As coisas mais simples são as mais complicadas. Cozinhar arroz ou fritar ovo. Ou mesmo fazer um cafezinho. E viver, uma das coisas mais simples que aprendemos no ventre de nossas mães, quem diria, é uma coisa complicada demais.
Mas tente entrar em contato com alguma empresa de comunicação para resolver um pequeno problema técnico com a sua Internet. Ou com o seu celular, com a sua televisão ultramoderna, ou simplesmente para resolver problemas com a Netflix. Horas e meias horas serão desperdiçadas. E são menos horas que você gastaria para preparar um bom almoço para seis pessoas, um tempo que seria perfeito para assar um lombo, cozinhar feijão, picar couve, lavar uma pratada de salada, sem contar o tempo de conversar com os amigos, bebericar, e, veja só, sem ninguém pegar no celular.
O viver simples é andar por aí procurando ninho de passarinho em algum galho de árvore de calçada, se emocionar com algum jardim de rosas suburbanas, com o abraço de dois amigos em uma esquina, do carteiro que bebe água fresquinha dada por uma senhora, do bom dia que deseja o motorista do lotação para quem entra e para quem sai.
Viver é uma coisa complicada, cheia de coisas simples, emaranhadas, um dia-a-dia sem fim de afazeres, uma costura, um remendo de meias, fazer uma bainha, cuidar da horta, do regar as plantas da varanda, de catar o feijão, pôr de molho, trocar a água do repouso, lavar cada folha de alface, rúcula, espinafre, picar a cebola, o alho, refogar o arroz, cuidar da mão de sal, e sonhar que tudo vai dar certo. E assim o viver vai se tornando simples.
Ninguém sabe nada da vida de ninguém. Ninguém sabe de si e muito menos dos seus. Nem dos pais, dos filhos, dos tios, primos, pois o encontro de parentes sempre é uma festa de abraços, palavras de lembranças e entrega de um presente. E assim se simplifica a vida…
E a vida política que deveria ser a mais simples, da entrega social, emocional, empatia, virou as costas para o povo e só pensa em seus próprios dorsos. Tudo é complicado. E o centro olímpico de skate olímpico (posso escrever esqueite?) vai ser construído lá pelas bandas do Suisse Park (posso escrever suíce parque?). Por que tão longe? Por que não na Vila União? Por que não nos baixos do São Bernardo?
Por que não pela cidade, por onde eles andam, treinam manobras, e conquistam medalhas?
Nem tudo é simples assim. Existem interesses. Existem complexos imobiliários, existem afastamento social, e os melhores esqueitistas estão em nossas calçadas, zanzando, zoando suas alegrias e cuidando de voltar pra casa com mais um dia cumprido de emoção e carinho pelo esporte que escolheram.
É simples fazer um campo de treinamento para qualquer esporte.
Mas o problema é tirar da rua e praças da cidade esses meninos que treinam diariamente seus corpos e mentes, suas amizades, sua convivência, seus desejos de calçadas, de paralelepípedos, do desafiar da gravidade, voando em segundos o que não sonhamos em nossas simples vidas – quando muito uns poucos segundos de sair do carro, subir o meio-fio do estacionamento ou andar por alguns minutos na academia.
A vida é simples. A academia é simples. Mandar cartas para salvar a Amazônia é simples. E reclamar que o maridão é um bundão é muito simples. E o maridão reclamar a mesma coisa é a mesma coisa.
Emília Nogueira do Amaral era o nome da minha sogra. Coincidência de sobrenome. E escrevo agora no dia em que ela faria 101 anos. Mas eu bem curti os seus noventa e tantos anos, cantando, e, muito mais que isso, olhando seus olhos acastanhados, sempre alegres, e simples como um pôr de sol.
Vou fechar a janela do computador e buscar os olhos da moça que pariu a moça que me guarda. A vida é simples. Apenas olho um pedaço de papel e vejo os olhos da senhora que ocupou os olhos da minha mãe. E assim me vejo voltando pra casa. Tudo muito simples.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico