É ano de Copa do Mundo, e a Seleção Brasileira busca o sonhado hexacampeonato a partir do mês de novembro, no Catar. Campeão nas edições de 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002, o Brasil é o recordista de títulos mundiais no futebol masculino e também conta com participações marcantes, como em 1978, quando a taça não foi conquistada, mas a equipe terminou a competição em 3º lugar, comandada na época pelo técnico Cláudio Coutinho.
Naquela Copa, realizada há 44 anos, o zagueiro campineiro Amaral foi um dos destaques da Seleção Brasileira. Revelado pelo Guarani, o atleta atuou no futebol campineiro por sete anos e foi vendido para o Corinthians pouco antes do Mundial, quando tinha 23 anos.
Em entrevista exclusiva concedida ao Hora Campinas, o ex-jogador de 67 anos relembrou o início da vida em Campinas, desde o começo no futebol até a chegada ao Bugre, tornando-se titular absoluto e um dos principais destaques da equipe.
Durante a conversa, Amaral também detalhou o dia de sua primeira convocação à Seleção Brasileira, que abriu as portas para outros jogadores do futebol campineiro vestirem a amarelinha na Copa do Mundo de 1978, como o ex-goleiro Carlos e os ex-zagueiros Oscar e Polozzi, da Ponte Preta.
O ex-atleta campineiro, que mora em São Paulo há mais de 40 anos, recordou momentos marcantes do Mundial de 78, como o histórico lance no duelo contra a Espanha, quando evitou o gol do adversário salvando bola em cima da linha duas vezes consecutivas.
Após deixar o Corinthians no início dos anos 80, Amaral se transferiu para o Santos e depois se aventurou no futebol mexicano, onde vestiu as camisas de América e Leones Negros, de Guadalajara. O ex-jogador destacou o carinho pelo país da América do Norte e também revelou proximidade com a Seleção Brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1986, realizada no México.
Confira abaixo a entrevista completa com Amaral:
Hora Campinas: Como foi o seu início em Campinas, da infância até a chegada ao Guarani?
Amaral: Eu sou nascido em Campinas, no bairro São Bernardo, aliás um lugar bem gostoso. Faz tempo que não apareço lá, mas sinto falta dos meus amigos, sei que muitos deles ainda estão vivos. Tudo começou no futebol através do marido de uma professora que me viu jogar quando eu estudava no Centro Social Presidente Kennedy, no São Bernardo. Nós tínhamos uma equipe de futebol chamada Banguzinho, pois éramos os mais jovens. Eu estava na 4ª série e jogávamos toda sexta-feira contra o pessoal da 5ª série, mas eu me destacava.
Como você começou no Guarani? Fez teste para entrar no clube?
Na realidade, não foi bem um teste, foi mais por precaução, para me verem. Quando fui até o Guarani pela primeira vez, havia aproximadamente umas 300 pessoas. Um treinador das categorias de base do clube foi me buscar na minha casa para eu fazer um treinamento. Foi tudo muito rápido. Quando cheguei lá, o treinador da categoria infantil era o Roberto Lazaretti. O mais curioso é que eu jogava de centroavante e ele falou que eu não tinha cara de centroavante. Disse que eu tinha que atuar como zagueiro ou volante. Estranhei, não queria treinar assim, pois gostava de fazer gols, mas mesmo assim acabei aceitando e deu muito certo. No primeiro treino, atuei como volante. Como eu tinha certa habilidade, comecei a atacar e ao mesmo tempo defender, até estranhei minha qualidade defensiva, não sabia que isso existia em mim.
Isso criou uma expectativa grande no treinador e ele comentou que eu iria sair. Quando ele falou isso, pensei que seria mandado embora depois do treino, mas ele me pediu para esperar, pois queria conversar com urgência. Ele veio falar comigo, pediu para ir até a minha casa para falar com os meus pais, pelo fato de eu ser menor de idade, e assinar meu primeiro contrato. Eu estava com 15, quase 16 anos, era moleque de tudo e foi muito rápida a minha ascensão para o profissional. Com 17 anos, pouco mais de um ano depois, eu já estava no time principal com o Zé Duarte. Ele até comentou que eu iria jogar, mas não era para ficar mascarado. Aí até falei para ele ficar tranquilo que minha preocupação era jogar e fazer meu melhor.
