Certamente um dos temas de maior relevância e apreensão dentre pais, avós e educadores é sobre quais os reais riscos que o uso prolongado dos celulares ou dos chamados smartphones promovem na saúde de crianças e jovens adolescentes. Grandes são as discussões sobre este assunto e a busca de evidências científicas sobre o tema é certamente, bem-vinda.
Há um senso comum que nossos filhos e netos utilizam cada vez mais os métodos eletrônicos, não só para as atividades escolares, por exemplo, mas também, para recreação. Há muitas vezes a sensação de que este uso pode tranquilizar o jovem e dar um pouco de “tranquilidade” ao ambiente onde vivem ou estão momentaneamente. Às vezes, podemos ter a impressão de que esta prática pode ser não só permitida como, talvez, estimulada pelos pais e educadores.
Uma observação real de nosso dia-a-dia é ver famílias inteiras, por exemplo em um restaurante, cada um com o seu smartphone, inclusive as crianças, sem qualquer conversa ou interação. Isto é, de fato, preocupante.
Neste texto vou reproduzir dados publicados na revista PLOS One em dezembro de 2023 e que trata deste tema com número enorme de jovens analisados. Em um estudo com mais de 50.000 adolescentes coreanos, aqueles que usaram um smartphone durante mais de quatro horas por dia tiveram taxas mais elevadas de problemas de saúde mental e consumo de substâncias psicoativas.
Este é um dado muito sério e preocupante pois este é um fato cada vez mais frequente em nosso dia-a-dia. Pesquisas anteriores já haviam mostrado que o uso de smartphones entre adolescentes aumentou nos últimos anos e que esse uso pode estar associado a um maior risco de problemas de saúde, como distúrbios psiquiátricos, problemas de sono, problemas oculares e distúrbios musculoesqueléticos.
No entanto e em contrapartida, evidências científicas crescentes também sugerem que pelo menos parte do uso diário da Internet pode estar associada a uma melhor saúde física e mental dos adolescentes. Assim, como tudo na vida, a busca do equilíbrio nesta atividade, possivelmente, possa ser a chave para que possamos evoluir sem grandes traumas ou preocupações.
Para aprofundar a compreensão da relação entre o uso de smartphones e a saúde pelos adolescentes, Jin-Hwa Moon e Jong Ho Cha, do Centro Médico da Universidade de Hanyang, na Coreia, e colegas analisaram dados de mais de 50.000 adolescentes participantes do curso Korea Youth Risk Behavior Web. Esta pesquisa foi baseada em dados coletados nos anos de 2017 e 2020. Os dados incluíram o número aproximado de horas diárias que cada participante passou utilizando um smartphone, bem como as diversas medidas de saúde de cada participante. A análise estatística utilizou a correspondência por pontuação de propensão para ajudar a contabilizar outros fatores que poderiam estar ligados aos resultados de saúde, tais como idade, sexo e nível socioeconômico.
Os pesquisadores descobriram que, em 2020, a porcentagem de adolescentes no estudo que usou um smartphone por mais de duas horas por dia foi de 85,7% – acima dos 64,3% em 2017, isto é, mais de 20% do tempo utilizado no primeiro ano de observação. Assim, a impressão é que nos anos mais recentes os jovens possam estar aumentando o tempo de utilização dos smartphones, pelo menos, na Coréia.
Eu não tenho dados do Brasil, mas, talvez, isto também possa estar ocorrendo por aqui. Os adolescentes que usaram um smartphone por mais de quatro horas por dia tiveram taxas mais altas de estresse, pensamentos suicidas e uso de substâncias psicoativas do que aqueles com uso inferior a quatro horas por dia.
No entanto, curiosamente, os adolescentes que usaram um smartphone 1-2 horas por dia encontraram menos problemas do que os adolescentes que não usaram nenhum smartphone. Os autores observam, e isto é muito importante deixar claro, que este estudo não confirma uma relação causal entre o uso de smartphones e resultados adversos para a saúde. No entanto, as descobertas podem ajudar a informar as diretrizes de uso para adolescentes – especialmente se o uso diário continuar a aumentar.
A utilização da Internet como ferramenta de trabalho, de educação e de pesquisa em todos os níveis, veio para ficar e revolucionou as nossas vidas. A utilização dos equipamentos eletrônicos, incluindo os smartphones, não é diferente. Portanto, os desafios para o presente e o futuro é estabelecer os limites seguros e desejáveis às suas utilizações.
Devemos estar muito atentos aos excessos e aos malefícios destes usos em todas as atividades cotidianas.
A ciência está aí para nos orientar e encontrar os pontos de equilíbrio e segurança, sabendo que os jovens são os maiores prejudicados no uso exagerado e inadequado. Devemos todos estar atentos aos excessos sem retirar deles os extraordinários benefícios que podem advir de seu uso bem orientado, comedido e adequado.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan. Atual diretor científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).