Projeto de lei que irá tramitar nas comissões permanentes da Câmara de Campinas prevê a criação de um polo turístico da Vila Industrial, considerado o primeiro bairro operário e com maior acervo de bens tombados na região central.
A proposta visa fortalecer e ampliar o desenvolvimento da produção local, “nas áreas de turismo cultural, histórico, gastronômico e arquitetônico”, diz o texto. A preservação do patrimônio imaterial de tradições carnavalescas e dos imigrantes portugueses, italianos, alemães e suíços faz parte da proposta. A autoria do projeto é do vereador Jorge Schneider (PL).
O polo turístico seria delimitado pela totalidade do Parque Ferroviário, composto pela antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro e Companhia Mogiana, incluindo todas as construções civis e espaços vazios.
Todos os imóveis já tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) – como as famosas travessas Manoel Freire e Manoel Dias – ou em estudo de tombamento dentro dos limites da Vila Industrial, também fariam parte do projeto, além do polígono que contém a rotunda da Fepasa.
O polo turístico também englobaria os seguintes imóveis: oficina de carros e vagões; a usina geradora; a oficina de locomotivas; a Hospedaria dos Imigrantes; o Armazém Mogiana; o edifício de baldeação; a oficina Sr. Lemos; a Estação da Cia Paulista; a Oficina da Cia Paulista; e o armazém da Cia Paulista.
Desde 2018, quando foi aprovado o Plano Diretor de Campinas, a Vila Industrial passou a fazer parte das Zonas Especiais de Preservação Cultural (Zepecs). Ou seja, uma zona que permite a existência de instrumentos que auxiliam na preservação do patrimônio arquitetônico e urbano. No entanto, a Zepec não engloba todo o limite da Vila, abrigando apenas uma porção do bairro em torno do Complexo Ferroviário.
“A Vila Industrial tem o único acervo arquitetônico da cidade com real valor histórico, segundo diversos urbanistas de destaque, e maior quantidade de bens tombados num só bairro, mas o tombamento em si não está sendo suficiente para manter, literalmente, em pé essas preciosidades históricas”, justifica Schneider.
Para efetivar todas as ações previstas, o Poder Público ficaria autorizado a firmar parcerias com universidades, entidades do terceiro setor e com a iniciativa privada a fim de apoiar as atividades do polo turístico.
OPINIÕES
A proposta agradou a comerciante Eliane Alves de Paiva, de 49 anos, que vive na Travessa Manuel Dias há 14 anos.
“Se a proposta for para ajudar o comércio local tem meu total apoio. Assim pode trazer mais rendimentos para o bairro”, disse.
Já para o marceneiro Antonio Gazatto, 70 anos, 30 deles vivendo na Vila, a proposta não deve vingar.
“As casas são muito antigas, com ruas ‘suspeitas’. Eu não acho que funcione como ponto turístico, até por que é um bairro residencial há muitos anos. Temos botequinhos, mas espaço de alimentação não temos. Acho que vai mais 30 anos para a ideia emplacar”.
Como a Câmara está em período de Recesso Legislativo, a tramitação do projeto – que ainda deverá passar pelas Comissões Permanentes pertinentes ao tema antes de ir para votação no Plenário – se iniciará em fevereiro. Para se tornar lei municipal, a proposta tem que ser aprovada em duas votações e ser sancionada pelo prefeito.
Preocupação com a história da Vila
Em artigo publicado em 2023 na Revista CPC – um periódico científico editado pelo Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo (USP) – as arquitetas e urbanistas formadas pela PUC-Campinas, Mariana Figueiredo Raposo e Ana Paula Farah, reforçaram a importância da Vila Industrial como território histórico a ser preservado.
“Consideramos que o notório valor do bairro da Vila Industrial, como está implícito nos valores materiais e imateriais, é de extrema importância não só para a cidade em que se insere, como em geral, pois narra a história da instalação das ferrovias, indústrias e vilas operárias no estado de São Paulo e no Brasil cafeeiro”, escrevem em ‘O bairro Vila Industrial em Campinas: entre a preservação e o Plano Diretor’.
As pesquisadoras mostram preocupação com as transformações que podem ocorrer na Vila, uma vez que diversos bens tombados pelo Condepacc são edifícios ou ruas isolados, sem considerar o conjunto.
“Em contraste com a importância cultural do bairro, devido ao seu caráter ferroviário e industrial, diversos terrenos estão sendo ocupados e adensados por empreendimentos de condomínios verticais, descaracterizando a identidade operária da Vila Industrial e de suas proximidades”, avaliam no estudo.
Apesar de fazer parte de uma Zepec, o artigo defende que o Plano Diretor abre brechas para que o mercado imobiliário se faça presente em toda a delimitação férrea, quando trabalha com a possibilidade da elaboração de planos e projetos urbanos para as estruturas ferroviárias, “sem especificar quais projetos são esses e como serão implementados, principalmente ao abrir a possibilidade de participação da iniciativa privada”.
Bens tombados
Uma quantidade considerável de edifícios, conjuntos e ruas da Vila Industrial foi tombada nas últimas décadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), a saber: o Curtume Cantúsio, em 2012; a Paróquia São José, em 2013; o Complexo Ferroviário da Fepasa, em 1989 e 2015, também tombado pelo Condephaat, em 15 de abril de 1982; e algumas ruas e vilas dos conjuntos de habitações operárias importantes para o bairro, como as travessas das vilas Manoel Freire e Manoel Dias, em 1994, a Vila da Venda Grande, em 2009, e as ruas Alferes Raimundo e Francisco Teodoro, em 2013.
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