Na noite anterior à última rodada do Campeonato Paulista, a Ponte Preta divulgou uma carta aberta redigida pelo presidente Marco Antônio Eberlin (veja íntegra abaixo), com o objetivo de prestar esclarecimentos antecipados à comunidade alvinegra, diante do iminente e trágico rebaixamento à Série A2, que acabou se concretizando no último sábado (19), com empate em 2 a 2 com o Ituano, diante de pouco mais de dois mil torcedores, no estádio Moisés Lucarelli.
Com uma campanha deplorável que sequer atingiu pontuação de dois dígitos, a Macaca caiu como lanterna do Grupo D e penúltima colocada geral do Paulistão. Foram apenas nove pontos conquistados em 12 jogos. A equipe alvinegra se despediu da elite estadual como a pior defesa, com 23 gols sofridos, e o segundo pior ataque da competição, com 10 gols. Somente três jogadores da equipe balançaram as redes: Lucca, vice-artilheiro do campeonato, com seis gols, além de Ribamar, que marcou três vezes, incluindo dois no jogo final contra o Ituano, e Fessin, autor de um gol na segunda rodada.
Com exceção do lanterna rebaixado Novorizontino, a Ponte Preta é dona da maior sequência vigente sem vitórias entre todos os outros times do Campeonato Paulista. São sete jogos de jejum, número que chega a oito, contando a Copa do Brasil.
No extenso documento direcionado à torcida pontepretana, tornado público cerca de 24 horas antes do desastre consumado, Eberlin não fugiu da responsabilidade pela equivocada montagem do elenco, formado com participações do coordenador de futebol Luís Fabiano e do técnico Gilson Kleina, demitido do meio do Paulistão para a chegada de treinador Hélio dos Anjos, mas apontou o dedo para situações anteriores à sua gestão que ajudaram a levar a equipe alvinegra ao princípio, destino que vinha se ensaiando há pelo menos dois anos.
Os principais motivos listados pelo atual mandatário alvinegro, que assumiu o comando da Ponte Preta em janeiro, após a vitória nas eleições de novembro, dizem respeito a problemas de ordem estrutural e financeira, entre eles dívidas trabalhistas decorrentes de más gestões recentes, especialmente em 2017, último ano em que a Macaca disputou o Campeonato Brasileiro da Série A.
No total, de acordo com Eberlin, a Ponte Preta possui uma dívida que pode atingir R$ 250 milhões.
Apesar de todas as dificuldades, Marco Eberlin garantiu que está trabalhando para que a estrutura defasada da Ponte Preta fique para trás, a partir da reforma do centro de treinamento e da construção do novo estádio no Jardim Eulina, projeto envolvido em um imbróglio de documentos desaparecidos.
Confira abaixo a carta aberta escrita pelo presidente Marco Antônio Eberlin à comunidade pontepretana:
Carta à Nação Alvinegra: o ressurgimento da Ponte Preta
[…] É preciso assumir aqui a responsabilidade de nossa diretoria. Com certeza, cometemos erros na montagem da equipe. Não que haja dirigentes infalíveis, erros acontecem nas montagens de qualquer time, mas os problemas ocorrem quando mais se erra do que acerta. Vence o que erra menos.
“Infelizmente, nossa performance foi comprometida devido ao pouquíssimo tempo de trabalho – começamos a montagem no dia 4 de janeiro, quando todos os outros clubes já tinham equipes prontas – e ao surto de Covid que atingiu simultaneamente 16 atletas”
Assim, nossa pré-temporada foi extremamente comprometida. Isso se vê claramente em nossa preparação física, abaixo do que deveria estar.
Jamais vamos nos isentar da campanha ruim […] Erros devem ser reconhecidos para que se aprenda com eles, para que possam ser evitados no futuro e para que arestas sejam aparadas. E isso será feito.
Mas, sem nenhum tipo de choradeira ou ladainha, é preciso falar um pouco sobre as razões que nos levaram a este momento, que claramente não se limitam somente ao campo, pois um clube de futebol vai muito além do que se vê entre as quatro linhas.
Depois de décadas marcadas por gestões pautadas por interesses pessoais e uma grande inércia e perda de representatividade da Ponte no cenário nacional, o MRP (chapa que me conduziu à presidência) apresentou propostas consistentes para criarmos a infraestrutura e as condições necessárias para o clube dar um salto de qualidade nos próximos anos.
E entre os pilares fundamentais para isso estão a construção de um Centro de Treinamento moderno para a base e o profissional e um amplo processo de auditoria das contas do clube, que será o marco zero de um novo modelo de gestão da Ponte.
Estamos avançando rapidamente com o projeto da ampliação do nosso CT, com estudos e projetos de engenharia em progresso, sob a condução da comissão específica criada no Conselho Deliberativo, e com novidades para serem apresentadas em breve.
“O avanço do projeto ainda esbarra na falta de documentos do processo entre WTorre e a antiga gestão, aquele acordo anterior para a construção de uma Arena no mesmo terreno do Jardim Eulina – todos os papéis neste sentido desapareceram, restando apenas atas de diretoria”
Antes de sabermos o teor do antigo acordo e quais as suas eventuais consequências e riscos legais e financeiros para a Ponte Preta, não conseguimos prosseguir com a velocidade que desejamos. Trabalhamos para resolver esse imbróglio com rapidez e contamos com a colaboração daqueles que conduziram o processo em nome do clube.
Quanto à auditoria independente, que será acompanhada de todo um trabalho posterior de implementação de processos de gestão no clube, estamos em negociação com duas empresas de reputação internacional e será iniciado ainda neste primeiro semestre.
Vale lembrar que este processo não tem o objetivo de “caça às bruxas”. Nosso objetivo é oferecer um retrato fiel da situação das contas do clube para toda a nossa comunidade, dar à instituição Ponte Preta a credibilidade que ela perdeu e permitir um processo estruturado de busca de investimentos de longo prazo.
Estas ações são fundamentais para encarar de frente os problemas que a Ponte sofreu nos últimos 15 anos e que, entre outras consequências, trouxeram a deterioração de toda a nossa infraestrutura esportiva.
Neste período, nada foi criado ou construído para acompanhar a evolução do futebol e dar as condições físicas e técnicas competitivas e diferenciadas à nossa equipe. Os raríssimos investimentos em infraestrutura foram meramente cosméticos.
“Não cabe a nós imputar responsabilidades (isso será feito e confirmado pela auditoria), mas já há um entendimento bastante claro de que a Ponte tem um rombo financeiro que pode chegar aos R$ 250 milhões em dívidas e que o ano de 2017, que culminou com descenso à Série B, nos traz consequências extremamente difíceis no âmbito financeiro até hoje”
A maioria das ações trabalhistas propostas contra a Ponte vem daquele ano, quando a diretoria da época deixou de pagar de três a cinco meses de salários para funcionários e atletas. Apenas para citar algumas poucas mais recentes, as de Fábio Ferreira, Rodrigo e João Vitor impactam os cofres da Ponte em mais de R$ 6 milhões.
Novas ações surgem a cada dia e estimamos que neste ano elas poderão impactar o caixa do clube em até R$ 35 milhões, algo que esta diretoria está tentando reverter juridicamente.
E, não nos esqueçamos, a Justiça acaba de determinar bloqueio das contas da Ponte Preta em virtude de um mútuo realizado pela gestão Vanderlei Pereira (mais uma vez, 2017) junto ao dono da EMS: o valor corrigido pode ultrapassar R$ 3 milhões.
Outro problema que enfrentamos foram os salários atrasados do último ano. Antes de assumirmos, buscamos recursos externos suficientes para os primeiros meses de gestão, que poderiam ter sido usados para outras contratações de jogadores que teriam tornado nosso elenco mais forte.
Porém, parte destes recursos precisaram ser consumidos para saldar vencimentos de funcionários, impostos atrasados e despesas operacionais em atraso que impediam o andamento do dia a dia do clube – que já sabíamos existirem, porém superaram em muito o que projetávamos.
“Continuamos, porém, unidos e fortes no propósito de reestruturar e reinventar a Ponte Preta para um futuro melhor, seja no modelo atual ou dentro de novos conceitos, como de uma SAF”
Estamos estudando com profundidade todos os caminhos e atentos aos rápidos movimentos do futebol brasileiro atual, sempre submetendo e atendendo os anseios dos conselheiros, a quem caberá em última instância as definições dos caminhos do clube.
É fundamental que neste momento estejamos unidos. Entendo, claro, a tristeza e decepção nos corações pontepretanos.
Acompanhamos também nas redes sociais as manifestações da torcida e críticas construtivas são muito bem-vindas. Mesmo aquelas mais contundentes, exprimidas diante da emoção, também têm nosso respeito.
Lamentamos apenas aquelas proferidas pelos derrotados nas urnas, que deveriam ser pontepretanos como os demais e se unirem em prol do clube, mas infelizmente mostram em suas manifestações que colocam à frente seus próprios interesses e não a instituição. A estes cabe nosso total repúdio.
[…] Continuaremos todos juntos, conselheiros, associados e torcedores. Unidos para promover o ressurgimento do primeiro clube de futebol do Brasil fundado como tal e em atividade ininterrupta desde a fundação. Continuamos firmes, sólidos e direcionados para este ressurgimento.
Marco Antonio Eberlin, presidente da Associação Atlética Ponte Preta