Uma das frases mais impactantes e conhecidas de Oscar Wilde é: “A vida é um palco, mas o elenco é um horror’. O autor irlandês viveu e faleceu no século 19 (morreu em novembro de 1900, um mês antes da virada do século 20). Foi um artista de excepcional vanguarda estética e bissexualidade polêmica.
O único romance de Wilde, “O Retrato de Dorian Gray”, ainda é uma obra atual, com sua enorme repercussão artística e filosófica. O protagonista, negando sua temporalidade humana, acompanhava o envelhecimento da sua imagem na pintura e permanecia jovem.
A referência estética era uma grande inspiração de Wilde – Dorian era muito belo e elegante. A ironia e o sarcasmo também eram muito frequentes nos trabalhos do autor. Ele habitualmente criticava o anseio narcisista das pessoas se manterem jovens e bonitas.
Se a pessoa estiver mesmo em um palco, desempenhando sua performance artística, ela interpretará o papel cada vez melhor quanto mais se distancie de sua própria personalidade. Fará, assim, uma boa interpretação teatral.
Se o sujeito estiver desempenhando o seu papel real, nas dimensões de sua própria vida, ele melhor interpretará sua realidade quanto mais mergulhado em si mesmo. Fará, assim, uma ótima interpretação existencial.
O sujeito que observa sua imagem no espelho de modo simples e natural, sabendo das transformações que o corpo sofre com o passar do tempo, assimila-as sem grandes conflitos e sofrimentos.
Melhor ainda quando não descuida da saúde e eventualmente se permite algum procedimento estético que contribui para a boa aparência. Isso implica uma boa interpretação das circunstâncias envolvidas no processo vital e no momento existencial.
Este bom e útil interpretar, no entanto, demanda reconhecer algo bem corriqueiro e trivial, ou seja, simplesmente a maneira da pessoa compreender o mundo, aqui e agora.
Assim, conforme sua ideologia, sua religião, seu trabalho, sua família, seus valores, sua idade, seus sonhos, iniciativas e tentativas, fará uma adequada interpretação da sua vida.
Cérebro e mente informados, ativados, coerentes, corpo fisicamente exercitado e espírito aberto, com liberdade e boa noção dos próprios limites, compõem o mínimo essencial para que a pessoa faça interpretações adequadas e equilibradas.
O grande problema para todos nós é que sempre cabem interpretações diversas e contraditórias nas nossas vidas.
E que tudo o que se vive pode oferecer diferentes interpretações. A rigor, o ser humano vive de interpretações.
A interpretação artística é a menos vulnerável às pressões, contradições e contestações. Podemos concordar ou não com os protagonistas – deles só interessam as atuações de atores.
As interpretações vitais podem ser questionadas, movimentando oposições, discordâncias e muitas variáveis. Algumas são verdadeiras versões perversas, convenientes à intenção jurídica ou à propaganda política.
As interpretações vitais mais firmes, rígidas e radicais transformam-se em convicções, em crenças. As crenças têm uma força fantástica, uma resiliência exponencial.
As crenças religiosas, então, são mais vigorosas e resistentes. Para se sustentarem sem abalos, elas demandam muita fé. A fé é um exercício extraordinário de interpretação controlada, não pode sugerir dúvidas, não deve arriscar as crenças.
Na interpretação da própria vida, as flexibilizações são necessárias. Se a pessoa se fecha, acreditando que a sua compreensão da existência é a única, ou mesmo a melhor, sua liberdade se estreita.
Reconhecendo-se viável e flexível, iludindo-se pouco, capaz de amar e aprimorar o amor, com suas virtudes e defeitos, o sujeito segue aprendendo, preparando-se e reciclando-se para o que tiver que aproveitar, curtir, bem como enfrentar.
Desse modo, poderá experimentar o aforisma de Victor Hugo, o extraordinário romancista francês também do século 19: “A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é, ou melhor, apesar daquilo que você é”.
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor