Por Coletivo Spotlight
Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em setembro mostram que o número de adultos com mais de 45 anos matriculados em faculdades, universidades ou institutos da rede pública aumentou 271% entre 2015 e 2024 em Campinas.
O crescimento também ocorreu entre as unidades de ensino superior privadas, mas em menor proporção. No mesmo período de dez anos, o crescimento no número de matrículas para pessoas desta faixa de idade foi de 130%.
O avanço expressivo indica a tendência de que cada vez mais adultos estão voltando aos bancos universitários para conquistar um diploma, atualizar-se profissionalmente ou realizar um sonho adiado.
A professora Letícia Gotti Marchioretto, que leciona no ensino superior na região de Campinas, explica que muitos desses alunos estão realizando agora o que não puderam fazer na juventude.
“Esse aumento vem da falta de oportunidade que esse pessoal teve quando era jovem e agora está conseguindo um acesso mais fácil, principalmente ao ensino gratuito […] é um público que concluiu o ensino médio há muitos anos e precisa se readaptar, mas tem um engajamento muito maior do que os alunos mais jovens”, afirma a professora Letícia Gotti Marchioretto
Panorama do ensino superior
Nos últimos anos, o ensino superior brasileiro passou por um período de retração, interrompendo o ritmo de expansão que havia marcado a década anterior. Entre 2015 e 2024, o total de matrículas apresentou quedas sucessivas, com o impacto mais severo concentrado nos anos da pandemia. Ainda assim, alguns segmentos conseguiram crescer acima da média, contrariando a tendência geral.
Após a flexibilização das regras de isolamento social, o comportamento de matrículas mostrou uma tendência de retomada até chegar em 2024, quando o número absoluto quase se igualou ao recorde da série histórica nos últimos dez anos.

No entanto, quando separamos o número total de matrículas entre as instituições públicas e as privadas, podemos observar um quadro de crescimento mais consistente nas públicas de 28% em comparação com a queda de 5%. [veja gráfico abaixo]
A pesquisa mostra que os alunos com mais de 45 anos matriculados em instituições de nível superior públicas em 2024 são bem menores em comparação às outras faixas etárias. Somam apenas 312 pessoas, 2% do total, ao passo que as particulares esse público chega a 10% dos 48.625.

Mudança geracional e mercado de trabalho
Segundo a professora Letícia Gotti Marchioretto, o perfil desse estudante mais maduro é de pessoas que já estão inseridas no mercado de trabalho ou que decidiram retomar os estudos para se manterem competitivas. Inclusive, ela identifica casos nos quais as empresas passaram a exigir diplomas que antes não eram necessários.
A presença crescente de adultos nas universidades também reflete mudanças no mercado e no perfil demográfico brasileiro. Para a docente, o envelhecimento da população e a queda do número de jovens estão mudando o público-alvo do ensino superior.
“Está cada vez mais difícil fechar turmas grandes só com alunos de 18, 19 anos. As instituições começam a perceber que o público mais velho é uma realidade e pode ser um novo foco de atuação”, explica.
Ricardo Amarante, engenheiro civil e professor na Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação de Campinas (ESAMC), reforça que identifica grande diferença de comprometimento no público com mais idade.
“As pessoas mais velhas têm muito mais responsabilidade, até porque muitas estão pagando do próprio bolso. Elas sabem o valor daquele esforço e encaram o curso com mais seriedade”, observa.
Desafios e convivência geracional
Apesar da experiência de vida, estudantes mais velhos relatam desafios de adaptação, especialmente na convivência com colegas mais jovens. Fabiana Carolina, tem 48 anos, já acumula duas graduações e cursa Comunicação Social, conta que enfrentou um pouco de resistência no início.
“Nos primeiros meses tive dificuldade em encontrar grupos para trabalhos. Senti um certo receio por parte de alguns professores e colegas. Acho que os jovens simplesmente não sabem como agir com alguém da nossa idade. Depois que percebem que estamos ali pelos mesmos motivos, tudo muda”, diz.
Uma das dificuldades para inserção, expansão e permanência de estudantes com mais de 45 anos, segundo Fabiana, é que o sistema de ensino ainda é voltado para quem sai do ensino médio.
“As discussões e as formas de ensino ainda são pensadas para jovens. Eu já tenho trajetória profissional e busco entender como o conteúdo se aplica à minha realidade. Falta flexibilidade”, avalia.
Para Rose Santos, estudante de 45 anos, que atualmente está cursando a faculdade de Direito, em Campinas, o retorno à universidade foi planejado. “Esperei minhas filhas crescerem e me tornei financeiramente estável para voltar a estudar. Quis entender melhor meus direitos, depois de experiências negativas com advogados. Hoje estudo por realização pessoal”, conta.
Ela diz que, apesar das diferenças de idade, a convivência com os colegas está sendo positiva. E complementa que mesmo os colegas tendo metade da idade dela, eles a tratam com respeito, além disso, eles têm idade semelhante às filhas, que torna a interação tranquila e sem grandes surpresas.
Universidades diante do novo público
A professora Letícia Gotti Marchioretto Marchioretto acredita que a presença de alunos mais velhos traz impacto positivo na sala de aula, mas também exige novas estratégias pedagógicas.
“As faculdades ainda não estão totalmente preparadas para esse público. No começo, era difícil adaptar as dinâmicas de grupo e o uso de tecnologia, mas, aos poucos, as instituições estão percebendo a importância dessa faixa etária e criando condições para que eles se sintam acolhidos”, comenta.
No entanto, a chegada desse público exige das universidades novas formas de acolhimento e políticas de permanência. A docente explica que seria importante criar medidas específicas para incentivar a matrícula e evitar a evasão de alunos mais velhos.
“Uma política pública semelhante às cotas ajudaria muito. Essas pessoas ainda não se sentem totalmente à vontade no ambiente acadêmico. Seria preciso garantir indicadores de permanência e conclusão dos cursos”, sugere.
Ela defende que o aprendizado intergeracional é um ganho para todos.
“Os mais jovens aprendem com a experiência de vida dos mais velhos, e os mais velhos se atualizam com a visão tecnológica dos jovens. Essa troca é muito rica”, conclui.











