* A organização do espetáculo informou que por motivos de saúde, as apresentações do espetáculo 12 anos ou A memória da Queda, que seriam realizadas em Campinas, nos dias 5 e 6 de maio, no Sesi Amoeiras, foram canceladas.
Atualizado em 02/05 às 9h30
Após aceitar um trabalho que o leva à outra cidade, um homem negro do século XIX é sequestrado e escravizado por 12 anos. Essa é a história contada no espetáculo “12 Anos Ou A Memória da Queda”, que será apresentado no teatro do Sesi Amoreiras, em Campinas, nos dias 5 e 6 de maio. A entrada é gratuita (veja a programação no final da matéria).
Inspirada no livro “12 Anos de Escravidão”, de Solomon Northup, a montagem, idealizada por Felipe Heráclito Lima, aborda uma temática ainda pulsante: a escravização dos corpos negros. Com dramaturgia original de Maria Shu e texto final de Onisajé, que também assina a direção com Tatiana Tiburcio, a peça teatral apresenta uma releitura através da ótica feminina negra. As alegorias utilizadas pelas diretoras entram na cena por meio dos personagens de David Júnior, Bruce de Araujo e Cintia Rosa, o trio de protagonistas que traduz em imagem, movimento e discurso os arquétipos da história original.
“Reconstruímos essa história a partir da compreensão atual de quem é esse sujeito negro e o que significa essa liberdade para ele hoje a partir dessa trajetória”, explica Tatiana. “Não é interessante trazer algo datado, mas enxergar dentro dessa narrativa as vitórias e avanços alcançados e quais as barreiras que ainda precisamos romper, enquanto existência e perspectiva de futuro”, observa.
A soteropolitana Onisajé fala sobre o posicionamento cênico da dupla de direção que forma com Tatiana. “No que tange à temática, está em cena a nossa análise e posicionamento crítico, ético, político, filosófico e poético-estético acerca da escravização. É uma análise que se traduz na compreensão de que a escravização se sofistica, se disfarça e ainda se mantém muito viva entre nós. Os aportes das diversas opressões encontram na escravização um lugar de deságue”, ressalta.
Onisajé acredita que mesmo os espectadores que não leram o livro e nem viram o filme, dirigido por Steve McQueen em 2013, encontrarão uma argumentação cênica que aponta o quanto ainda são criados discursos de inferiorização para justificar a neo-escravização. “A questão racial é a pauta mais urgente a ser enfrentada no Brasil. Um país que concebe e ainda alimenta argumentações e posicionamentos racistas não poderá avançar como nação”, defende.
Guiando a estética e a alma da montagem estão as referências da ancestralidade, da filosofia e mitologia negra.
“A partir dessa compreensão, revisitamos a história de Solomon, entendendo os pontos críticos da narrativa em relação aos avanços no discurso racial na prática no nosso dia a dia. Ainda vivemos processos de escravização de diversas formas. Processos diretos – nos interiores deste nosso país – e de formas sutis, mas muito bem compreendidas por quem os sofre nos grandes centros urbanos. É preciso revisitar essa história e reconstruí-la a partir de um olhar feminino, negro, matriarcal, poético, lírico, onírico”, aposta Tatiana.
Montagem para o cinema ganhou três premiações no Oscar
A ideia de levar aos palcos a história clássica que, em adaptação para o cinema, foi vencedora de três premiações no Oscar, partiu de Felipe Heráclito Lima. Ao se deparar com uma pesquisa sobre a quantidade inacreditável de trabalhadores em regime análogo à escravidão em fazendas de búfalo da Ilha de Marajó (PA), o artista questionador percebeu o quanto o assunto, até então por ele ignorado, precisava ser debatido.
“Senti a necessidade de falar sobre questões urgentíssimas como essa, porque é enorme a quantidade de pessoas iludidas por uma boa oportunidade de trabalho que, por fim, são submetidas a um regime desumano dentro de algumas distorções realizadas dentro do capitalismo – que não pode se impor sobre os valores humanos. Isso mexe muito comigo e pensei nesse projeto como uma plataforma de falar de todos estes assuntos que precisam ser vistos e debatidos a partir do nosso passado colonial nesta sociedade escravocrata”, resume.
O atual momento foi determinante para a montagem contar com David Júnior no elenco. “Estamos tocando numa ferida social, econômica, estrutural do nosso país que precisa ser falada. Me sinto muito realizado como artista pelo tema e pela equipe técnica incrível que conseguimos reunir neste trabalho. Enquanto tivermos pessoas sendo descartadas da sociedade apenas por representar o seu lugar de negro, com todo este discurso de ódio, invisibilidade e descaso com os corpos negros precisaremos colocar estes assuntos em voga. É importante estar em cena no momento em que estamos vivendo, falando dessas mazelas antigas e, ao mesmo tempo, tão atuais na nossa sociedade”, pontua David.
Bruce de Araujo ressalta a maneira como o tema é retratado em cena. “A peça foge dos clichês como são apresentados normalmente quando a gente trata de escravidão contemporânea, ou do racismo em suas mais diversas formas. O texto é direto, é atual, mas ele vem de uma maneira muito poética, muito bonita. E esse olhar poético faz com que as pessoas saiam do espetáculo potencializadas para promover uma mudança.”
SERVIÇO
“12 ANOS OU A MEMÓRIA DA QUEDA”
Dias 5 e 6 de maio.
Horário: Sexta, às 20h, e sábado, às 16h e às 20h.
Ingressos: Grátis.
Duração: 80 minutos.
Classificação indicativa: 12 anos.
Capacidade: 361 lugares.
Local: Teatro do SESI Amoreiras | Av. das Amoreiras, 450 – Pq. Itália | (19) 3772-4100.