A máscara não fazia parte da nossa cultura e parece que por um bom tempo não poderemos desprezá-la, se bem que há pessoas que infelizmente já fizeram isso. Com o sorriso coberto, o olhar ganhou ares de protagonista do rosto. As mulheres, sempre atentas à maquiagem, dispensaram o batom para concentrar o make nos cílios e sobrancelhas. O delineador é item indispensável nessa fase de olhares marcantes, sendo que, a todo momento, o Facebook é invadido por anúncios de produtos que prometem delineados perfeitos em poucos minutos. Em algumas lojas de lingerie, um dos itens mais vendidos é a máscara, duas por R$ 19,90, cores variadas, tecido que não amassa, fácil de lavar, praticidade como aliada.
No café, a moça do caixa usa um modelo enfeitado com strass, enquanto a vendedora da loja de lingerie se contenta com uma bem simples, ofuscada por seus belos olhos azuis. Poderosas, essas meninas continuam vaidosas mesmo em tempos de cuidados redobrados com a saúde. É certo que os consultórios oftalmológicos registraram nos últimos tempos mais casos de conjuntivite, síndrome do olho seco e outros problemas que afetam a visão, mas hoje não vou me ater a eles, e sim à importância do olhar.
“Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para dentro do seu coração. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda.”
Carl Jung, psiquiatra suíço
A psicologia explica: pessoas que olham constantemente para os lados são nervosas, mentirosas ou distraídas. Quando alguém desvia o olhar, pode ser sinal de desconforto ou submissão. Olhar de soslaio geralmente significa que a pessoa está desconfiada. Se alguém encara o chão, tudo indica que seja um ser tímido ou reservado. Quem tende a olhar para baixo costuma estar chateado ou tentando esconder alguma coisa. Se o olhar parece distante, é sinal de que a pessoa está refletindo, ou mesmo não ouvindo.
Nos anos 60, os psicólogos estudaram a maneira como nossas pupilas se dilatam quando estamos mais estimulados, tanto com interesse intelectual, emocional, estético ou sexual. Isso levou a um debate sobre os rostos com pupilas mais dilatadas, considerados pelos espectadores como bastante atraentes.
Mas não tem como falar sobre os significados do olhar sem citar o papel da fotografia. A paternidade da expressão “instante decisivo” é atribuída ao mestre francês Henri Cartier-Bresson, que morreu em 2004, aos 95 anos, e define o exato momento em que o fotógrafo dispara e captura uma imagem única, que nunca mais se reproduzirá da mesma maneira.
Bresson explicava: “A gente olha e pensa: Quando aperto? Agora? Agora? Agora? Entende? A emoção vai subindo e, de repente, pronto. É como um orgasmo, tem uma hora que explode. Ou temos o instante certo, ou o perdemos…e não podemos recomeçar…”. “É preciso sempre tirar fotografias com o maior respeito pelo sujeito e por si mesmo”, ensinava.
Antes do gesto e da palavra
O neurocirurgião e professor Fernando Gomes, em entrevista ao programa O Mundo Pós-Pandemia, da CNN, lembrou que nos comunicamos através de três meios: fala, linguagem corporal e expressão facial. “Quando você coloca uma máscara, tira a informação dos dois terços inferiores do rosto, mas continua com o olhar. Você já deve ter percebido isso, mas tem pessoas que sorriem com o olhar, você não precisa ver a boca fazendo a curvatura superior. O nosso cérebro é muito rápido, e rapidamente aprendemos a ler emoções através da expressão facial pela parte [exposta do rosto] que sobrou”, explicou.
O músico, poeta e compositor Arnaldo Antunes, definiu bem: “O seu olhar melhora o meu”, e a escritora Clarice Lispector foi perfeita ao dizer: ”Quantas coisas cabem em um olhar! É tão expressivo, é como falar”. Também Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Chico Buarque escreveram lindamente sobre a sensação de cruzar um olhar e se apaixonar.
Já o psicólogo americano Paul Ekman, pioneiro no estudo da relação entre as emoções e as expressões faciais, foi o consultor científico do filme Divertida Mente (Inside Out) e da série O Rosto da Mentira (Lie To Me), inspirada na sua vida. Ekman passou mais de cinquenta horas conversando face a face com o líder espiritual budista Dalai Lama, e a partir daí desenvolveu um programa chamado Cultivar o Equilíbrio Emocional, ensinado por Eva Ekman, a filha do psicólogo, também uma estudiosa das emoções. Em 2016, a pedido de Dali Lama, Ekman criou, em parceria com a filha, o Atlas das Emoções.
As emoções influenciam escolhas e aprender com as experiências emocionais geram mais sabedoria.
“Na verdade, as pessoas querem ser felizes, e a maioria não quer sentir medo, raiva ou tristeza. Mas não poderíamos viver sem as emoções, a questão é como lidar com elas”, explicou Paul Ekman. O Atlas ajuda a entender as emoções, como elas são desencadeadas, qual é a sensação, e como respondemos a elas.
“Nós temos, por natureza ou por questões biológicas, emoções destrutivas e emoções construtivas. O que estamos fazendo não é apenas pelo conhecimento, mas sim no sentido de criar um ser humano feliz”, disse Dalai Lama. “Podemos rezar a Deus ou a Buda, mas cada problema é criado por nós. Não creio, portanto, que nem Deus nem Buda possam fazer muito quanto a isso”, acrescentou.
Tá difícil, ainda mais depois da pandemia, mas continuamos tentando.
Reflexões sobre o olhar
“A alma tem um intérprete que, muitas vezes, é inconsciente, porém sempre fiel: o olhar.”
Charlotte Brontë, escritora inglesa
“Quando as palavras são contidas, os olhos costumam falar muito.”
Samuel Richardson, escritor inglês
“Quase nada precisa ser dito quando você tem olhos para expressar o que sente”
Tarjei Vesaas, poeta norueguês
“Ninguém pode mentir ou esconder nada quando olha diretamente nos olhos de alguém”
Paulo Coelho, escritor brasileiro
“Os olhos gritam o que os lábios temem dizer”
William Henry, químico inglês
“Quando o coração está cheio, os olhos transbordam.”
Sholom Aleichem, escritor ucraniano
“A verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens, mas em olhar para as mesmas com novos olhos.”
Marcel Proust, escritor francês
“Como não podemos mudar a realidade, mudemos, então, os olhos que enxergam a realidade.”
Nikos Kazantzakis, escritor grego
“Só porque um homem não pode usar os seus olhos, não significa que ele não tenha visão.”
Stevie Wonder, cantor americano
“A alma não teria arco-íris se os olhos não tivessem lágrimas”
John Vance Cheney, poeta americano
“Os olhos só veem o que a mente está preparada para compreender”
Henri Bergson, filósofo francês
“Abra seus olhos, olhe para dentro. Você está satisfeito com a vida que está vivendo?”
Bob Marley, cantor jamaicano
“Nossos olhos estão cheios de terríveis confissões”
Anne Sexton, escritora americana
A luz que vem de dentro
O ativista político e escritor Jacques Lusseyran (1924/1971), já tocava violoncelo quando menino, mesmo antes de perder a visão, aos sete anos. Em seu livro Memórias de vida e luz, Jacques ressaltou a imensa importância que a música assumiu para ele: “A primeira sala de concerto em que entrei, aos oito anos, significou mais para mim no espaço de um minuto do que todos os reinos encantados. […] Entrar naquela sala foi o primeiro passo de uma história de amor. A afinação dos instrumentos cativou-me […] eu chorava de gratidão toda vez que a orquestra começava a cantar. Um mundo de sons para um cego, que súbita graça! […] Para um cego, a música nutre. […] Ele precisa recebê-la, servida em intervalos, como alimento. […] A música foi feita para os cegos”.
Lusseyran dizia que a alegria não vem de fora, “pois tudo quanto acontece conosco, está lá dentro”. Escreveu: “No momento em que perdi a luz dos meus olhos, descobri que a luz dentro de mim não diminuíra. Não era obrigado a lembrar o que essa luz havia significado para os meus olhos, nem a manter viva a memória desse fato: a luz estava ali em meu espírito e em meu corpo. Estava gravada neles integralmente…”. De arrepiar!
Janete Trevisani é jornalista [email protected]