A mulher chegou ao consultório chateada, chorando. Desabafou na sala de espera, reclamou de si mesma, criticando-se por ter caído no conto do vigário. Tentava, de modo incompreensível, explicar que ali, ao lado da clínica, fora enganada e perdera 2 mil reais. A consulta dela seria a próxima. A atendente bloqueou os telefones, dizendo-se disponível para qualquer eventualidade, se deveria chamar a polícia. Outra pessoa também se ofereceu para ajudar, mas ela continuou estranha, indefinida. Poucos minutos depois, o médico a chamou. Ela se assustou e caiu ao chão, desmaiada. Depois que melhorou, comentou com ele que o impacto emocional da queda foi o constrangimento de passar por “mané”.
A preocupação em não passar por bobo, ser feito de tonto, é típica da maioria das pessoas. Elas não querem ser enganadas, manobradas, controladas. Sentir-se-ão muito envergonhadas caso sejam interpretadas como tolas, bisonhas.
Essa gente também se exalta de orgulho e pretensão quando está do outro lado, onde se sente o esperto, aquele capaz de iludir, enganar os outros.
Essa dinâmica ruim, que alterna vencedor pretensioso e perdedor inferiorizado, está na contramão da vida satisfatória, útil e saudável. Cria exageros, polarizações extremistas, abusivas e violentas entre adversários.
As boas disputas esportivas amenizam esse panorama. Elas são uma criação inteligente, evoluída, pois sublimam as emoções negativas e proporcionam competições sadias e construtivas.
Nas contendas da política, em que há ditames democráticos e ordem conciliatória, mesmo no clímax de uma data eleitoral, temos bom enfrentamento, semelhante ao do esporte.
No entanto, é muito fácil desviar-se do caminho pertinente. Os adversários vão se tornando rivais pesados, inimigos, entrando no circuito nocivo e destrutivo.
O centenário sociólogo francês Edgar Morin inspira o escritor e terapeuta brasileiro Humberto O. Mariotti com reflexões sobre a complexidade do pensamento, a potencialidade da inteligência e do conhecimento.
Dessas elaborações, sugerimos que há três maneiras de o homem aproveitar seus potenciais: uma, a melhor, em que deles se serve para chegar à sabedoria; outra, a intermediária, em que os usa para alcançar uma perspicácia escrupulosa; e a terceira, a pior, em que atinge uma esperteza maliciosa.
Essa esperteza maliciosa é deletéria. Infelizmente, rege a maioria, induzindo-a a atacar e a se defender de modo truculento e pernicioso.
Assim, entre o vigarista e a vítima, entre o ladrão e o assaltado, o explorador e o iludido, as circunstâncias são similares. O esperto malicioso joga e vence com as cartas marcadas, enquanto o enganado deixa-se iludir.
Observamos que o evento se dá com responsabilidade bilateral. O trapaceado arrisca sua vulnerabilidade, e o trapaceiro a explora.
A malícia é mais maldosa à medida que sustenta a busca incessante de riqueza material, do empoderamento político e da egolatria.
O historiador romano Tácito, pouco depois da morte de Cristo, já dizia, desde aquela distante época: “a ambição de poder é a mais forte de todas as paixões”.
Esta incomensurável paixão pode nos escravizar ou não. Depende somente de nós mesmos.
Recentemente, exemplo bem característico viralizou na mídia. Um cidadão inconformado com o resultado das eleições ofendeu desastradamente um ministro do Judiciário. Este respondeu estupidamente: “Perdeu, mané”… O cidadão e o ministro, os dois, estiveram dominados por essa imbecilidade espiritual.
Excluídos, vítimas de preconceitos, de bullying e seus algozes respectivos grassam na sociedade, com requintes de abuso, crueldade e reações defensivas extremadas. Nem o bom humor é tolerado – as piadas são recusadas, censuradas.
É uma pena que necessitemos de uma vigilância maliciosa diuturna para lidar com essas limitações.
A tradição popular reitera: “ri melhor quem ri último”. Isso reforça nossa pobreza de espírito. O melhor seria: “rirmos juntos das perdas e ganhos é a satisfação de todos”.
Excelente ano aos estimados leitores!
Joaquim Zailton Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.