“Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho, foi escolhido nesta terça-feira (12), pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais para representar o Brasil na disputa de uma das cinco vagas na categoria filme internacional (antigo filme estrangeiro) do Oscar 2024.
Ao ler a informação, tentei convencer um jovem a assistir ao filme do cineasta pernambucano que esteve em Cannes, o mais importante festival do mundo, além de mostras como a de Nova York. Como fala de cinema de rua, sugeri que ele o visse no cinema.
“Cinema de rua! O que é isso”? Esta foi a reação bem-humorada dele. Eu embarquei no humor e disse: “no tempo em que os bichos falavam, não havia shoppings e assistíamos a Bergman, Glauber, Fellini, Nelson Pereira e Kubrick, entre outros, em salas localizadas nas ruas”.
Morador do centro de Campinas, eu gastava dois minutos de casa ao Cine Ouro Verde (o maior da cidade) e ao Paradiso, afetuoso cineclube comandado pelo ator Hélcio Henrique.
Em três minutos alcançava o simpático Jequitibá e, em quatro, o moderno Windsor, com plateia stadium. Em dois minutos e meio chegava ao Cineclube Victória, da obstinada Neusa Silva, sediado no antigo Hotel Victória, que hospedou o imperador Pedro 2º, em Campinas; hoje, abandonado – D. Pedro virou nome de shopping na cidade.
O Regente ficava a cinco minutos; o Brasília, a seis; o Alvorada, a sete e, para ver filmes no São José, tomava o ônibus até o bairro Taquaral. O Ouro Verde virou torres comerciais (chegou abrigar duas salas), o Regente é mercado de frutas; Brasília e São José são igrejas e, o Windsor, está fechado.
Pareço velho falando de “como era verde meu vale”, que naquele tempo, sim, as coisas eram boas e que eu era feliz e não sabia. Foram boas e ruins, felizes ou infelizes segundo nossas escolhas ou circunstâncias – igual a tudo na vida. A diferença é que, na condição de jovens, acreditávamos não haver limites nem metas inatingíveis – voaríamos ao encontro do sol, se quiséssemos.
“Retratos Fantasmas” dá sentido a esse cenário porque a matéria-prima dele (e desta crônica) é o tempo. O diretor recorre aos antigos cinemas e se utiliza das ruas do entorno da casa dele e da própria casa (onde rodou cenas de vários de seus filmes) como evocação ao tempo.
Entretanto, ele evita o tom nostálgico. Os vídeos de Kleber, feitos desde a adolescência, são retratos do passado que sedimentam o presente e faz o hoje ser o que ele é.
Eu, tampouco, sou nostálgico, pois acredito na dinâmica da história e de que tudo se adapta à respectiva época e se renova, se expande e se reconstrói.
E o filme faz sentido para desconhecedores da história, aqueles para os quais o mundo foi criado ontem, pessoas sem dimensão da ancestralidade nem noção de que estamos firmados sobre edificações perpetradas por pessoas que vieram muito antes de nós.
Por isso, a presença do majestoso Cine São Luiz, monumento à história ativo no coração do Recife, tem papel fundamental na narrativa, cujo roteiro foi escrito pelo próprio cineasta. O São Luiz é signo de resistência no país adepto do princípio de que para edificar o presente tem de destruir (ou ignorar) o passado.
Foi assim que derrubaram a linda igreja no Largo do Rosário, pois ela se tornou incômodo no meio do caminho a impedir a expansão da avenida Francisco Glicério e, pela mesma razão, veio abaixo o belíssimo Teatro Municipal, imponente edifício que compunha paisagem em plena comunhão com a Catedral.
E o citado Hotel Victória é retrato desse incômodo. Dias desses, ele pega fogo, desaparece da nossa vista e vira fantasma, como se a memória da cidade nada tivesse a ver com nossa identidade.
“Retratos Fantasmas” passou despercebido em Campinas – ficou uma semana no Galleria. A efemeridade da permanência em cartaz é corriqueira ao cinema brasileiro, mas afetou, também, as atrações de Hollywood. Os shoppings andam vazios porque o streaming e sequelas da pandemia fizeram das nossas salas de estar as novas salas de cinema.
A indicação do filme para disputar vaga no Oscar pode ser estímulo para vê-lo, não importa se for em cinema de shopping ou em nossa sala de estar. Meios envelhecem e são descartados para dar lugar aos novos.
Relevante é não perder de vista que o tempo permanece inescapável e estar atento a duas máximas: 1) se não conhecermos a história, estamos condenados a repeti-la. 2) e a repetição poderá vir como farsa.