Ele já denunciou abusos de autoridade e destruiu, a marretadas, arquiteturas hostis a moradores de rua. Ele também já acolheu pessoas vulneráveis que sofriam com frio ao relento e enfrentou forças de segurança para proteger a população carente. Por seu trabalho incansável a favor dos “invisíveis” e dos “marginalizados”, o padre Júlio Lancellotti é hoje uma das maiores vozes da América Latina a favor dos excluídos.
Atuante, tem utilizado as redes sociais para amplificar a sua atuação e levar a sua mensagem. É criticado sob o argumento de ser “rebelde”, “midiático” e “comunista”. Até Campinas não escapou de seu engajamento, quando ele deu visibilidade a uma estrutura de ferro que havia numa porta lateral da Catederal Metropolitana. A porta não estava sendo utilizada, mas os espetos de ferro impediam que moradores de rua deitassem, sentassem ou pernoitassem na escadaria. Os espetos foram removidos um dia depois da denúncia que viralizou nas redes sociais.
É este padre controverso – e que atrai olhares críticos e de admiração – que recebe nesta segunda-feira (23) a medalha Arautos da Paz, entregue pela Câmara Municipal de Campinas.
A proposição é dos vereadores Gustavo Petta (PCdoB) e Cecílio Santos (PT). A homenagem é concedida àqueles que têm trabalho reconhecido em busca da paz nos mais diversos campos de atuação.
Atuando em São Paulo, Padre Júlio Lancellotti é reconhecido nacionalmente por seu trabalho junto às pessoas em situação de rua. O reconhecimento faz com que o padre estenda sua atuação para todo o País com palestras e visitas nas mais diversas cidades na busca por ações em defesa dos mais necessitados.
Em 1991, fundou a “Casa Vida I” e, posteriormente, a “Casa Vida II”, para acolher crianças portadoras do vírus HIV. Como vigário episcopal do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, está à frente de vários projetos municipais de atendimento à população carente, como é o programa “A Gente na Rua”, formado por agentes comunitários de saúde e pessoas que já estiveram em situação de rua.
Para Petta e Cecílio, a entrega da medalha pela Câmara é “um reconhecimento do povo de Campinas ao trabalho humanitário que o padre realiza na Capital, mas que se espalha por nossa cidade e inspira todos que lutam pelos Direitos Humanos”.
A sessão solene de entrega da medalha acontece na segunda-feira, dia 23, às 14h, no Teatro Bento Quirino (Rua Luzitana, 1505), será aberta ao público e com transmissão pela TV Câmara e redes sociais.
Padre Júlio Lancellotti
Segundo dos três filhos do casal Milton Fagundes Lancellotti e Wilma Ferrari, descendentes de imigrantes italianos, Júlio nasceu no hospital São José do Brás. Iniciou sua educação formal no Educandário Espírito Santo, mantido pelas Missionárias Servas do Espírito Santo, no Tatuapé. Aos 12 anos, entrou para o seminário em Araraquara, mas, incomodado com a rigidez da instituição, retornou para São Paulo, onde terminou o ginásio numa escola de presbíteros agostinianos. Decidiu mais uma vez se preparar para a carreira religiosa, chegou a ser frade, mas, aos 19 anos, largou a batina novamente.
Nesse ínterim, concluiu um curso de auxiliar de enfermagem na Santa Casa de Misericórdia de Bragança Paulista e passou a exercer a profissão. Ingressou depois nas Faculdades Oswaldo Cruz e concluiu o curso de Pedagogia. Em seguida, fez especialização em Orientação Educacional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde atuou como professor-assistente do professor Carlos Alberto Andreucci, além de ministrar aulas nas faculdades Oswaldo Cruz, Castro Alves, Piratininga e no Instituto Nossa Senhora Auxiliadora, sendo neste último, voltado para preparação para o magistério.
Lancellotti também trabalhou no Serviço Social de Menores, que, mais tarde, se transformou na Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, e no Centro de Apoio ao Imigrante, no Brás, dando aulas para crianças com dificuldade de aprendizado.
Em 1980, conheceu Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, então bispo-auxiliar de São Paulo, e ficaram muito próximos. Juntos, fizeram toda a fundamentação da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo. Um ano depois, começou a estudar Teologia e foi ordenado sacerdote em 20 de abril de 1985.
Participou com Dom Luciano Mendes de toda a fundamentação da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo. Participou dos grupos de fundação da Pastoral da Criança e colaborou na formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Ele atua junto a jovens autores de atos infracionais, detentos em liberdade assistida, pacientes com HIV/Aids e populações de baixa renda e em situação de rua. Acredita na pessoa humana acima de tudo, “como imagem e semelhança de Deus” e considera que todos os cidadãos devem ter seus direitos respeitados.
Prêmios e reconhecimento
Padre Júlio se tornou referência no atendimento e assistência aos seus irmãos de rua, como chama as pessoas em situação de rua. Por isso, o reconhecimento pode ser atestado por várias menções, prêmios e medalhas.
A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil deu-lhe o Prêmio Franz de Castro Holzwarth em 2000 por seu trabalho contra a violação sistemática dos direitos das crianças e dos adolescentes. Em 2003, a Casa Vida recebeu o Prêmio OPAS, da Organização Pan-Americana da Saúde.
Em 2004, o Movimento Nacional de Direitos Humanos concedeu-lhe o Prêmio Nacional de Direitos Humanos.
Também em 2004, a Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo ganhou o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, na categoria livre. Em 2005, padre Júlio recebeu menção honrosa do Prêmio Alceu Amoroso Lima Direitos Humanos.
Em 2007, o padre recebeu o Prêmio dos Direitos Humanos promovido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, na categoria “Enfrentamento à Pobreza”.
Em 2020, o padre Júlio recebeu, pelo voto popular, o Prêmio Poc Awards na categoria “Influencer do Ano”.
Promovido pelo Gay Blog Br, a indicação de Lancellotti se motivou por se posicionar frequentemente contra à homofobia.
Padre Júlio é ainda Doutor Honoris Causa pela Universidade São Judas Tadeu (2004) e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em 2021, padre Júlio foi um dos vencedores do Prêmio Zilda Arns pela Defesa e Promoção dos Direitos da Pessoa Idosa, da Câmara dos Deputados, reconhecido pelo seu trabalho em benefício da população em situação de rua.