Vou propor um trecho do poema “Arenas Movedizas” (“Areias Movediças”), do escritor mexicano Octavio Paz (1914-1998), para ajudar em nossa reflexão sobre o que seria afinal o sentido e a importância de uma das palavras mais citadas e polêmicas da atualidade. Uma palavra cada vez mais presente nos noticiários, na pauta de governos e lideranças políticas, na agenda de cientistas, ambientalistas e organizações da sociedade civil. Uma palavra que, pelo seu uso para várias situações, pode acabar ficando desgastada, perdendo o significado. A palavra é: sustentabilidade.
O poema diz: “Pensei que o universo era um vasto sistema de sinais, uma conversação entre seres imensos. Meus atos, o sussurro do grilo, a piscadela da estrela, não eram senão pausas e sílabas, frases dispersas daquele diálogo”.
A minha interpretação desse poema é que tudo no universo está interligado, conectado, para usar outra palavra muito comum hoje. Se está tudo conectado, em permanente conversa, em intermitente diálogo, tudo o que um ser humano, uma empresa, um governo, uma organização social faz tem algum impacto, gera algum efeito.
Essa visão de que tudo está em conexão, fazendo parte de uma grande teia ou rede, ficou mais evidente a partir da década de 1990, quando foi acelerado o fenômeno da globalização. O avanço dos meios de transporte e de comunicação, com o advento da internet, evidenciou que o mundo é uma imensa aldeia. Vivemos todos em uma mesma casa comum, o planeta Terra.
Está nítido que é preciso um cuidado enorme com essa grande casa comum, porque o número de moradores nela aumenta rapidamente. Somente por volta do ano 1800 a Terra chegou a 1 bilhão de habitantes. Pouco mais de um século depois, cerca de 1920, já eram 2 bilhões e aumentando. Eram 3 bilhões de seres humanos em 1960, 4 bilhões por volta de 1975 e 5 bilhões em 1988. No início do século 21 já eram 6 bilhões e, agora, 2023, são mais de 8 bilhões de cidadãos planetários.
Com este crescimento vertiginoso da população, vivendo sobretudo em grandes cidades e metrópoles gigantescas, é natural que surjam as perguntas: que planeta as próximas gerações vão encontrar? Será melhor ou pior?
Estas foram também as perguntas que alimentaram as discussões em um histórico evento realizado no Rio de Janeiro, em junho de 1992. O evento que marcou a consagração do termo desenvolvimento sustentável, e de forma associada o de sustentabilidade, foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Rio-92.
A ideia central debatida na Rio-92 foi a de que a forma padrão como o crescimento econômico e urbano vinha ocorrendo de modo planetário, desde a década de 1950, era insustentável. Não estava sendo observado aquele princípio do início do texto, segundo o qual tudo está ligado e, portanto, o que uma pessoa, empresa ou governo faz tem algum impacto.
A grande sacada da Rio-92 foi a proposta de que um projeto econômico, por exemplo, para ser considerado sustentável, teria que avaliar o seu impacto ambiental e social, além dos seus efeitos para a economia.
Este é o tripé da sustentabilidade, a base de um desenvolvimento sustentável: considerar os aspectos ambientais, sociais e econômicos de qualquer atividade humana, em particular aquelas com potencial de grande impacto.
Vamos ilustrar com um exemplo muito falado hoje em todos os jornais e noticiários de televisão ou internet, o da Amazônia. Desde a década de 1970, a Amazônia vem sendo ocupada de forma desastrosa. Sem controle governamental, a imensa e rica floresta tropical da região, a maior do planeta, vem sendo derrubada em alta velocidade. Uma das consequências do desmatamento acentuado, como têm alertado muitos cientistas, é a alteração no regime de chuvas até na Região Sudeste do Brasil.
A Amazônia também está sendo ocupada por atividades ilegais de garimpo e outros negócios, com impactos no ambiente local e nas populações originais, como no alarmante caso do povo Yanomami.
Ou seja, na busca de lucro a qualquer custo, a forma de ocupação da Amazônia não tem considerado o seu efeito nos recursos naturais, no meio ambiente, e também em termos sociais, nas populações nela existentes. E são igualmente atividades insustentáveis em termos econômicos, porque a riqueza gerada pelo desmatamento fica nas mãos de poucos.
Entretanto, é preciso ficar muito claro que a sustentabilidade é muito mais do que evitar o desmatamento na Amazônia. Este é um caso extremo e fácil de ser levado às telas da televisão.
A questão é que mais da metade da população mundial já vive em áreas urbanas. Em muitos países já são mais de 80% da população vivendo nas cidades. É nas cidades que a sustentabilidade deve ser cada vez mais discutida e praticada.
Nos contextos urbanos, uma outra característica da sustentabilidade é fundamental, a da durabilidade. Aquele modelo de desenvolvimento citado, praticado desde a década de 1950, fez com que qualquer coisa, não durasse tanto. Tudo é feito ou praticado para ser descartado. Seja um produto industrial ou uma amizade, um relacionamento humano.
A sustentabilidade, o desenvolvimento sustentável, pelo contrário, demandam coisas e relações mais duradouras, não-descartáveis. Tanto que na França e mundo francófono em geral o termo “desenvolvimento durável” é mais usado que “desenvolvimento sustentável”.
Mais um exemplo para clarear.
No Brasil, mais de 40% da água tratada e distribuída para consumo da população é desperdiçada, por problemas como vazamentos nas redes subterrâneas. Assim, combater o desperdício de água tratada (o que é feito por um sistema caro e complexo) é um dos grandes desafios para a sustentabilidade das cidades brasileiras. Assim como também é um desafio o combate sem tréguas às desigualdades e à pobreza que continuam gerando muita injustiça nas áreas urbanas.
É preciso que as coisas, as palavras, os significados, os gestos, sejam mais duradouros. O poema de Octavio Paz cita uma “piscadela da estrela”. Como hoje é sabido, uma estrela continua brilhando por muito tempo, mesmo depois que morre. O seu brilho dura para alimentar os poemas, os sonhos dos namorados e a beleza do céu que nos cerca. A noção de sustentabilidade é a de que seja praticado um estilo de vida que continue brilhando por várias gerações.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]