Vamos voltar a falar de câncer nesta coluna. Infelizmente e inexoravelmente, os casos de câncer vão continuar a crescer em nossa sociedade e será assim em todo o mundo. Se olharmos nossa vida de maneira atuarial, praticamente, a probabilidade é de que um em cada dois habitantes da terra tenham algum tipo de câncer em algum momento de sua vida. São cerca de 25-30 milhões de novos diagnósticos de todos os tipos de câncer por ano no mundo. Felizmente, cerca de 70% dos pacientes ou serão curados ou terão longa vida convivendo com a doença e suas consequências. Assim, apesar dos grandes avanços no diagnóstico e no tratamento dos inúmeros tumores que afetam a humanidade, cerca de 4,5 milhões de pacientes por ano falecerão por uma destas doenças. Inúmeros são os fatores envolvidos neste grave problema de saúde pública, mas o envelhecimento associado a hábitos e costumes da sociedade moderna são, possivelmente, os mais importantes.
Para que possamos entender e implementar políticas públicas eficientes são necessárias informações científicas, epidemiológicas e gerenciais adequadas e temporâneas.
Em relação ao câncer, os registros hospitalares e de base populacional são fundamentais. A vigilância do câncer permite conhecer, analisar e monitorar nosso sistema de saúde em todos os seus níveis. Assim, os registros possibilitam calcular a incidência dos diferentes tipos de câncer; conhecer a tendência dos vários tipos de tumores por idade, sexo, raça e outras características demográficas; verificar as mudanças nestas características ao longo do tempo; produzir informações que auxiliem no planejamento e avaliação das ações de prevenção, controle e tratamento e, finalmente, produzir dados para estudos e pesquisas ampliando, assim, o conhecimento sobre cada doença.
No Brasil, no Estado de São Paulo e, em Campinas, temos três níveis de Registros de Câncer: 1- nacional, sob responsabilidade do INCA (Instituto Nacional do Câncer), que agrupa e estima as incidências em todo o País; 2- estadual, sob responsabilidade da FOSP (Fundação Oncocentro de São Paulo) que agrupa e analisa os registros hospitalares de câncer de São Paulo e 3- municipal, que organiza o registro de câncer de base populacional de Campinas (RCBP).
Importante lembrar que câncer é doença de notificação compulsória em Campinas desde 1992.
Entre os anos de 1992 e 2005, este registro de base populacional foi de responsabilidade do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, que fez um excelente trabalho. Sem apoio material e de recursos humanos para a continuidade de seu trabalho, houve uma paralisação desta atividade por 10 anos. Em 2014, a Secretaria Municipal de Saúde, através do Devisa, reassumiu o RCBP. A proposta foi de trabalho retrospectivo, até o ano 2010, e prospectivo, até os dias de hoje. Com isto, não se perderiam todos os dados por longo período de tempo. E assim tem sido feito.
Baseado na notificação compulsória, todos os laboratórios de anatomia patológica e de cito morfologia passaram a fornecer os dados por via eletrônica ou por visitação in loco de monitores treinados para este fim. Infelizmente, durante a pandemia do SarsCov2, este trabalho presencial ficou muito prejudicado, mas o que foi conseguido, como veremos, já foi muito significativo.
Mediamente, 5.000 novos casos de câncer por ano foram coletados e analisados em Campinas. Destes casos, cerca de 60% (+/- 3500) são neoplasias (tumores) invasivas, 30% são tumores de pele “não melanoma” e os restantes, tumores in situ, portanto localizados. Os tumores mais prevalentes são os de próstata e mama, aproximadamente 600 casos/ano, cada.
Entretanto, nos chamou a atenção que os tumores de colo e reto, tanto em homens como mulheres (400 casos/ano no total), tumores de tireoide na mulher (120 casos/ano), e pulmão no homem (120 casos/ano) continuam muito frequentes.
A seguir, temos os tumores gástricos, os linfomas, os tumores de cavidade oral, de bexiga e o melanoma como os mais frequentes em nossa população. Cabe destacar uma relevante redução do câncer de colo uterino em nossa cidade. Este fato, provavelmente, se deve a inclusão e implementação do papanicolau (citologia oncótica) em nossa rede de atenção primária à saúde como medida eficaz de rastreamento, há várias décadas.
Um dos aspectos mais preocupantes derivado também da pandemia do SarsCov2 foi a enorme redução das medidas de rastreamento dos vários tipos de câncer. Isto poderá resultar em recrudescimento destas doenças controláveis através do diagnóstico precoce. Outro dado importante é que o maior número de casos invasivos está na população de 60-75 anos, principalmente nos homens.
Gostaria de ressaltar ainda, os índices qualitativos do RCBP. A Organização Mundial de Saúde (OMS), através da Internacional Agency for Research on Cancer (IARC), estabelece quatro indicadores qualitativos para os registros. A IARC leva em conta os casos notificados apenas pela declaração de óbitos; os com localização primária desconhecida; a variação histológica e o percentual de idade ignorada. Todos estes índices, na cidade de Campinas, estão adequados às melhores práticas internacionais. O próximo passo para a cidade será enviar seus dados referentes às neoplasias por via eletrônica (on-line) para a IARC. Este procedimento está muito próximo de ocorrer o que colocará a Campinas dentro das melhores práticas e controles epidemiológicos do mundo e integrada aos dados de base populacional mundial.
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020