“Lembro que o meu primeiro jogo no profissional foi entre Guarani e Dinamo Bucareste, da Romênia, já atuando como zagueiro. Joguei como volante apenas nos primeiros treinamentos no juvenil. Quando falei para os meus amigos que eu estava jogando como zagueiro, ninguém acreditou”
Lembro que o técnico Armando Renganeschi, o Renga, me lançou em uma partida profissional já pelo Campeonato Paulista, contra a Ferroviária, em Araraquara. A Ferroviária tinha um timaço em 1972. Depois, fomos para uma excursão na Europa e na Ásia: Líbano, Arábia Saudita, Itália, Espanha… Nossa excursão foi um sucesso, uma surpresa superagradável. Em comparação com as excursões que os clubes brasileiros faziam na época, somente o Santos e o Botafogo haviam sido superiores a nós. Ninguém entendia porque estávamos fora do Campeonato Brasileiro. Aí recebemos o convite para disputar a competição e nunca mais saímos.
Quais os momentos mais marcantes da sua passagem pelo Guarani?
O primeiro foi a minha estreia, lá em Araraquara. Fui para ficar no banco e, para a minha surpresa, o Sr. Renga, uma pessoa maravilhosa, falou que eu iria jogar. Ele perguntou se eu estava com medo, deixei claro que estava tranquilo e estreei. Fiquei muito feliz, foi o meu primeiro passo. O segundo foi quando, na nossa excursão para a Arábia Saudita, joguei como centroavante. O Zé Duarte já era o técnico. Topei na hora jogar no ataque e fiz dois gols como centroavante. As amizades que fiz no Guarani também são guardadas com muito carinho e mantidas até hoje. Lembro da época que morávamos embaixo da arquibancada (do Brinco de Ouro). Morei lá com muito prazer e orgulho, foi sensacional.
“Morei embaixo da arquibancada quando ainda era amador e depois, no profissional, também era assim, mas tinha uma repartição de madeira com duas camas. No departamento amador, dormíamos em beliches.
Quando foi a sua primeira convocação para a Seleção Brasileira? Tem lembranças desse dia?
Lembro muito desse dia. Foi logo depois da Copa do Mundo de 1974, eu estava treinando no Guarani. Lembro que a Seleção Brasileira voltou a se juntar e muitos clubes não queriam ceder jogadores. O técnico era o Oswaldo Brandão e apenas Atlético Mineiro e Cruzeiro haviam cedido jogadores. A Seleção Brasileira era representada pelos times de Minas Gerais, com jogadores como Raul Plassmann, Nelinho, Getúlio, Roberto Batata, Reinaldo, Joãozinho, Marcelo Oliveira, Paulo Isidoro, Toninho Cerezo.
Até então, eu não sabia que tinha sido convocado, mas vi vários repórteres no nosso treino no Guarani, isso não acontecia muito na época. Imaginei que tinha acontecido algo e fiquei no campo, fui um dos últimos a sair, e na verdade eles estavam ali para falar da minha convocação. Os únicos três jogadores que não atuavam em Minas Gerais e estavam na Seleção Brasileira eram o Waldir Peres, o Luis Pereira e eu. Fui para a Seleção Brasileira e não saí mais.
Como foi a parceria com o Oscar, Carlos e Polozzi, outros atletas do futebol campineiro na Seleção?
Fizemos uma amizade maravilhosa, até hoje mantida. Nas últimas semanas, por exemplo, eu falei com o Oscar. De Campinas, eu fui o primeiro a ser convocado na época e fui puxando todo mundo. Havia uma desconfiança da imprensa da Capital pelo fato de, na época, eu ser jogador de um time do interior. Eles achavam que ainda era cedo para eu ser convocado. Eu mentalizei e disse para mim mesmo que iria mostrar a eles, sem falar com ninguém da imprensa, que a oportunidade tinha sido dada e era a minha vez, que eu tinha condições de jogar. Eu demonstrei isso dentro do campo, fui ganhando confiança aos poucos e, em um determinado momento, o pessoal de São Paulo não tinha mais dúvidas sobre mim, mas comecei a ser dúvida no Rio de Janeiro. O tempo passou, eu não cheguei a ser unanimidade, mas passei a ter grande aprovação de toda a torcida e imprensa. Mesmo aqueles que tinham dúvidas, acabaram não tendo mais. Fui me consolidando cada vez mais, fiquei na Seleção e sempre fui convocado, até 1978.
“O Guarani foi fantástico, me deu todas as oportunidades que um atleta pode ter. Aproveitei os momentos tanto no clube quanto na Seleção Brasileira, e ajudei outros atletas do interior chegarem à Seleção, como o Oscar, o Polozzi e o Carlos. O Zé Mário, ponta direita do Botafogo de Ribeirão Preto, também foi convocado na época. Isso foi muito legal”
Quais os momentos mais marcantes que você guarda da Copa do Mundo de 1978? É o lance contra a Espanha?
Igual o lance contra a Espanha não existe. Foi o mais marcante porque, se nós perdêssemos, estaríamos eliminados, muito provavelmente. Naquela época, quando você estava numa Copa do Mundo, acabava se isolando de tudo. Estávamos em uma concentração em Mar Del Plata, na Argentina. No meio do mato, no meio do frio, éramos somente nós mesmo. Eu não sabia da dimensão que teve o lance contra a Espanha. Comecei a ter uma noção melhor quando o falecido Cláudio Coutinho comentou o que representava aquele gol que evitei. A comissão técnica falava muito isso. Aí começaram a chegar telegramas da Presidência da República e comecei a entender a dimensão daquele lance. Quando cheguei ao Brasil, vi o Chico Anysio comentando que tínhamos mais um santo, o Santo Amaral. Ficou para sempre na memória e não existe nenhuma outra situação, nem a minha primeira convocação, que seja tão esplendorosa como esse lance que evitei o gol contra a Espanha.
Como foi para você jogar junto e dividir vestiário com craques como Zico, Rivellino, Toninho Cerezo e Reinaldo?
Foi sensacional! Apesar de ser do interior, eu gostava muito de entrosar, não gostava de ficar em segundo plano. Eu adoro conversar, rir, sacanear, tudo pelo lado positivo de formar amizade, ter um vínculo como amigos dentro e fora do campo. Eu não tinha tanta liberdade com o Zico, mas lembro do pessoal chamando ele de Galo e também comecei a chamá-lo de Galo. Até hoje, para mim, ele é o Galo. Tenho contato bom com todos e quando nos encontramos é amizade boa, nada de amizade falsa. Tenho no meu celular Reinaldo, Rivellino, Paulo César Caju e também o Zenon, que jogou comigo no Guarani. Tinha contato com o falecido Carlos Alberto Torres. Também tenho o contato do Oscar, Polozzi, Cerezo, Nelinho, Roberto Dinamite.
“Nunca tive vergonha de ir atrás de uma pessoa para fazer amizade. Ruim seria se cada um ficasse no seu canto, sem conversar. É muito legal ter esse vínculo a favor do Brasil”
O que faltou para ganhar a Copa do Mundo de 1978?
Faltou ganhar da Argentina. A única coisa que tirava a Argentina da Copa do Mundo era a nossa vitória. Nesse jogo, eles estavam com medo de jogar contra nós, perdemos muitos gols, principalmente nos últimos minutos de jogo. Ali é que matou. Quando terminou o jogo, eles começaram a vibrar e percebi que tinha alguma coisa errada. Infelizmente não ganhamos deles, foi a única coisa que faltou. Mudaram o regulamento durante a competição, hoje isso não acontece mais, e a mudança de horário da outra partida foi fundamental para isso. Os dois jogos eram às 16h, o nosso estranhamente permaneceu às 16h, e o deles foi para às 18h. Por isso que o empate foi ruim para nós. Para eles, foi ótimo. Nós víamos a cara dos generais lá na Argentina. A Varig nos deixou lá, no início da Copa do Mundo, e depois não podia nos levar para as outras cidades. Tivemos que nos locomover sempre com aviões da Força Aérea Argentina, fomos para várias cidades e perdemos treinamentos por conta disso. Parte da delegação viajava pela manhã e a outra parte viajava à tarde. A Argentina viajou muito menos.
Como foi a sua saída do Guarani para atuar no Corinthians?
Eu já tinha sido vendido antes da Copa do Mundo, mas não podia jogar pelo Corinthians. Tanto que sempre que tinha folga da Seleção Brasileira, um pouco antes da Copa, minha reapresentação já era no Corinthians, não no Guarani. Tinha treinado com o Corinthians antes da Copa do Mundo. Lembro que fui vendido por pouco mais de 5 milhões de cruzeiros. Foi um dinheiro que ajudou muito o Guarani. O presidente Ricardo Chuffi não teve culpa, pois a proposta era irrecusável. Colocava as finanças do Guarani em dia e sobrava dinheiro por um bom tempo para montar uma estrutura maravilhosa. Ele [Ricardo Chuffi] foi campeão brasileiro um tempo depois e isso deixou tudo mais tranquilo.
Na época, o curioso é que eu fiquei sabendo que havia sido vendido para o São Paulo, que tinha sido campeão brasileiro em 1977. Soube que iria para o Corinthians apenas quando o pessoal do clube chegou em Campinas. Estava no São Paulo e fui dormir no Corinthians.
Você se arrepende de não ter ficado no Guarani para conquistar o título brasileiro de 1978?
Eu não me arrependo de nada, acho que tinha que ser naquele momento mesmo. Foi bom para o Guarani porque a equipe estava desacreditada. No começo do campeonato, a equipe oscilava, chegou até a ser goleada pelo Remo, em Belém, no Pará, e depois o grupo se uniu, as coisas foram caminhando e o time conquistou pontos importantes. Houve aquela vitória contra o Vasco, no Maracanã, contra o Internacional, no Beira-Rio, e a equipe foi crescendo. Eu tinha jogado com a maioria daquele elenco do Guarani, com jogadores como Neneca, Mauro, Miranda, Alexandre, Manguinha, Renato, Zenon. Só não tinha jogado com Careca, Capitão e Bozó.
Como foi a sequência da sua carreira após deixar Campinas?
Eu fui para o Corinthians, onde fui muito feliz, com novas amizades, novos conhecimentos. Fiquei quatro anos lá. Depois, fui jogar no futebol mexicano. Foram nove anos de México e falo até hoje com eles, duas vezes por semana. Só parei de ir para lá por conta da pandemia [de Covid-19]. Comecei a falar espanhol fluente com seis meses morando no México e hoje também escrevo bem em espanhol, isso é muito legal. Todo ano eu ia para o México, ficava 15 ou 20 dias, fazíamos churrasco, relembrava os velhos tempos.
Em 1986, durante a Copa do Mundo, a Seleção Brasileira utilizou a estrutura da minha equipe lá no México [o Leones Negros]. O Brasil se concentrou em Guadalajara e eu acompanhei de perto. Em 1985, houve um dos piores terremotos da história do México, mas em um ano o País se reergueu para receber a Copa do Mundo. Abraçaram a situação, parecia mágica, e o México estava pronto para receber a Copa do Mundo. O México é um lugar sensacional para se viver. Possui alguns problemas, mas é bem pouco.
Onde mora atualmente? Continua em Campinas?
Não moro mais em Campinas há 43 anos, desde quando fui para o Corinthians, mas venho muito para Campinas. É muito legal voltar para a cidade e sempre gosto muito de reencontrar os amigos quando estou em Campinas.
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