Para democratizar a arte em territórios diferentes de galerias fechadas e museus, o projeto Ocupação Ocupação chega ao Complexo OMG, que engloba o Parque Oziel, Monte Cristo e Gleba B, em Campinas, para transformar parte do 1,5 milhão de metros quadrados em uma galeria a céu aberto. A ação terá início às 10h deste sábado (22), com a exposição “Lugar Comum”, da artista visual Rochelle Costi. O ponto de encontro para a abertura do evento será na Associação Douglas Andreani, que fica na Rua Wadi Abdala Gnatos, nº 7.
Ocupação Ocupação é uma idealização do curador e artista visual Danilo Garcia, que convidou a curadora independente Andrea Mendes, também artista visual atuante naquelas comunidades, para a realização de um projeto que leva arte para dentro do Complexo OMG que conta com cerca de 100 mil moradores. Antes de sua regularização fundiária, o local foi considerado a maior ocupação urbana da América Latina.
“Lugar Comum” apresenta cinco obras de arte, cada uma estampada em uma lona vinílica de cerca de 4,50 metros por 3 metros, e que serão fixadas nas paredes de casas e comércios.
Rochelle Costi, que faleceu em novembro de 2022, era uma artista visual contemporânea, com destaques importantes em diversas exposições nacionais e internacionais. Em 2018, ela chegou a expor no Subsolo – Laboratório de Arte sua obra “Margens”, que em seguida foi participar da 3th Beijing Photo Biennial, na China.
Segundo Garcia, Costi estava engajada no projeto e colocou como prioridade trabalhar diretamente com os moradores das comunidades.
“Essa era uma característica do processo criativo dela, que trabalhava em todos os estágios da obra de arte, desde sua concepção até a exposição para o público, inclusive interferindo na forma que deveria ser exposta”, explica ele.
Para Costi, a fotografia precisava fazer uma relação com os espaços em que ia ser inserida. Ela tinha a preocupação de que a imagem estivesse no local correto.
“Quando estávamos caminhando pela comunidade, vi uma casa que tinha o mesmo tipo de telhado de uma fotografia da Rochelle, ressaltando que o local é um lugar de descarte de lixo reciclável e tem muita planta. De repente percebi que ali havia um grande coração e é por essa razão que a obra com o coração dentro da casa será instalada ali”, comenta Garcia.
De acordo com ele, a artista tem obras de arte que mostram muito o seu processo criativo, como nos que retratam quartos de dormir, salas de visitas, espaços íntimos, mas que ela conseguia fotografar ao estabelecer uma relação com aquelas pessoas que residiam ali.
No caso específico desse projeto, a artista visual já havia previsto uma oficina de corte e costura em que os moradores serão contratados e capacitados para transformar as lonas vinílicas, após as mostras, em produtos como aventais, sacolas, pufes, bolsas entre outros. A ideia é oferecer um sistema básico de empreendedorismo e sustentabilidade.
“Ou seja, após a produção dos objetos, eles poderão ser vendidos e o lucro será revertido para a própria comunidade. Inclusive os chassis de ferro poderão ser aproveitados. Foi essa a colocação dela quando discutimos o projeto. E está sendo e será um grande desafio fazer tudo isso sem ela”, comenta o curador.
E agora com a falta da artista, a programação será mantida, contudo, a coordenação ficará a cargo da filha dela da artista, Lola Martin Costi, que hoje se autodenomina Zero.
O que é o projeto
Ocupação Ocupação é um projeto selecionado pelo Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo (ProAC) em 2022, e deverá ser realizado de abril a novembro deste ano. Sua idealização partiu do curador e produtor cultural Danilo Garcia e tem como curadora adjunta a artista visual Andrea Mendes
O projeto foi concebido a partir da observação de Garcia, que tinha como ponto de vista o lado de fora, onde a estética e a formação das comunidades Parque Oziel, Monte Cristo e Gleba B se apresentam para quem entra na cidade pela Rodovia Santos Dumont.
“Em minhas primeiras visitas a Campinas, eu dirigia pela rodovia e ‘enxergava’ fotografias da série ‘Floradas’ da artista Rochelle Costi inseridas naquele espaço. A reflexão vinha porque eu não via vegetação naquele lugar, eu olhava e só via um tom geral de terracota. Para mim faltava cor. E como minha pesquisa artística está baseada em instalação, eu vejo aquelas comunidades não como individuais, mas como uma única instalação, e daí nasceu a ideia ocupar o espaço que já foi ocupado com arte. E com obras de arte da Rochelle Costi que vem com flores, com muito colorido”, esclarece ele.
Ele completa que o projeto foi tomando forma ao longo dos últimos cinco anos, período que frequentou a cidade por conta do espaço cultural Subsolo – Laboratório de Arte.
Para desenvolver sua ideia, Garcia convidou a curadora independente Andrea Mendes, que é muito ativa dentro do Complexo OMG, para que juntos pensassem o projeto.
“Discutimos bastante como levar a proposta para os moradores e, principalmente, como envolvê-los no projeto. Queremos um diálogo com aquelas comunidades, tendo a arte como interface, assim como um olhar da sociedade do entorno para elas”, afirma o idealizador.
E são os dois que juntos conversam com os moradores para que entendam o objetivo do projeto e a ideia de que pessoas de fora da comunidade visitem as exposições artísticas naquele espaço. Todo e qualquer movimento é feito através de conversas e troca de ideias com eles.
Outro ponto que mostra o envolvimento das comunidades com o projeto está relacionado à contratação de profissionais do próprio Complexo ou de pessoas que têm ligação com este tipo de atividade com populações de áreas periféricas. Até o momento, 15 pessoas estão trabalhando dessa forma, sendo a maioria do OMG como serralheiro, o pessoal do transporte de materiais e o produtor executivo Tiago Moreira Santos que trabalha com comunidades periféricas.
Andrea Mendes, a curadora adjunta no projeto, acredita que Ocupação Ocupação “é uma ferramenta inovadora de prática curatorial comprometida com a promoção da democratização do acesso às artes visuais, não apenas por optar pela exibição pública de obras de arte em comunidades, mas por promover a construção coletiva com os moradores do lugar”, aponta ela.
Mendes chama a atenção para o papel do projeto na promoção da acessibilidade social ao se transformar em ferramenta contra-hegemônica ao levar obras de arte da galeria para as ruas do Complexo.
“É por intermédio disso que o projeto se concretiza. Ele convoca o público externo a fazer uma imersão cultural pelas rotas artísticas do Complexo onde as obras estarão instaladas”, completa a curadora. Essa ação, na opinião dela, fomenta novas perspectivas narrativas e visuais sobre territórios periféricos. E promove a ampliação de repertório cultural e visibilidade das produções locais no intercâmbio entre artistas internos e externos.
Etapas seguintes
Cada etapa do projeto Ocupação Ocupação tem o prazo de cerca de 50 dias entre uma e outra. Após a exposição de Rochelle Costi, o artista visual Fernando Tosko, que tem sua pesquisa centrada na arte urbana.
A seguir, a artista visual Isabela Senatore, que se expressa por meio da fotografia, fará uma ação com os moradores. E para encerrar o projeto prevê uma atividade em que a população do Complexo OMG será convocada a participar de uma exposição com a própria produção artística.
Para amarrar o conjunto de ações realizadas, ao final o curador Andrés I. M. Hernández fará um texto crítico sobre o projeto.
O detalhe importante na expografia das obras de arte é que haverá um roteiro diferente das ruas. Ou seja, o projeto pretende incentivar a aproximação do território periférico com o universo de legitimação, criação e difusão das artes visuais, segundo os curadores.
SERVIÇO:
O quê? Abertura da exposição “Lugar Comum”, de Rochelle Costi, no Projeto Ocupação Ocupação nas ruas da comunidade Monte Cristo (o mapa das obras de arte está disponível no Instagram #OcupaçãoOcupação).
Quando? 22 de abril – sábado.
A que horas? 10h.
Onde? Ponto de encontro: ADA (Associação Douglas Andreani), Rua Wadi Abdala Gnatos, 7 – Campinas, SP.
Quando visitar? De 23 de abril a 10 de junho de 2023.
Entrada: franca