Olho o espelho e vejo um velho parecido com o meu avô. Somos assim tão iguais? E assim fico feliz em ser o meu avô. Sou neto de mim mesmo. E devo cuidar de mim. Assim como meu avô cuidou da minha vida de criança, me ensinando a descascar amendoim, ralar côco, cuidar da lenha do forno de barro, do cuidar dos meus manos mais novos. E me ensinou a respeitar os mais velhos. E foi ele que me ensinou a abraçar as pessoas da família. Muitas vezes fui com ele ao Mercadão para comprar saco de amendoim. Para não pesar muito ele dividia o amendoim em dois sacos. E um deles era o meu. E eu subia no bonde quatro abraçado a aquele saco de uns cinco quilos.
E assim aprendi a abraçar as pessoas que eu amava, meus pais, meus tios, primas (embora fossem ariscas), e os muitos amigos de futebol, cinema e estilingue.
Nunca matei passarinho. Mas já fiz coisa pior, assunto que nem cabe aqui e nem acolá. E assim levo os meus desvãos pela vida. E bem sei que o tempo não será capaz de lavá-los – aliás, pretendo levar a vida com as minhas manchas éticas; e com as mortes que provoquei para salvar a pele de companheiros e também a minha própria. Vida de luta democrática; vida de vida; vida de liberdade; vida que hoje milhões de brasileiros levam pelas suas calçadas, ruas e praças.
Nunca fiz nada além de proteger minhas ideias. E assim sigo pelas minhas calçadas, ruas e praças. E também, agora, pelas minhas palavras. Os tiranos se foram e apenas temos agora uma vida complicada com os problemas da rotina econômica, social e política. É a vida seguindo o seu destino. E assim sigo com ela.
Sem remorsos e arrependimentos. Apenas toco a vida em frente e aguardo o bonde do Taquaral que foi retirado dos trilhos pelo idiotismo quercista. E assim sigo a pé pelas ruas do meu velho bairro, olhando o menino que fui por aqueles tempos. Sem saudade ou qualquer coisa que se diga pelos porões dos cotovelos de bares.
Não tenho e nunca tive tempo a perder com prosa de botequim. Apenas ouvia e buscava alguma ideia para uma canção. E assim batia um dinheiro no balcão e saia com alguma coisa que peguei no troco por algumas horas de prosa que, na verdade, não eram tão bestas assim. Homens idiotas e horas de botequim não se misturam. E mais idiotas os que dão risadas de histórias inventadas por alguém que bebe à custa de seus otários ouvintes.
E assim chamo um táxi e volto para casa. E tudo se repete e se faz o mesmo samba da vida. Pelo menos isso. Amigos de samba, mesa e prosa, sabiam disso e davam boas risadas com as mentiras contadas sobre a Vila Nova, Taquaral, Vila Industrial, Itatinga, São Bernardo e afins. Vivi em muitos antros de mentiras, mas a vida me trouxe até aqui. E acho que até não demorou muito. É isso.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico