Quando somos fascinados por uma atração que representa a possibilidade de uma traição, ficamos mobilizados, entre cautelosos e corajosos. A atração e a correspondente traição que nos vêm à mente com mais facilidade é a amorosa, sexual. Também somos atraídos por outras tentações, especialmente as que envolvem dinheiro, poder e fama. Nos focos da atualidade nacional, as de ordem política são assuntos diários.
O escritor e rabino Nilton Bonder, em seu livro, também peça teatral: “A Alma Imoral: Traição e tradição através dos tempos”, mostra como somos vulneráveis às tentações, mas também indica que precisamos das traições para transformar as tradições. A submissão à vaidade nos aproxima frequentemente de armadilhas envolventes e até paralisantes.
O ego pretensioso não admite falhas ou defeitos, só quer promover as próprias virtudes e valores.
Ser obsequiado com a fidelidade de alguém deveria ser entendido como uma oferta de amor, não como um compromisso infalível e inflexível. No entanto, a nossa cultura ainda reserva essa expectativa de fidelidade, de posse, de exclusividade absoluta. Os protocolos das cerimônias matrimoniais definem esses padrões logo à iniciação do casamento.
Há quem cumpra a promessa, permanecendo fiel por décadas, mas muita gente a subverte, entrando até precocemente em condutas infiéis.
A maioria parece prometer o óbvio, o convencional, mas isso é contraditório, até curioso, pois, conforme revelam as pesquisas, é a minoria que permanece fiel, nos dois gêneros.
Em 1992, John Gray lançava nos EUA um dos livros de maior impacto nos relacionamentos de casais: “Os Homens São de Marte, as Mulheres São de Vênus”. Na ocasião, as estatísticas da época apontavam que mais de 60% dos homens traíam, enquanto as mulheres infiéis não chegavam a 40%. Um quarto de século depois, em 2017 (no Brasil, em 2018), Gray lançou “Além de Marte e Vênus”.
Neste final da segunda década, os homens infiéis ultrapassam os 70% e as mulheres chegam próximas dos 60%.
É essencial e decisivo esclarecer qual é o anseio envolvido no comportamento infiel, se a falta é no outro ou em si mesmo.
1) A Falta no Outro. Marido com pós-graduações vivia com esposa que interrompera curso no segundo ano de faculdade. Ele não gostava disso, mas não dizia nada, não comentava isso com ela, não indicava que ela retomasse os estudos. E ele a traiu com uma professora universitária.
2) A Falta em Si Mesmo. Mulher que se considerava bem casada, em um congresso, reviu um ficante do tempo colegial, com quem desejou fazer sexo, mas não fez. Curtiu passar uma noite com ele.
Sob o ângulo ético, no primeiro caso, a traição é bem mais caracterizada, pois o marido não reclamou das limitações da esposa e nem a incentivou à recuperação acadêmica. No segundo, a busca da mulher foi pessoal, não demandava nada do seu cônjuge.
Sob o ponto de vista da nossa moral vigente, os dois traíram, foram infiéis.
Algumas iniciativas de casamento aberto, troca de casais, programa em boates de swingers, poliamor e modismos equivalentes dão a impressão de que os pares modernos estão evoluídos e entusiasmados. Isso pode ser enganoso, novidades que nem sempre equivalem a ações de liberdade. Há até aqueles, por exemplo, que vão às casas de swingers com uma porção de regras e controles a obedecer: não beijam na boca, não transam sem a presença do cônjuge ou namorado, não se despem por completo etc.
Em todas essas possibilidades, os envolvidos necessitam, em primeiro plano, checar consigo mesmos se não estão subtraídos de amor!
Joaquim Zailton Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor