Classificada como primeira colocada do Grupo D, com 7 pontos, a Seleção Brasileira se prepara para iniciar a caminhada no mata-mata do torneio masculino de futebol dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Na manhã deste próximo sábado (31), o Brasil enfrenta o Egito, às 7h (de Brasília), no Estádio Saitama, pelas quartas de final. Em caso de vitória, o adversário nas semifinais será Coreia do Sul ou México, que duelam a partir das 8h (de Brasília).
Em busca de sua sétima medalha olímpica, sendo a quarta consecutiva e a segunda de ouro, a equipe do técnico André Jardine conta com dois jogadores que começaram a carreira em Campinas: os laterais Gabriel Menino, do Palmeiras, e Abner, do Athletico-PR, revelados por Guarani e Ponte Preta, respectivamente.
Embora tenha sido titular no Torneio Pré-Olímpico, no início do ano passado, o goleiro pontepretano Ivan sofreu lesão ligamentar no punho direito em outubro e ficou afastado dos gramados durante os últimos oito meses, o que custou a sua presença na lista final de convocados para os Jogos de Tóquio.
Com isso, Ivan perdeu a chance de repetir o que aconteceu nas Olimpíadas de Montreal, em 1976, quando o goleiro Carlos, um dos grandes ídolos da Ponte Preta, atuou como titular na campanha que terminou com o 4º lugar, maior resultado do futebol brasileiro olímpico até então. A equipe também contava com o lateral-direito Mauro Cabeção, do Guarani.
No entanto, Carlos e Mauro não foram os primeiros jogadores do futebol de Campinas a competir em Olimpíadas. Em 1972, quando se destacava no Guarani, o atacante Washington Luiz de Paula foi convocado para os Jogos Olímpicos de Munique, mas o Brasil amargou eliminação na primeira fase. Naquela edição olímpica, também houve a participação do nadador campineiro José Sylvio Fiolo.
Superar a Alemanha é sinônimo de pódio
Com duas vitórias e um empate na primeira fase, a Seleção Brasileira detém a segunda melhor campanha geral do torneio masculino de futebol da Olimpíada de Tóquio, atrás apenas do anfitrião Japão, que possui 100% de aproveitamento. Após iniciar a jornada com goleada sobre a Alemanha por 4 a 2, o Brasil empatou por 0 a 0 com a Costa do Marfim e bateu a Arábia Saudita por 3 a 1, na última quarta-feira (28), garantindo a liderança da chave.
Além da bela atuação gerar altas expectativas para a sequência da competição, o resultado positivo no confronto de estreia traz alento para o torcedor mais supersticioso. Isso porque a história mostra que o Brasil subiu ao pódio em todas as Olimpíadas que superou a Alemanha no futebol masculino.
Há cinco anos, nos Jogos Rio-2016, as duas seleções se enfrentaram na grande decisão, com empate por 1 a 1 no tempo normal e vitória dos donos da casa por 5 a 4 nos pênaltis, garantindo o primeiro título olímpico da história do futebol brasileiro.
Os outros dois triunfos sobre os alemães aconteceram nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, e Seul, em 1988, quando o futebol brasileiro faturou as suas primeiras medalhas olímpicas, ambas de prata. Ao todo, foram conquistados um ouro, três pratas e dois bronzes.
A primeira medalha, com chancela pontepretana
Em 1984, quando a FIFA autorizou a participação de jogadores profissionais no torneio olímpico de futebol, desde que não tivessem disputado Copa do Mundo, a montagem da Seleção Brasileira para a Olimpíada de Los Angeles coube ao técnico Jair Picerni, que havia sido lateral-direito de Ponte Preta e Guarani nos anos 70. Mais identificado com o clube alvinegro, ele integrou o histórico esquadrão pontepretano vice-campeão paulista de 1977. Em 1980, Picerni iniciou a carreira de treinador justamente na Macaca.
“O primeiro trabalho de grande destaque do Picerni como treinador foi logo em sua estreia na Ponte. Ele assumiu como interino, foi rapidamente efetivado e, em 1981, foi vice-campeão paulista e terceiro colocado no Campeonato Brasileiro, até hoje a melhor campanha do clube na competição”, conta o jornalista e escritor pontepretano Stephan Campineiro.
Pouco tempo depois, em 1983, Jair Picerni conduziu o Santo André ao sexto lugar do Campeonato Paulista e classificou a equipe pela primeira vez para o Campeonato Brasileiro. As façanhas chamaram a atenção do então presidente da CBF, Giulite Coutinho, que o entregou o comando da seleção sub-23.
“Ele me contratou porque sabia que eu conhecia o futebol do interior paulista. Após duas reuniões no Rio de Janeiro, comecei a formar a minha comissão técnica e selecionar jogadores de times como Ponte Preta e Guarani”, destaca Jair Picerni, cujo assistente-técnico era Ernesto Lance, ex-jogador de Ferroviária e Corinthians. “Ele tinha visão e contatos muitos bons. Fazia todos os tipos de relatórios para levar nas reuniões que aconteciam às quintas-feiras no Rio”, detalha Picerni, que tinha 39 anos na época. O preparador físico da Seleção era Augusto Pardal, que mais tarde seria treinador da Ponte Preta, levando a equipe de volta à elite nacional, em 1997.
Em fevereiro de 1984, o Brasil se sagrou campeão do Pré-Olímpico, no Equador, com uma equipe que tinha o goleiro Sidimar e o zagueiro Júlio César, formados no Guarani, além do lateral Edson Boaro e o atacante Chicão, revelados pela Ponte Preta. Desses quatro jogadores, apenas Chicão apareceria na lista final para a Olimpíada de Los Angeles. À ocasião com 21 anos, o centroavante havia sido bicampeão e artilheiro da Copa São Paulo de Futebol Júnior, em 1981 e 1982, além de vice artilheiro do Campeonato Paulista de 1983, com 21 gols, ao lado de Sócrates, do Corinthians.
Na reta final da preparação para as Olimpíadas, Jair Picerni chamou o lateral-esquerdo Zé Mário, do Guarani, e o goleiro Luís Henrique Dias, da Ponte Preta, mas o atleta bugrino acabaria cortado, enquanto o arqueiro pontepretano mantido. Com a companhia de Chicão, seu companheiro de clube, Luís Henrique tinha 24 anos quando viajou para os Estados Unidos como reserva de Gilmar Rinaldi, à época no Internacional. O time gaúcho formava a base da equipe olímpica, com 11 dos 17 convocados. “O Inter havia voltado campeão de uma excursão para o Japão, então pedi para o Ernesto Lance ligar para o presidente do clube e pedir a liberação de alguns atletas, pois só com jogadores do interior paulista não chegaríamos a lugar nenhum. Como resposta ao pedido, recebi autorização para levar quem quisesse”, explica Jair Picerni.
Entre os demais convocados do Internacional, estavam os zagueiros Mauro Galvão e Pinga, os volantes Dunga e Ademir, além dos atacantes Kita, Silvinho e Milton Cruz. Por outro lado, somando-se a Luís Henrique e Chicão, da Ponte Preta, os outros quatro jogadores que não atuavam no Colorado eram o lateral-direito Ronaldo, do Corinthians, o zagueiro Davi, do Santos, e os meias Tonho Gil e Gilmar Popoca, de Grêmio e Flamengo, respectivamente.
“Eu comecei a competição como titular e joguei as três primeiras partidas, mas depois o Jair Picerni me tirou”, recorda Chicão.
Em uma chave bem semelhante à que caiu nos Jogos de Tóquio, o Brasil estreou na Olimpíada de Los Angeles no dia 30 de julho de 1984, com vitória sobre a Arábia Saudita por 3 a 1, mesmo placar do duelo de quarta-feira (28). Ainda na primeira fase, já em agosto, a Seleção derrotou a Alemanha Ocidental por 1 a 0 e Marrocos por 2 a 0. “Eu fui muito bem na primeira partida, mas no terceiro jogo o Kita entrou no meu lugar, marcou gol e não saiu mais do time”, conta Chicão, que tinha a confiança de Jair Picerni, com quem já havia trabalhado na Ponte Preta, mas acabou passando em branco e foi preterido pelo concorrente de posição no mata-mata.
Nas quartas de final, o Brasil eliminou o Canadá com vitória nos pênaltis por 4 a 2, após empate por 1 a 1 no tempo normal. Na semifinal, bateu a Itália por 2 a 1, em um jogo duro decidido na prorrogação. A vitória teve um sabor de revanche porque a equipe italiana contava com o técnico Enzo Bearzot e o zagueiro Franco Baresi, carrascos do Brasil e campeões mundiais dois anos antes, em 1982. Já dez anos depois, na final da Copa de 1994, Baresi reencontrou o Brasil novamente no Estados Unidos e desperdiçou a primeira cobrança italiana na disputa de pênaltis que terminou com o tetracampeonato mundial brasileiro.
Na grande decisão olímpica de 1984, a equipe de Jair Picerni não foi páreo para a França, que venceu por 2 a 0 diante de mais de 100 mil espectadores no estádio Rose Bowl, no dia 11 de agosto de 1984, curiosamente data do aniversário da Ponte Preta.
“Eu entrei quando o jogo já estava perdido e tive uma oportunidade em um cruzamento, mas cabeceei para fora”, lamenta Chicão. “Poderíamos ter conquistado a medalha de ouro, mas foi muito gratificante jogar nessa Seleção e voltar com a prata. Senti o maior prazer e estava muito feliz”, afirma o ex-atacante Chicão.
Apesar do revés para a França na final, Jair Picerni também guarda sentimento de satisfação pela conquista da medalha de prata. “Para mim, a Itália tinha um time melhor que a França, que infelizmente jogou melhor que a gente na final. Mesmo assim, foi como se a gente tivesse ganhado medalha de ouro”, pondera o treinador. Desde então, os franceses se tornaram pedra no sapato dos brasileiros, impondo dolorosas derrotas e eliminações nas Copas do Mundo de 1986, 1998 e 2006.
Bastidores
Ao todo, a Seleção Brasileira passou quase 30 dias na Califórnia por conta da disputa das Olimpíadas de 1984, em Los Angeles. “Chegamos uns 10 dias antes do início da competição para nos ambientar e ver como seria aquilo. Ninguém tomava muito conhecimento do que era disputar uma Olimpíada no futebol brasileiro, mas nós fomos atrás de uma medalha”, relembra Jair Picerni. Os treinamentos aconteciam nas universidades UCLA e Stanford, sob forte esquema de segurança durante as atividades e deslocamentos. O clima era de bastante alerta, haja vista o atentado terrorista à Vila Olímpica em 1972, em Munique. “O seguranças ficavam com a gente das 8h às 23h e o helicóptero da SWAT acompanhava o ônibus da delegação”, conta Picerni.
Apesar da atmosfera pesada, os brasileiros alegravam o ambiente com muita música e irreverência. “Quando terminava o jantar, os jogadores começavam a tocar pandeiro e tamborim, os seguranças gostavam e até arriscavam sambar com os batuques. Eles realmente entraram no nosso meio e ficaram nossos amigos, mas tudo com respeito”, revela Picerni.
“Não podia entrar jornalistas nas universidades, mas eu liberava os jogadores para dar entrevistas”, conta Jair Picerni.
Apesar da intensa rotina de treinamentos e partidas, ainda houve tempo para conhecer pontos turísticos de Los Angeles. “Eu dava um dia de folga para os jogadores, então fomos conhecer alguns lugares, entre eles um lindo condomínio onde moravam vários artistas de cinema, como Tony Curtis, Rock Hudson e Sophia Loren. Como era tudo aberto, não tinha grades nem portões, tomamos um banho do sistema de irrigação do jardim”, recorda-se Jair Picerni. “Nós fizemos passeios importantes a nível de conhecer os Estados Unidos. Também fomos para Hollywood, tiramos foto com o Mickey e chegamos a almoçar fora da universidade. Esse espírito nos fazia muito bem”, aponta.
Ao retornar de Los Angeles, Jair Picerni recebeu uma promessa que acabou não sendo cumprida pelo presidente da CBF. “Quando chegamos ao aeroporto do Rio de Janeiro, o Giulite Coutinho me deu um abraço e me chamou de lado para falar que eu seria o próximo treinador da seleção principal. Teria sido mais um passo importante na minha vida profissional, mas no fim contrataram o irmão do Zico. Como eu tinha assinado contrato com o Corinthians antes das Olimpíadas, terminei o ano sendo vice-campeão paulista. Ganhamos nove dos últimos 10 jogos do segundo turno, mas perdemos a decisão para o Santos”, relata Jair Picerni, atualmente com 76 anos. Ele mora em Vinhedo e está afastado do futebol.
Pratas de Campinas
Medalhista de prata nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, o ex-atacante pontepretano Francisco Carlos Martins Vidal, o Chicão, mora atualmente em Campinas. Aos 58 anos, aposentado, dedica-se ao projeto social Pratas de Campinas, recém-idealizado pelo seu filho Franco Vidal, de 36 anos, professor de Educação Física, que inclusive é o responsável por cuidar da medalha olímpica do pai.
“Era um sonho antigo fazer algo que devolvesse para a sociedade as oportunidades que eu tive na vida”, diz o filho de Chicão.
A ideia de criar o projeto “Pratas de Campinas” surgiu há pouco tempo, durante a pandemia de Covid-19. “Era um sonho antigo fazer algo que devolvesse para a sociedade as oportunidades que eu tive na vida. Na pandemia, cheguei a entregar alimentos e roupas, mas percebi que isso só ajuda a tapar buraco e não abre novos caminhos para crianças e adolescentes. Caridade é importante, mas ela não é fundamental para acabar com as diferenças sociais. Assim, eu e meu pai sentimos a necessidade de desenvolver um trabalho voluntário que unisse esporte e educação”, explica Franco Vidal.
A principal meta do projeto é atingir 100 crianças em Campinas. “O grande objetivo é ter quatro categorias com 20 garotos e também uma categoria feminina. Estamos trabalhando muito para isso, buscando campos, parceiros e até idealizando uniforme. A tendência do projeto é futebol, mas já estamos pensando também em outros esportes e lugares. Tenho certeza que essa ideia vai funcionar e seremos muito grandes na região de Campinas porque é um trabalho sério com pessoas que realmente buscam dar oportunidade para os jovens”, conclui o professor.