Este dia 10 de setembro de 2021 vai se transformar num marco para um dos episódios mais dramáticos da história recente de Campinas. Delimita os 20 anos do assassinato do então prefeito Antônio Costa Santos – o Toninho – e a constatação de que não haverá mais punição pelo crime a quem quer que seja. Por um simples motivo: atingiu o prazo de prescrição.
O Estado tem um tempo limite para investigar, processar, condenar e executar penalmente alguém por um crime. Caso passe esse tempo e não consiga concluir uma dessas fases, a pretensão do Estado de punir o indivíduo estará extinta – num procedimento chamado no Direito de “prescrição da pretensão punitiva”.
E foi exatamente isso que aconteceu no caso de Toninho. Em duas décadas, o Estado não conseguiu condenar ou executar penalmente alguém pelo crime. E a partir de agora não poderá mais fazê-lo.
Assim, o assassinato de Toninho entrará para a história como tendo sido praticado por um “autor desconhecido”.
“É uma imensa covardia do Estado. Uma ofensa aos diretos humanos e à sociedade que o elegeu, democraticamente, como seu representante”, disse o advogado William Ceschi Filho, que trabalha no caso há 10 anos.
“Um caso grave de omissão e impunidade, que ameaça às regras democráticas”, acrescenta o advogado.
Sem ter para onde correr no Brasil, o advogado e familiares de Toninho vão recorrer a instâncias internacionais.
Ceschi diz que protocola nesta sexta-feira (10) uma denúncia junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos – um órgão judicial autônomo ligado a Organização dos Estados Americanos (OEA) – e cujo propósito é aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos.
A acusação a ser formalizada em Washington é de omissão do Estado brasileiro.
O advogado e a viúva de Toninho, Roseana Garcia, decidiram recorrer à corte internacional por conta da prescrição e por acreditarem que o ex-prefeito foi vítima de um crime político, contrariando a tese da Polícia Civil e do Ministério Público, segundo os quais, a morte foi uma trágica casualidade – ele estaria dirigindo numa avenida, no exato momento em que quatro bandidos haviam concluído um sequestro-relâmpago. Segundo essa tese da polícia, os homens teriam ficado irritados porque não conseguiram ultrapassar o carro de Toninho na velocidade que precisavam.
O assassinato
Quando foi assassinado, Toninho completava 8 meses e 10 dias no cargo de prefeito de Campinas
Toninho foi assassinado na noite do dia 10 de setembro de 2001, na Avenida Mackenzie. Já à noite ele saiu da Prefeitura e decidiu passar no Shopping Iguatemi para pegar um terno que havia comprado.
Por volta das 10 da noite, quando voltava para casa dirigindo o próprio carro – um Fiat Pálio – acabou recebendo três tiros que partiram do carro onde, segundo a polícia, estavam os quatro bandidos do sequestro-relâmpago.
Toninho recebeu três tiros, disparados de uma pistola 9 mm. Um dos projéteis atingiu a veia aorta. Morreu na hora. Naquele dia, completava oito meses e 10 dias no cargo de prefeito.
O traficante e sequestrador Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, chegou a ser acusado formalmente pelo crime. Para a polícia, Andinho e os companheiros ocupavam o carro de onde partiram os disparos contra o prefeito. Os três companheiros de Andinho, no entanto, acabaram mortos em operações policiais em 2003, na cidade de Caraguatatuba, no litoral de São Paulo. Único sobrevivente, Andinho acabou sendo apontado como o responsável pelo crime. Ele sempre negou a autoria.
A Polícia também chegou a trabalhar com a hipótese de o crime ter sido praticado por menores de idade, mas assim, como no caso do Andinho, a Justiça não conseguiu identificar provas minimamente consistentes no processo e rejeitou as denúncias. Em 2011, a justiça determinou que a Polícia Civil retomasse as investigações.
Mas o inquérito andou quase nada depois disso. Segundo Ceschi, por falta de interesse e absoluta ausência de estrutura.
“A delegacia de Polícia Civil especializada tinha um delegado, um escrivão e três equipes de investigadores, que tinham de cuidar da própria delegacia, dos inquéritos que vinham de Indaiatuba e de todos os outros distritos policiais. Acumulavam mais de 300 inquéritos”, contou Ceschi.
A prescrição
Roseana sustenta desde o início, que Toninho foi morto por contrariar interesses de corporações ou cartéis. Para o advogado, o principal motivo para a prescrição foi o “desinteresse” do Ministério Público, e da justiça brasileira. Ele conta que a família fez cinco pedidos formais para que a Polícia Federal entrasse no caso. Todas as tentativas fracassaram. O Ministério da Justiça também foi acionado, mas nada de o processo andar.
No dia 10 de setembro do ano passado, Roseana marcou os 19 anos do crime com um desabafo em uma de suas redes sociais.
“Antonio, hoje faz 19 anos que você foi assassinado! E eu ainda não tenho nenhuma resposta sobre o que realmente aconteceu, naquele horrível 10 de setembro de 2001. Mas, tenho algumas certezas: o crime foi político, você foi assassinado por ser o prefeito de Campinas e contrariar muitos interesses escusos da cidade”, escreveu ela.
“O crime nunca foi investigado da maneira que precisaria ter sido, pois nunca houve interesse genuíno pelo seu esclarecimento; você acreditou que poderia fazer política com ética e empatia, mas não foi possível, ainda não é, o Brasil piorou muito desde que você foi assassinado”, desabafou ela.
Homenagens
Apesar de Roseana dizer que não vai participar de nenhuma agenda pública de homenagens, os 20 anos da morte de Toninho serão lembrados pelos amigos. E um dos mais fiéis é Gerardo Melo – um ativista político e membro do PT desde o surgimento do partido.
Gerardo organiza uma celebração no local onde o prefeito foi morto e uma missa em memória de Toninho, que foi chamada de “Missa: 20 Anos sem Toninho!
Acontecerá no domingo, 12 de setembro, às19h, na Igreja Nossa Senhora Aparecida, na Avenida Arlindo Joaquim de Lemos, 1.110, Jardim Proença, Campinas-SP.
“As investigações precisam continuar. Esse crime não pode ficar impune”, diz o amigo.