Escrevo de 2081. Olho para trás, busco as lembranças de uma Terra que já não existe mais. Tudo mudou. Hoje não somos nem 1 bilhão de pessoas. Muitas transformações ocorreram, se fizeram necessárias. Mas não sem sofrimento, com prantos.
Hoje olhamos para trás e vemos o quanto éramos ultrapassados. Poluíamos sem piedade; matávamos e matávamo-nos ao mesmo tempo. Guerras pelo petróleo, pelo dinheiro, pelo poder.
Consumiam, consumiam, consumiam. Desperdiçavam. Matavam, matavam, matavam. Acumulavam.
Hoje não há possibilidade para nada disso. Tudo é racionado, contado. Nada a mais, às vezes a menos. Comprávamos com dinheiro ou cartão de crédito! Que modo arcaico!
Tínhamos manias… metamorfoses… ambulantes… Bebíamos café, suco, água, cerveja, destilados. Ouvíamos vinil, CD, DVD, Blueray, Napster, Youtube, Spotify, mas antes disso tudo compramos o famoso “walkman”. Jogávamos Atari, Mastersytem, Megadrive, Xbox, Playstation.
Agora não há mais necessidade. O real e o jogo se tornaram uma só carne. Líamos jornal, revistas, consumíamos notícias. Hoje é tudo conectado ao nosso cérebro. Inteligência geral.
Usávamos a fala, mas hoje a tecnologia que reconhece os impulsos elétricos no nosso cérebro guia todas as nossas comunicações e gestos. Escrevo o silêncio. Em silêncio.
Agora já não há mais doenças. Vacina contra todas as enfermidades já foram inventadas. Pílula da vida. Mas nem precisava. Os humanos hoje nascem perfeitos, através de mudanças genéticas, e não carregam mais nenhuma anomalia. Santa ciência.
Mas apesar dos progressos, a vida continua dura, ainda pior agora. Sem espécies de passarinhos para nos cantar e encantar. O belo só é visto em fotos e documentos históricos.
Falamos que o passado era bom, porque o presente está muito ruim e intolerável. O passado nunca foi tão bom assim como pintamos, como queremos acreditar. Os laços nunca foram tão fortes antigamente, mas agora se romperam. As novas formas de existência nos trouxeram
benefícios, mas foram acompanhadas de prejuízos. Egoísmo, egocentrismo, falta de pertencimento.
O futuro não está morto, mas é cada dia mais difícil construí-lo.
O velho já morreu e o novo nasceu com fadiga.
Ainda sou analógico e o mundo é digital. Sou romântico e tudo se tornou quântico.
Vivo, mas estou já morto, não sou deste mundo, essa geração não é minha.
Gustavo Gumiero é sociólogo e escritor – @gustavogumiero – gustavogumiero.com.br