O envolvimento do cidadão é importante para tornar as políticas sociais e de saúde mais inclusivas e equitativas, e para contribuir para o aprendizado e sistemas sociais e de saúde responsivos. Também é valioso para entender as complexidades da estrutura social e como responder adequadamente a elas com políticas. Ao envolver os cidadãos, garantimos que seu conhecimento tácito alimente o processo de formulação de políticas.
O que os cidadãos sabem, pode ser valioso para identificar opções de políticas públicas viáveis, entender fatores contextuais e colocar estas políticas em prática.
Além disso, o benefício do envolvimento do cidadão se estende muito além de melhorar os processos de formulação de políticas de saúde, tornando-os mais participativos e inclusivos; estar envolvido em processos de formulação de políticas pode desenvolver a capacidade dos pacientes e capacitá-los a falar sobre suas próprias necessidades sociais e de saúde e de suas famílias, e a responsabilizar os formuladores de políticas. Além disso, além de se envolverem em seus próprios cuidados, os cidadãos-pacientes podem contribuir para a melhoria da qualidade, pesquisa e educação. A maioria dos estudos sobre engajamento cidadão até o momento se origina de países de alta renda.
Temos no Brasil no âmbito do SUS, os diversos níveis de Conselhos comunitários, municipais, estaduais e nacional. Confesso que meu maior incomodo quando do exercício da função de Secretário de Saúde era a apropriação política partidária de alguns destes conselhos. Os métodos de engajamento usados através dos vários países não são necessariamente aplicáveis em países de baixa e média renda, e até mesmo o apoio político, a cultura de engajamento e os processos estabelecidos de engajamento cidadão podem ser diferentes.
Ainda assim, processos publicados de engajamento cidadão, podem ser úteis para identificar componentes-chave em diferentes cenários, por exemplo, em termos de níveis de engajamento, canais de comunicação e métodos de recrutamento.
Contextualizar os modos de engajamento entre e dentro dos países é essencial. Há muitos exemplos de iniciativas ad hoc de engajamento cidadão em níveis local, nacional e mesmo internacional. A “Participedia”, um repositório de iniciativas de participação pública ao redor do mundo, mostra que o campo do engajamento cidadão é extremamente importante.
No Reino Unido, o Citizens’ Council do National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) fornece ao NICE uma perspectiva pública sobre questões morais e éticas abrangentes que o NICE tem que levar em conta ao produzir orientação. Nos Estados Unidos da América, o National Issues Forum apoia a implementação de fóruns deliberativos sobre questões políticas nacionais urgentes. No entanto, há poucos exemplos que têm programas de engajamento de longa data e que envolvem os cidadãos na formulação de políticas baseadas em evidências.
Um pioneiro no envolvimento de cidadãos em processos de formulação de políticas de saúde é o McMaster Health Forum em Hamilton, Canadá. Os cidadãos que são convidados a se envolver em um “painel de cidadãos” primeiro recebem um documento informativo pré-circulado em linguagem simples para estimular a deliberação sobre uma questão urgente de saúde e sistema social.
Durante os painéis, os cidadãos discutem o problema e suas causas, opções para lidar com ele e considerações de implementação. Os valores que eles acreditam que devem sustentar a ação para lidar com o problema são capturados em um resumo do painel que é usado para informar um diálogo de política sobre o mesmo tópico, também organizado pelo McMaster Health Forum. Painéis de cidadãos anteriores deliberaram sobre tópicos como melhorar o acesso a cuidados paliativos ou planejar a futura força de trabalho de saúde.
As descobertas da avaliação preliminar mostraram que o painel de cidadãos é uma abordagem robusta para sistematicamente obter os valores, preferências e insights essenciais dos cidadãos para estimular a ação e, quando apropriado, empoderar os cidadãos para abordar questões sociais e de saúde. Inspirado pelo McMaster Health Forum, o Knowledge to Policy (K2P) Center na American University em Beirute, Líbano, é outro pioneiro no engajamento cidadão no mundo árabe.
Reconhecendo que muitos fatores influenciam o engajamento cidadão (desde recursos humanos e financeiros disponíveis para dar suporte a tais processos, até cidadãos sendo usados e capazes de contribuir para processos de formulação de políticas, até formuladores de políticas prontos para ouvir e agir sobre o que os cidadãos têm a compartilhar com eles), o K2P passou por um processo de aprendizado iterativo para contextualizar os processos de engajamento cidadão.
Adaptações foram necessárias aos critérios de seleção, recrutamento de participantes, processo de engajamento e a dependência de dados visuais e vídeos animados mais do que de documentos informativos. Esse processo de aprendizado também levou a um estudo qualitativo para desenvolver um modelo contextual para engajamento cidadão na formulação de políticas de saúde no país.
Mais recentemente, o K2P envolveu cidadãos na discussão da questão política e de interesse da obesidade infantil no Líbano. Essas consultas contextualizaram as políticas informadas por evidências para se adequarem ao contexto libanês e facilitar sua implementação efetiva. Além disso, o resultado dessas consultas aos cidadãos moldou as discussões durante o diálogo de política nacional e o direcionou para as preferências e valores dos cidadãos, especialmente em torno dos aspectos controversos da política.
Para aprender mais sobre como envolver cidadãos de diversas origens em diferentes tópicos sociais e de saúde, precisamos:
1) garantir ter um plano de recrutamento e implementação inclusivo, envolvente, transparente e contextualizado
2) estabelecer uma plataforma de avaliação robusta para avaliar as atividades de envolvimento do cidadão a fim de aprender com as experiências de diferentes organizações e ampliar práticas eficazes
3) investigar esforços para empacotar evidências de pesquisa de forma otimizada para informar a deliberação do cidadão
4) explorar como aproveitar novas tecnologias de informação e comunicação para dar suporte ao envolvimento significativo do cidadão
5) criar uma demanda por envolvimento do cidadão entre tomadores de decisão e pesquisadores que trabalham em políticas sociais e de saúde.
As opiniões dos cidadãos não são boas de se ter, mas necessárias para desenvolver políticas sociais e de saúde inclusivas, responsivas e equitativas e aumentar os níveis de responsabilização pela implementação de políticas.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan. Diretor científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).