde, particularmente na medicina e enfermagem. O estudo envolveu quase 3.000 médicos de 111 países, inclusive do Brasil, para perguntar como serão os cuidados de saúde daqui a 10 anos – e como podemos enfrentar os desafios futuros.
Como sabemos, a área da saúde está conectada a praticamente todos os aspectos da sociedade moderna. Contamos com profissionais altamente treinados para nos manter saudáveis usando amplo conhecimento e ferramentas e recursos clínicos e instrumentais progressivamente mais avançados. Em contrapartida, os médicos de todo o mundo estão enfrentando muitos desafios. Cuidar de uma população em crescimento (e envelhecendo), manter-se atualizado com as mais recentes informações científicas e tecnologias de saúde e responder às necessidades de pacientes mais informados e exigentes aumentaram a pressão sobre os profissionais de saúde.
O burnout (deixar a profissão por esgotamento físico e/ou mental) se tornou um enorme problema em todo o mundo particularmente para profissionais de saúde, incluindo os médicos.
Entender este problema e fazer as ações para reduzi-lo é fundamental para o futuro da saúde pública e individual de nossos profissionais. A pandemia de Covid-19 colocou mais pressão sobre médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde e que cuidam de pacientes nas circunstâncias mais difíceis. Com esses desafios em evolução e definidos para crescer nos próximos anos, como ajudamos a preparar os médicos para a próxima década? Quais habilidades o clínico do futuro precisará para fornecer o melhor atendimento aos seus pacientes? Como será feito o atendimento? E como os desenvolvimentos tecnológicos impactarão na formação médica e na prática diária?
Estes são alguns pontos de discussão apresentados e discutidos neste importante documento que procurarei sumarizar usando os dados do próprio relatório.
Os médicos estão preocupados com a escassez global de profissionais na área da saúde e muitos indicaram que deixarão a profissão ou mudarão de função devido ao esgotamento (burnout). Muitos estão se sentindo sobrecarregados com a quantidade crescente de informações, dados e tecnologia que precisam acompanhar, além de uma população crescente de pacientes mais informados, pressionando ainda mais os profissionais de saúde.
Para reverter essa tendência, os médicos estão pedindo mais suporte ao seu bem-estar nos próximos 10 anos, além de reservar tempo para fornecer treinamento e suporte em novas tecnologias que ajudarão a trabalhar com mais eficiência e evitar que a tecnologia seja vista como um fardo. E eles esperam que as pressões do trabalho aumentem nos próximos 10 anos – a crescente população global, as altas expectativas dos pacientes, as habilidades necessárias das tecnologias digitais de saúde e o aumento dos dados contribuem para que os médicos prevejam que haverá um déficit maior de enfermeiros e profissionais médicos em 2031 em todo o mundo.
Aumentar o foco no bem-estar é identificado como uma das principais prioridades dos médicos e será crucial para superar o esgotamento e a escassez de mão de obra.
26% dos médicos, em todo o mundo, dizem que o apoio ao seu bem-estar é uma prioridade, 74% dizem que vão faltar enfermeiros, 88% dizem que vão faltar médicos, enquanto 85% dos médicos disseram que gostavam de seus empregos e apenas 57% achavam que tinham um bom equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Os médicos preveem que a habilidade tecnológica será a capacidade mais importante para médicos e enfermeiros em 10 anos.
No entanto, muitos relatam estar sobrecarregados com a enorme quantidade de dados e informações que devem receber, levando a preocupações de que aumentar o papel da tecnologia em saúde consumirá mais tempo do que economizá-lo. Existe um amplo apoio entre os médicos para revisar a educação e o treinamento para garantir que eles possam acompanhar o ritmo acelerado dos avanços tecnológicos.
Em todo o mundo, 56% dos médicos, preveem que basearão a maioria de suas decisões clínicas usando ferramentas que utilizam inteligência artificial, 69% relatam estar sobrecarregados com o volume atual de dados, 69% preveem que o uso generalizado de tecnologias digitais de saúde se tornará um fardo ainda mais desafiador no futuro, 83% acreditam que o treinamento precisa ser reformulado para que possam acompanhar os avanços tecnológicos.
Houve um rápido crescimento no uso da tecnologia na área da saúde, e os médicos esperam que essa tendência continue na próxima década. No entanto, embora a tecnologia ofereça um enorme potencial para melhorar a qualidade do atendimento, os médicos alertam que a tecnologia pode se tornar um peso desafiador nos próximos 10 anos. Os clínicos deixaram claro que os processos de trabalho e a educação médica terão que acompanhar o avanço tecnológico; identificam a educação e o treinamento sobre os mais recentes desenvolvimentos técnicos como uma prioridade-chave para os próximos 10 anos.
Atenção especial também será necessária para garantir que pacientes se beneficiem da tecnologia e evitar que seu uso aumente as desigualdades de saúde existentes.
Dentre os médicos, em todo o mundo, concordam que o uso generalizado de tecnologias digitais de saúde permitirá a transformação positiva dos cuidados de saúde, 69% concordaram que as tecnologias de saúde digital serão um fato desafiador, 64% concordaram que o impacto das desigualdades na saúde será exacerbado (quebra de equidade), 63% esperam que a maioria das consultas seja remota em 10 anos, portanto, o treinamento médico precisará refletir como construir um relacionamento médico-paciente por meio de telemedicina e consultas virtuais.
A desigualdade no acesso à saúde é uma das principais preocupações entre os médicos de hoje.
Eles citam um aumento tanto de doenças não transmissíveis como das infecciosas, uma escassez global de médicos e um foco no custo ao invés dos cuidados na prestação de serviços de saúde como fatores contribuintes. Os médicos esperam desempenhar seu papel na redução das desigualdades nos próximos 10 anos. A prestação de cuidados nas casas dos pacientes e o teleatendimento em saúde tornarão os médicos mais acessíveis para utilizar mais tempo gerenciando a saúde pública e prevenindo problemas de saúde ajudará a melhorar os resultados e indicadores em populações de baixa renda.
Dentre os entrevistados, 68% concordaram que há muito foco no custo e não no cuidado, 49% concordaram que a maioria dos cuidados de saúde será prestada na casa de paciente em 10 anos, 73% identificaram que em 10 anos, a gestão da saúde pública será uma prioridade fundamental no papel do médico.
Estes são alguns dados apresentados neste importante documento. Nós que atuamos na academia, formando profissionais para hoje e para o futuro, devemos ler, refletir, discutir e fazer os ajustes que os novos tempos exigirão.
* Clinician of the Future: a 2022 report. March 2022, Elsevier Health
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020