Com ajuda de aparelhos de uma UTI domiciliar numa casa do Jardim São Vicente, em Campinas, Taissa Roberta Yoshitake respira, apenas. No dia 21 de novembro de 2000, após uma parada cardiorrespiratória, ela deitou numa cama para nunca mais levantar. Falar, andar ou se comunicar são ações além de suas possibilidades. E o olhar parece buscar algo fora da percepção.
Mas Taissa, de 37 anos, não está só. Maria de Fátima Sousa, de 63, sabe muito bem o que significa lutar para não perder o direito de estar ao lado da sua maior razão de viver, que é a filha. Desprezos, humilhações, perdas e crises emocionais “bateram na porta, entraram e tentaram ficar”. No entanto, quem vence a batalha todo dia é uma mãe, que insiste em repetir: “Sou uma mulher abençoada”.
Nesta quinta-feira (6), Dia Mundial da Paralisia Cerebral, a história de Taissa e Maria pode ser encarada como uma lição de vida, capaz de tornar vários problemas, considerados gigantes por muitos, em meros detalhes do cotidiano.
Com uma força que o sofrimento da vida lhe proporcionou, Maria relembra o passado de sonhos da filha com doçura, sem transparecer rancor ou um sentimento de injustiça. “Ela queria fazer Medicina na Unicamp e era uma menina que vivia para os estudos”, conta a mulher, que viu as expectativas de vida de Taissa serem enterradas quando ela tinha apenas 15 anos com a trágica decisão do destino.
Desde o nascimento, a garota enfrentava graves crises asmáticas. “Eu vivia no hospital com ela”, lembra a mãe. A sequela irreversível veio depois de uma internação. “Tenho quase certeza que a parada cardiorrespiratória aconteceu em função dos efeitos dos remédios fortes que ela tomava no hospital”, afirma Maria, que nos 22 anos seguintes enfrentou uma batalha pela sobrevivência dela e da filha.
Ministro da Saúde
A sequência de transtornos é incontável. Com a filha paralisada numa cama, Maria diz que chegou até a acionar, por meio de um amigo, o ministro da Saúde no início dos anos 2000 para ter seus direitos garantidos junto à assistência do convênio médico. Ela também teve de deixar para trás o restaurante que tinha dentro do CT do Guarani para cuidar da Taissa. O ex-marido, pai da garota, e familiares, como as irmãs, viraram as costas, diz. E na busca por amparo, ela se viu perdida.
“Eu chorava desesperada naquela Cidade Judiciária de Campinas”, conta Maria ao lembrar sua aflição na espera por uma resposta da Justiça às ações movidas que solicitavam recursos junto ao governo. Os gastos mensais, lembra, chegavam a R$ 10 mil.
Em um episódio de crise emocional, ela se lembra com carinho da atitude do neto, que ela cuida, então com 4 anos de idade. “Ele disse para a mulher que me atendeu: ‘Quando eu crescer, vou trabalhar para não deixar nenhuma vó chorar como minha vó’. Ele é um garoto especial.”
Hoje, após batalhas judiciais, Maria recebe do governo fraldas, remédios e alimentos para a filha. Ela também ganha o Loas, benefício assistencial de 1 salário mínimo garantido pelo INSS. A renda e demais materiais úteis para os cuidados com a filha são complementados com a ajuda dos outros dois filhos e de amigos, além de doações e rifas. Às vezes falta muito e nunca sobra, segundo a mãe. “Vivo contando moedas”, diz.
Desafio
Cuidar da filha é um desafio. “Os sustos são constantes. Ela está sempre entre a vida e a morte, mas segue aqui comigo”, diz Maria, referindo-se aos choques anafiláticos de Taissa provocados por reações alérgicas. Mas a mãe não descuida. São oito medicações controladas por dia, além de uma dieta alimentar baseada em Nutren 1.0 dosada a cada 4 horas. Tudo é inserido por meio de uma sonda digestiva.
Os cuidados incluem ventilação mecânica, sonda de aspiração para eliminar secreções das vias respiratórias e trocas da cânula traqueostomia, aparelho que facilita a chegada do ar aos pulmões. Ela conta com a ajuda de enfermeiros, visitas médicas esporádicas e fisioterapeutas, serviços assegurados graças à batalha vencida com o convênio médico. Hoje, a obesidade e o processo de atrofia dos pés da filha preocupam a mãe. “São resultados de 22 anos numa cama.”
Diante de tantas adversidades, qual a motivação de Maria para viver e ainda se definir como uma mulher abençoada? A resposta está na solidariedade, diz.
“Os poucos amigos se transformaram em muitos. Quando precisamos de ajuda, também ajudamos”, comenta a mulher, que participa de um grupo dedicado à assistência social e é sempre a mais engajada, segundo as amigas. “Tudo se resume no amor e na paciência.”
Com relação ao Dia Mundial da Paralisia Cerebral, ela faz um comentário. “Tenho a sensação de que minha filha não existe para a sociedade. Mas ela é um ser humano. Portanto, que haja consciência de que todos precisam ser tratados com igualdade e respeito.”