Vez por outra, noticia-se em Campinas o abandono em que se encontram os espaços onde monumentos de personagens históricos da cidade estão localizados, roubos de placas comemorativas e mesmo de bustos moldados em bronze. Pode-se dizer, nada muito diferente do que vem acontecendo em várias metrópoles, em outros países.
Recordo-me que em 2008 publicou-se uma relação dos monumentos que seriam restaurados pela administração municipal, no ano seguinte. A notícia alvissareira reavivou a esperança dos que ainda se preocupam com a Preservação da Memória e a valorização do Patrimônio Cultural de um povo, como alavanca de seu próprio desenvolvimento. Como de costume, nada aconteceu nos 11 anos seguintes, significativamente!
Sabe-se que nas administrações municipais a Educação formal, a Saúde e a Segurança sempre são colocadas como prioridade, sobretudo por governantes que desconhecem a importância da Cultura, em suas inúmeras expressões, bem como a Preservação do Patrimônio Cultural de uma população como quesito essencial à expansão de seus repertórios e ao exercício pleno da cidadania. A constatação, entretanto, do descaso e do vandalismo que campeia no mundo todo destruindo monumentos históricos oferece-nos a oportunidade de fazermos algumas considerações que, certamente, vão além da crítica à limitação dos que administram nossas cidades e o próprio país.
A cidade de Campinas, assim como tantas outras do país e do mundo, é um aglomerado de segmentos populacionais díspares, um mosaico cultural onde o que menos existe é homogeneidade, marca de um mundo globalizado. Nela não coexistem mais somente aqueles que se conhecem há séculos, através de seus antepassados ou de suas próprias pegadas impressas nas lajes do passeio público.
Atualmente, fazem parte dela milhares de pessoas que para as áreas urbanas vieram e continuam vindo à procura de sustento ou pela atração natural que a novidade e o conforto exercem sobre o espírito humano. Com trabalho exaustivo, dificuldades de locomoção e informação, tais recém-chegados muitas vezes acabam confinados em espaços restritos nos quais suas próprias trajetórias pessoais não são recuperadas, assim como as tradições culturais que lhes deram forma e conteúdo em outras regiões de origem.
São os “órfãos culturais” da grande metrópole que, sem identidades valorizadas socialmente, sem monumentos que os representem, permanecem à margem da sociedade que os acolhe tornando-se presas fáceis de proselitismos de toda natureza, inclusive criminosa, pois tal organização lhes proporciona o significado social de que necessitam para se sentirem incluídos num espaço que lhes é estranho. Ao mesmo tempo, os alucinógenos que hoje circulam facilmente abrem-lhes um espaço onírico e garantem a sobrevivência, mesmo que precária e perigosa.
Sabe-se que toda a política de preservação em nosso país, assim como no mundo todo, sempre privilegiou a preservação do patrimônio das classes dominantes por ser esta uma maneira inteligente, embora perversa, de convalidação do poder nas mãos das oligarquias, assim como a manutenção do estado dominial em que ainda vivemos.
Creio ser necessário irmos além da denúncia do descalabro em que se encontram os inúmeros monumentos que, no espaço público, comunicam parte da história da cidade e homenageiam os personagens que para ela contribuíram, ao longo do tempo. Faz-se necessária uma reflexão sobre o multiculturalismo que deu origem ao espaço urbano, o qual continua e se legitima; esta será de grande importância para a inclusão de outros monumentos que venham a homenagear personagens metropolitanos das várias camadas sociais.
Projetos de Animação Cultural nestes espaços públicos, como já existente em vários países, são capazes de permitir a incorporação crítica das relações sociais existentes na cidade e a percepção do papel de cada segmento social, através do tempo.
Será sempre interessante que, nesta ação cultural proposta junto aos monumentos, sejam envolvidos alunos de Universidades dos vários cursos das áreas de Humanas, Expressão Artística e de outros capazes de criarem apresentações próprias para a transmissão ao público passante do significado do bem preservado dentro de um contexto histórico-social mais amplo. No Canadá pude apreciar inúmeras ações dessa natureza acontecendo em finais de semana, feriados e, principalmente, nas férias escolares para o maior aproveitamento da população, com enorme sucesso.
Finalmente, continuo a insistir para que o espaço das ruas e das praças em nossas cidades seja ocupado com atividades de interesse para o crescimento da população e não somente com o comércio, os carros e os meliantes.
Preservar o Patrimônio Cultural da população, seja infantil ou adulta, deverá ser sempre um dos mais importantes objetivos de uma Administração Municipal, pois somente através dele ela será capaz de se ver como num espelho, perceber-se como parte integrante de um todo complexo e, desta forma, capaz de programar o seu futuro afinado com a proposta de inclusão e harmonização social.
Sem sombra de dúvida, novas propostas exigirão, sempre, uma discussão mais profunda da relação SOCIEDADE x CULTURA, o que nem sempre se tem feito. Acredito, porém, que transformar a urbe num lugar mais aprazível, menos violento e com seus bens patrimoniais preservados por toda a coletividade seja o desejo de todos nós!
Regina Márcia Moura Tavares é antropóloga, membro da Rede de Cooperação Acadêmica em Patrimônio Cultural Imaterial da América Latina e Caribe, da Academia Campinense de Letras, do Instituto Histórico, Geográfico, Genealógico de Campinas e de demais entidades culturais. – [email protected]