Por Eduardo Gregori e Sammya Araújo
Especial para o Hora Campinas
Ser um influencer nos anos 1980, quando esta palavra nem era empregada como atualmente e, para além disso, conseguir engajar uma audiência sem internet, celulares, aplicativos e redes sociais, era para poucos. Ser conhecido, admirado e invejado, era algo restrito às celebridades, pessoas que tinham destaque social e que há 40 anos chamávamos de personalidades.
O produtor e colunista de moda campineiro Leonardo Sodini pertenceu a este petit comité e deixou sua marca e influência, desde o burburinho que causava nos corredores de um shopping onde trabalhava em Campinas, até os artigos, fotos e entrevistas que protagonizou e também escreveu na imprensa campineira. Léo, como era chamado pelos amigos, morreu no último dia 26 de outubro, aos 66 anos, vítima de um câncer.
Léo foi pioneiro no Interior Paulista em digerir o que era preconizado pelas mentes pensantes da moda internacional e converter os shows das passarelas de alta costura para uma linguagem acessível e palatável a um público que buscava nele orientação profissional para acompanhar tendências ainda distantes da realidade de um país tropical no fim da ditadura.
Em seu ofício foi à frente do seu tempo, fazendo o que mais tarde ganharia o nome de personal stylist.
Já tarimbado no universo fashion, viu nascer alguns dos principais eventos do País, como as semanas de moda que surgiram na década de 1980 pelas mãos do Grupo Mineiro de Moda, além do Minas Mostra Mulher e, no início dos anos 1990, o Phytoervas Fashion, precursor da São Paulo Fashion Week, que revelou, entre outros, o estilista Alexandre Herchcovitch.
Léo era um consumidor compulsivo de revistas estrangeiras de moda, se antecipando ao que ainda seria ainda publicado por aqui e quando, de fato, novas tendências estariam disponíveis, desde o prêt-à-porter, para um público mais exigente, até a moda massificada, vendida em lojas de departamento.
Apesar de ter se tornado o queridinho de um consumidor de moda mais high profile, Léo nunca deixou de lado a moda jovem e despojada, seu principal instrumento no início de carreira, quando trabalhou para uma das primeiras grifes brasileiras em um shopping de Campinas. Fashionista indefectível, seu bom gosto e ousadia em vestir-se, além de seu conhecimento sobre moda, o converteram em uma personagem icônica pelos corredores do centro de compras.
Quando falavam dele, era o Léo e o sobrenome era o da grife.
E foi esta visão ampla do universo fashion e de como traduzi-lo para o cotidiano que o levou para as páginas da revista Metrópole, publicação que acompanhava todos os domingos o jornal Correio Popular. Em sua coluna, Léo podia incorporar um designer, realizando produções para ilustrar tendências e estilos, podia ser jornalista, noticiando o que se passava no tão particular mundo da moda, e também ser articulista, imprimindo em seus textos a sua visão sobre o assunto.
“O primeiro casting de modelos que participei fui escolhida pelo Léo. Haviam algumas modelos famosas, mas ele me escolheu e disse que eu ia longe. Daí por diante comecei a participar de vários trabalhos e fotos com ele. Léo foi uma pessoa com um coração enorme e um grande profissional, sempre enxergando algo a mais”, lembra a modelo campineira Kelly Souza.
Homem de lindas vestes que nos despiu dos lugares comuns
♥ O primeiro dia
No dia em que nos conhecemos fazia frio e as janelas fechadas da redação da revista Metrópole capturavam as flores de laranjeira da colônia que ele usava. O homem de lindas vestes, agitado e imenso, de grandes abraços, perguntou como trabalharíamos. Pois os anos 1990 terminaram, entraram os 2000 e, na verdade, nunca nos preocupamos com a indagação retórica. Juntos: este foi sempre o nosso jeito de fechar as páginas, escolher as capas e lamber crias.
♥ Os dias do meio
Nó de Windsor ou nó inglês? As listras verticais esguiam? Cítricos submergem dos tons pastéis? Quanto de belo, transgressor, identitário suporta um editorial de moda? Nos incontáveis dias do meio em que trabalhamos juntos na Metrópole, o homem de lindas vestes soube bem escancarar sedas ao vento. E ao responder com outras perguntas o que era conceito, eixo, esteio, despiu de preconceitos o que se vestia de lugares comuns.
♥ Último dia
O último encontro foi às vésperas de um Natal. Entre as batatas e os tomates do Pão de Açúcar, o homem de lindas vestes reparou no meu cabelo, no ruivo e em tudo mais que “ficou bom”. Eu, que só reparava em cebolas fazia dias, olhei no espelho por dentro. O Leo era assim… Via beleza onde jamais ousamos enxergar. Natal ou não, sempre me lembro do nosso último abraço, com o perfume dele colado na minha camiseta. E da alegria que senti, como se luzinhas xing ling iluminassem as coisas mais banais da vida.
Valéria Forner, jornalista e ex-editora da revista Metrópole
Tempos Modernos
A transmissão dos lançamentos de coleções internacionais na internet e as edições multimídia de publicações de moda só aguçaram ainda mais o apetite de Léo sobre o tema. “Este ano a tendência é o verde. Assisti a todos os desfiles da Semana de Moda de Milão e já fui ler a Vogue on-line para ver como é que isso vai chegar às lojas”, disse Léo há alguns anos em uma conversa entre amigos em um aplicativo de mensagens instantâneas.
Depois de sua passagem pela Metrópole, Léo ainda trabalhou em uma loja de grifes multimarcas no bairro Cambuí. Neste tempo, para amigos confessou um certo desânimo em trabalhar com moda em tempos modernos.
