As quadras de areia da Lagoa do Taquaral, em Campinas, têm as pegadas de um campeão olímpico. O ex-jogador Pampa, ouro nos Jogos de Barcelona/1992, comanda um projeto que utiliza o vôlei 4 x 4 como base para desenvolver o talento de garotos e garotas. Tanto faz se seguirão nas areias ou se migrarão para as quadras. A intenção é oferecer a base para ajudar na renovação. E a proposta é mais do que pertinente. A Olimpíada de Tóquio levantou preocupações quanto à longevidade da condição do Brasil de referência mundial na modalidade.
O projeto Vôlei de Ouro 4×4 teve início há pouco mais de dois meses. É gratuito e destinado a jovens de 8 a 14 anos. Concebido e supervisionado por Pampa, o trabalho conta com o apoio da Secretaria de Esportes e Lazer. Pampa justificou a escolha pela versão 4 x 4 do vôlei de areia. “É uma prática muito comum nos Estados Unidos, aqui no Brasil ainda nem tanto. Se destaca por seu caráter educativo e pela possibilidade de oferecer maior volume de jogo”, resume.
Quando as inscrições foram abertas, no final de agosto, cinco horas após a divulgação do link, as 50 vagas disponíveis se esgotaram. Foi a resposta positiva que Pampa tanto esperava. “Fiquei muito feliz com isso, o professor Felipe Soligo Barbosa é quem está dando as aulas e eu venho auxiliá-lo algumas vezes. Está indo superbem. Só espero que os que se inscreveram levem a sério, venham sempre. Se inscrever e não ter regularidade só vai tomar a vaga de outra criança, fica difícil dar chances a todos que querem realmente aproveitar a oportunidade”.
O número limitado de vagas em oposição à grande procura motiva a “cutucada” de Pampa. É coisa de quem fez do vôlei uma profissão e por meio do esporte definiu o rumo da vida.
“Tive a felicidade de conquistar muitas coisas com o vôlei, é algo que todos que têm determinação podem conseguir”, ensina Pampa
Felipe Soligo, técnico do projeto, também tem DNA de campeão de vôlei. O campineiro, filho do ex-treinador Barbosa, começou a jogar na Fonte São Paulo. Passou pelo Banespa, que era uma das potências do vôlei nacional, e depois fez companhia a Pampa no São Paulo. Mestre em Educação Física, com doutorado em educação física infantil, seguiu os passos do pai: foi dar aulas em universidades e abraçou a carreira de técnico.
“É um privilégio poder trabalhar na minha cidade com o que gosto e ao lado de uma das majores referências que eu poderia ter no vôlei”, diz Felipe Soligo
O início
O Caminho de Pampa até Campinas foi natural. A visita ao amigo Maurício – ex-levantador da seleção Brasileira e embaixador do Vôlei Renata – e depois a conversa com outro amigo da cidade acenderam a ideia. “Muitas mães me procuravam perguntando sobre onde seus filhos poderiam treinar. Percebi que teríamos de montar algo em cima disso, nacionalmente.”
Uma sequência de encontros selou o projeto. “Vim conhecer o prefeito (Dário Saadi), um entusiasta do esporte, e ofereci o projeto do vôlei de praia. Ele é 220 volts, topou na hora. Aí falei com o Fernando Vanin (secretário de Esportes) e as coisas foram amadurecendo”, detalhou.
A Prefeitura cedeu o espaço e Pampa foi atrás dos patrocínios. Conseguiu um pool de apoiadores (Sinalizadora Paulista e Patriani, mais a Decathlon, que doou material) e garantiu o primeiro ano do projeto. Os próximos passos estão organizados. A intenção é ampliar o trabalho e levá-lo a diferentes pontos da cidade, para que as crianças tenham maior facilidade de acesso.
“Nesse projeto fazemos uma base funcional, de fundamentos de voleibol. A partir dos 14 anos, o atleta pode ser indicado para algum clube, se quiser seguir carreira”
Há dois perfis distintos de atletas do projeto. As crianças mais novas, detalha Pampa, chegam para aprender os fundamentos, enquanto as mais velhas, de 12 a 14 anos, já estão de olho em seguir carreira. “O objetivo do projeto é formação, mas vamos trabalhar para tentar encontrar oportunidades futuras para quem busca o alto rendimento”.
Em comum, os dois grupos de aspirantes do vôlei têm a admiração pelo campeão olímpico. Antes e após os treinos, Pampa troca de posição: sai o técnico e coordenador e entra em cena o ídolo que posa para fotos com bom humor e um sorriso agradecido.
Carreira
Pampa fez o caminho inverso da maioria dos jogadores de vôlei. Em vez de migrar da quadra para a praia, começou nas areias do Recife e só depois chegou aos ginásios. “Isso acabou sendo muito bom, essa base na areia me deu uma condição muito boa, sobretudo para saltar. Eu saltava 1m07 na época da seleção”, recorda.
No último ano dentro das quadras, no São Paulo, Pampa ficou como coordenador do time e jogador. A equipe tinha ainda Janelson e Marcelo Negrão, entre outros. Quando o projeto acabou, encerrou a carreira e aceitou o convite para trabalhar no ministério do Esporte, na coordenação de projetos internacionais.
A primeira oportunidade foi o início de uma carreira voltada à gestão esportiva – portas abertas pelo vôlei e aproveitadas por Pampa, que trabalhou também como secretário de esportes das prefeituras de Suzano (SP) e Campos (RJ), superintendente estadual de esportes de Pernambuco e no Parque Olímpico do Rio.
Foram muitas experiências e projetos desenvolvidos, porém, nada ligado à Confederação Brasileira de Vôlei, questão espinhosa para o crítico Pampa. “Esse é o tipo de assunto que a gente precisa dizer ‘prefiro não comentar’”, brinca, para depois avaliar os reflexos que a campanha do vôlei brasileiro na Olimpíada de Tóquio poderá ter.
Pela primeira vez na histórica, o vôlei de praia brasileiro não subiu ao pódio. O vôlei de quadra masculino, quarto colocado, interrompeu uma sequência de pódios olímpicos que começou em Atenas/2004 – a última vez que ficou fora de uma final olímpica foi em Sidney/2000. Adversárias derrotadas pelo Brasil nas finais olímpicas de Pequim/2008 e Londres/2012, as norte-americanas dessa vez levaram a melhor na decisão em Tóquio, com uma convincente vitória por 3 a 0.
“Tudo é reflexo de alguma coisa, não tem azar ou sorte no esporte. Se você treinou muito, tá com a cabeça boa, o resultado deve vir, a não ser que alguma coisa esteja errada, principalmente na parte de administração. Algo está errado há muito tempo, escândalos, problemas de gestão, a gente fala isso há 20 anos, só que agora está aparecendo”, opina.
Pampa ainda diz que “se abstém de falar algumas coisas” porque não está dentro da realidade gestora do vôlei brasileiro. “O vôlei sempre foi aquela coisa bacana, vitrine, exemplo, resultados, a gente fica muito triste com o que está acontecendo, principalmente nós que fomos campeões olímpicos”, descreve.
Pampa acredita que dar voz aos atletas brasileiros poderia ajudar a assegurar a manutenção da posição de destaque do vôlei nacional. “Os atletas queriam mudanças, mas as eleições na CBV não tiveram o peso da vontade dos atletas, e sim dos dirigentes das federações. As coisas precisam mudar”. Enquanto os atletas não ganham voz, Pampa dá oportunidades às jovens promessas que podem seguir suas pegadas de ouro no Taquaral.
SERVIÇO
O quê: Projeto Vôlei de Ouro 4×4
Quem pode participar: meninos e meninas de 8 a 14 anos
Onde: quadras de areia da Lagoa do taquaral
Inscrições: pelo link https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfkodzLNULHyxSk7HBFDcV1rIx6ZQQg9hAgYTBlDUjZBghoPQ/viewform
Informações: Secretaria de Esportes e Lazer de Campinas, fone (19) 3756-4010.