A Resolução CMN 4.966, promulgada em 25 de novembro de 2021, tem como principal objetivo alinhar as práticas contábeis e de gestão de riscos das instituições financeiras brasileiras aos padrões internacionais. Essa nova norma, que terá plena vigência em 1º de janeiro de 2025, substitui as diretrizes de rating bancário anteriormente estabelecidas pela Resolução CMN 2.682/99 e pela Circular BC 3.648/2013, trazendo mudanças substanciais.
Entre suas principais diretrizes, destaca-se a classificação dos ativos financeiros em três estágios de risco, cada um exigindo diferentes níveis de provisão para perdas esperadas. Isso permite uma avaliação mais precisa e detalhada dos riscos associados a esses ativos.
Além disso, a resolução introduz uma análise prospectiva de hedge, que visa aproximar o controle gerencial de risco dos registros contábeis, alinhando-os de forma mais estreita com as práticas internacionais.
Em termos de comparação, o art. 1º da recém revogada Resolução 2.682 do BACEN estabelecia a obrigação de classificar cada operação de crédito conforme os critérios indicados no art. 2º da mesma Resolução. Por meio da recente Resolução 4.966, o BACEN regulamentou a mesma questão com algumas alterações de interpretação da obrigação de provisionamento das operações de crédito. Apesar das intenções positivas, a resolução apresenta uma série de desafios que precisam ser criticamente avaliados.
Primeiro, a regulamentação não foi acompanhada de propostas concretas por parte das instituições financeiras sobre como essas mudanças serão implementadas. Com apenas seis meses restantes para sua plena vigência, ainda há uma grande incerteza sobre as tratativas que as instituições financeiras irão adotar para se conformar às novas exigências.
É necessário destacar que após a promulgação da resolução, houve um período dos quais as instituições financeiras se encontraram estacionárias sobre a mudança, de modo que a obrigatoriedade da adequação se dará em janeiro de 2025.
A principal inovação para a gestão de risco de dá objetivamente no artigo 3° da nova resolução, isso porque apesar de seguir os mesmos parâmetros de sua antecessora no que tange o lapso temporal para atraso nos pagamentos no crédito, houve importante inovação no que diz respeito ao caráter subjetivo dos ativos financeiros com problema de recuperação de crédito.
O art. 3, II traz subjetividade uma vez que é possível caracterizar um ativo como problemático quando houver “indicativo de que a respectiva obrigação não será integralmente honrada nas condições pactuadas, sem que seja necessário recorrer a garantias ou a colaterais”.
Ocorre que com o silêncio das instituições financeiras sobre quais seriam esses indicativos, combinado com a proximidade da adequação, resta claro uma incerteza sobre quais resultados podem vir a ocorrer desta nova característica analítica.
Essa falta de clareza pode levar a um período de inconsistência e instabilidade no sistema bancário, afetando negativamente a confiança dos investidores e a estabilidade financeira do mercado.
Há também uma evidente flexibilização na resolução, para que seja facilitado e talvez até incentivado a cessão de créditos problemáticos para instituições terceiras.
A prática da cessão de crédito, já amplamente utilizada por bancos para lidar com créditos inadimplentes, apresenta uma contradição quando combinada com a nova exigência de uma análise de risco mais rigorosa.
Uma análise de risco mais rigorosa deve focar exclusivamente no risco real, prevendo as perdas esperadas e os juros incidentes, proporcionando uma visão precisa e realista da situação financeira dos ativos, é óbvio que todos os riscos não podem ser antecipados, no entanto, a estrutura BACEN já possui uma base extremamente sólida com os indicativos de inadimplência, de que, a resolução pode incentivar ainda mais a cessão de créditos, facilitando a venda desses ativos problemáticos para terceiros.
Essa dualidade levanta preocupações sobre a eficácia da resolução em realmente fortalecer a gestão de riscos. A cessão de crédito pode ser utilizada como uma forma de mascarar as deficiências nas avaliações iniciais de risco, transferindo o problema para outros atores no mercado em vez de enfrentá-lo diretamente.
Além disso, a regulamentação que facilita a cessão de crédito pode tornar essa prática uma estratégia predatória, onde bancos se tornam excessivamente dependentes da cessão de crédito para limpar seus balanços. Isso pode resultar em uma degradação da qualidade da análise de risco e perpetuar um ciclo de inadequação na gestão de créditos.
Há de se observar que mesmo com a promulgação extremamente antecipada, não houve movimentação pelas instituições de forma que há evidente incerteza sobre como se dará essa análise de risco.
Essa situação evidencia a necessidade urgente de as instituições financeiras acelerarem seus esforços de conformidade com a resolução. O atraso inicial na adaptação pode resultar em riscos significativos, tanto em termos de conformidade regulatória quanto de reputação.
Portanto, é imperativo que se priorize a implementação de medidas necessárias para cumprir os requisitos estabelecidos, garantindo assim a estabilidade e integridade do sistema financeiro.
Ademais, esse cenário destaca a importância de uma comunicação transparente e colaborativa entre reguladores e instituições financeiras, visando mitigar quaisquer obstáculos que possam surgir durante o processo de transição.
Ana Carolina Rôvere é advogada no Granito, Boneli e Andery (GBA Advogados Associados), pós-graduada em Processo Civil e mestranda em Direito Empresarial.
Guilherme Braga Herrera é advogado no Granito, Boneli Andery (GBA Advogados Associados), pós-graduado em Processo Civil e pós-graduando em Direito Bancário.