Hoje sairemos completamente do tema da saúde nesta coluna para relatar algo muito interessante e inusitado que ocorreu conosco no dia do nascimento de minha terceira neta em Roma na Itália. Inicialmente, queremos dizer que tudo transcorreu bem, sem qualquer intercorrência ou problema e o que vamos contar não tem relação com o parto e sim com fatos periféricos.
Nós estávamos (eu, minha mulher e uma grande amiga – Katia que mora há 37 anos na Itália) na Maternidade de um Hospital Público e Universitário da Universidade “La Sapienza” de Roma com toda a aflição e expectativa que transcorre durante todo trabalho de parto. Minha filha teve um longo trabalho de parto, superior a um dia.
Por convicção absoluta e por ser médica e fisioterapeuta de formação, sempre quis o parto normal, a menos que pudesse haver algum risco, fato que não houve, apesar do tempo longo.
Minha filha quis que a mãe estivesse com ela durante todo o processo. Meu genro estava na Alemanha a trabalho e a caminho da Itália. Nós estamos do lado de fora do Centro Obstétrico (CO) localizado no 3º andar quando a noite foi chegando e a Enfermeira Obstetra nos informou que deveríamos descer e aguardar no térreo. Minha esposa seria chamada quando tudo estivesse preparado para acompanhar o nascimento da neta.
Sem problemas… descemos e ficamos em uma sala de espera. De repente, um vigilante que não sei o nome, nos informou que deveríamos sair do prédio pois, à noite, não poderia ficar ninguém. Explicamos a situação e que a orientação de ficarmos ali era da Enfermeira. O vigilante entrou em contato com ela e ficamos na sala de espera. Mas, o vigilante não se conformou e quando houve a troca de plantão informou ao vigilante Pietro que novamente nos abordou pedindo para sairmos imediatamente. Novamente explicamos o que estava ocorrendo. Fomos praticamente expulsos.
Quando estávamos saindo, explicamos que éramos brasileiros, que viemos para o parto de nossa filha etc. e tal. Não estava adiantando nossos argumentos. Finalmente, nos pediu para aguardar e dormir no carro. Dissemos que não tínhamos carro exatamente pelas razões anteriormente explicadas.
Depois de longa, mas respeitosa conversa, ele nos permitiu que ficássemos na sala de espera. E a noite foi passando, sem o nascimento. Trocávamos mensagens por WhatsApp com minha esposa no CO e nos mantínhamos informados; dormíamos um pouco sentados e desconfortáveis e a angústia crescia. O Sr. Pietro nitidamente, era sempre mais compadecido da situação. Após algumas horas, chamou um colega (Sr. Marco) que gentilmente nos preparou um café e nos deu uma palavra de estímulo.
Passado mais algum tempo, o Sr. Pietro e o Sr. Marco tentavam ligar uma TV que não tinha o controle remoto na sala e ninguém sabia onde estava e não ligava no botão manual. Foi quando chamaram o Sr. Mauro que com o celular e baixando um aplicativo da Samsung conseguiu ligar a TV.
Assim depois de uma noite mal (não) dormida e angustiante, terminamos com três amigos, servidores do Hospital.
Pudemos ficar, tomamos café que eles fizeram, pois, nossas moedas para comprar o café da máquina haviam se esgotado e ainda pudemos assistir nosso telejornal e nos atualizarmos deste momento terrível do mundo com suas guerras e dificuldades. E, o mais importante, após algumas horas, nasceu nossa neta muito bem, grande e saudável bem como nossa filha estava muito bem, cansada é claro, mas tendo feito o que desejava, ter sua filha por um parto normal, apesar do sofrimento de algumas horas.
Viva o parto normal e seguro. Aprendemos neste episódio que devemos ter a humildade de respeitar sempre as regras, mas que o bom senso e a empatia são elementos que nós devemos sempre praticar independentemente de onde e como estivermos.
Este foi um episódio que demonstra a máxima de que “gentileza gera gentileza” e que a amizade pode acontecer quando e onde menos esperamos.
Jamais esqueceremos deste fato, e como nós, nossos amigos servidores públicos de uma Maternidade italiana.
Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.
Katia Magrini é assessora do Congresso Nacional da Itália e consultora para assuntos internacionais particularmente nas relações entre o Brasil e Itália.