“Atualmente as pessoas já vêem tudo na internet e chegam na loja com a certeza do que querem vestir e sem querer saber se aquela roupa que elas querem vai ficar bem ou não. Moda hoje é puro consumismo. Ou você vende ou fica fora do mercado. Ninguém quer saber da sua expertise”, lamentou. Longe de lojas e dos holofotes, Léo se aposentou e aproveitou o tempo livre para seguir consumindo informação sobre a sua verdadeira paixão.
♥ Respeito
Quando minha vida profissional começou a se aproximar da Moda, nos idos dos anos 1990, o nome mais conhecido em Campinas era do Léo Sodini. Era uma referência, como se dizia antigamente. Não me lembro do ano que nos conhecemos pessoalmente. Eventualmente nos encontrávamos nos eventos de moda. Mesmo não tendo se tornado meu amigo, eu o respeitava como profissional. Soube de seu falecimento. Fiquei em choque. Muito triste.
Marcelo Oliveira, jornalista e produtor de moda
Amigos, sim. Rivais, nunca
A primeira vez que vi Léo foi revirando fotos antigas. Era 1988 e eu ainda muito jovem fiquei com ciúmes ao saber que aquele homem lindo, super fashion e de cabelos loiros em corte Chanel fora o primeiro namorado do meu primeiro namorado. Morávamos no Jardim Flamboyant e seria quase inevitável não passar por ele em uma ida até o shopping, o que de fato aconteceu.
O mais engraçado na nossa relação foi que, depois de ter ciúmes, passei a procurá-lo para me queixar do meu namoro. Ele tentava me ajudar a não terminar. Quando o namoro para mim já tinha ido por água abaixo, Léo viu-me “pulando a cerca” e foi meu cúmplice. Nunca disse nada. Ele entendia como ninguém o que eu estava passando.
Daí em diante viramos amigos.
Para minha surpresa e felicidade fui trabalhar no mesmo jornal que ele. Sempre passava para vê-lo e darmos boas risadas. Léo era uma pessoa um tanto reclusa e por isso saímos pouco, mas em todas as casas noturnas e bares a que fomos, além de jantares com amigos e idas à minha casa, houve sempre intensa alegria, diversão e bem-querer.
Quando vim para Portugal, mantivemos contato. Foram muitas risadas, bons papos e horas a fio ao celular. Com o agravamento de sua doença, fomos perdendo contato, ele pediu-me desculpas e me disse que queria passar mais tempo refletindo sobre a vida e em busca de sua cura. Vou sentir muito a sua falta.
Eduardo Gregori, amigo
O urso perfumado que dizia ‘eu te amo’
Pense em alguém multifacetado, complexo. Esse era o Léo. Um coração puro, via sempre o lado bom de tanta gente que valia nada. Circulava por tantos meios diferentes que ainda me surpreende quantas pessoas o conheciam e mantinham com ele algum laço. Fiel às amizades, a maldade o machucava demais, feria fundo. Poucas vezes o vi manifestar ódio a alguém, mas ele odiava o mal no ser humano. Se revoltava com a injustiça. E o monstro começou a o derrubar por aí. Porque era uma p***a de uma injustiça.
Foi o choque inicial, a inconformidade.
A força do leão, do urso, no começo o levantou, “já derrotei uma, derroto outra”. No dia em que o destino ficou cinza, falamos e gritamos juntos, extravasando. A raiva foi combustível, mas a batalha foi desonesta. Ele cansou. E tudo bem, porque a sobrevivência não tem mérito em si, é uma incógnita, e não há perdedores além dos que ficamos e sentimos a falta. Mas ele permanece em nós, a quem tocou com sua extrema gentileza, com sua elegância despretensiosa, com seu abraço apertado e seu perfume inebriante, que nos grudava na roupa e na memória.
Léo era um AMIGO que não economizava delicadezas nem “eus-te-amos”. Viveu intensamente, calmo e agitado, delicado e brusco, e se foi numa chama que nos alcançou e queimou por dentro. Um ser de fogo, até o fim. Que você tenha encontrado a paz que tanto desejava, meu amigo. Cantarei parabéns pra você no “nosso” aniversário. Também te amo e sempre vou te amar.
Sammya Araújo, amiga
ADEUS, Amoreleo…
Nos reencontramos no Centro Corsini, em 1996, na época com as angústias do diagnóstico de HIV. Pra ele, já um estranhamento, e ouvir uma conversa solta, alegre, se tornou inconcebível: como ter alegria com aquele diagnóstico. Depois entendeu que o script para sobreviver era buscar a limonada daquele limão azedo, era a alegria, era estarmos abraçados uns aos outros, até aparecer alguma possibilidade de tratamento. Fomos nos aproximando, nos conhecendo e amando.
Seu olhar de beleza, de cinema, de arte, de cuidados, me ensinou muito e tanto encantou meu coração.
Para mim, fica seu olhar de criança grande pedindo colo e carinho, e, ao mesmo tempo, cuidando de nós todos, com uma palavra amorosa. Vai, meu AMORELEO… vai encantar em outras paragens, iluminadas com as flores, perfumes e cores que tanto te encantaram. Te amo.
Jenice Pizão, amiga
Caminhos feitos e refeitos
Leonardo Sodini, nome forte, assim como ele. Inquieto com uma existência breve, que mal pode acolher seus sonhos e as realizações que precisariam de mais tempo para apurar e saborear. Fez e refez caminhos. Em alguns se perdeu, em outros se achou. Sorveu os goles de cada instante. Os que com ele estiveram na jornada final experimentaram a dor e a delícia de servir e ser servido, e a profundidade de tudo isso para cada um@ dependeu do próprio mergulho que fizeram.
Obrigada, querido Léo pela oportunidade de estar, ao menos um instante, na sua intensa jornada.