Profissionais do jornalismo que tiveram a oportunidade de conviver com o prefeito Francisco Amaral (1923-2016) certamente têm a sua peculiar imagem sobre esta figura política que governou Campinas em duas ocasiões. Peço licença aos colegas mais experientes para oferecer a minha visão sobre Chico, aproveitando a abertura da exposição nesta sexta-feira (27) no Paço Municipal, que resgata a sua memória e o seu inquestionável legado.
Como jovem repórter, tive o privilégio de cobrir para a editoria de Política do Correio Popular as eleições municipais de 1996, depois de minha “estreia” na área da Administração Pública com o acompanhamento diário da gestão de Magalhães Teixeira/Edivaldo Orsi. Metrópole em acelerado crescimento, Campinas exibia grande contraste social nos anos 90.
É verdade que elas seguem resolutas e desafiadoras 30 anos depois, mas os conceitos de “Belíndia” eram muito presentes naquela época.
O termo, que era utilizado por economistas para mostrar os abismos de dois países com IDH longínquos, caía com perfeita e triste simetria. O chamado “outro lado da Anhanguera” era uma região com grande potencial de expansão, como se mostrou viabilizada décadas depois, mas desafiadora socialmente por outro lado. A palavra fome, que hoje é uma realidade para 33 milhões de brasileiros, era mencionada com certa frequência no noticiário da ocasião.
Foi nesse contexto que Chico Amaral começou o seu segundo governo em Campinas, o primeiro que testemunhei. Pressionado por carências sociais gigantescas, o prefeito – que assumiu em 1º de janeiro de 1997 – viu meses depois consolidar uma grande ocupação de área particular na cidade, um imenso terreno às margens da Rodovia Santos Dumont que se transformaria no Parque Oziel e Jardim Monte Cristo.
A invasão foi o primeiro grande teste do governo de Chico Amaral, acusado de ser leniente com os sem-teto.
A narrativa da ocasião, disseminada pela elite econômica e por liderenças da sociedade civil, era que o prefeito, com seu suposto discurso de incentivo a famílias que não tinham casa própria, teria forjado as condições que levaram à invasão. Era voz corrente que Chico teria dado sinais na campanha de que repetiria a política habitacional dos anos 70, em seu primeiro governo, quando promoveu ações para acolher famílias de baixa renda com seu primeiro teto.
“Pauladas” da imprensa e da comunidade
O complexo Oziel/Monte Cristo caiu “nas costas” de Chico. Assim como outros temas de cobertura forte da mídia, como as críticas a sua decisão de nomear um gerente para a cidade, cargo que foi interpretado como estratégia para supostamente se ausentar do comando efetivo e da rotina de governança. Os anos iniciais do mandato de 1997-2000 também foram difíceis para o prefeito no primeiro escalão, notadamente por conta de um caso de suposto direcionamento de uma licitação (negado veementemente, mas que fez estragos e resultou em demissão).
Seu governo não foi aquilo que certamente desejava, já que o fardo social e econômico de uma metrópole com grandes desafios cobrou seu preço.
A violência urbana também deixou o governo vulnerável, e exigiu de Chico ações para investir na Guarda Municipal (GM). Foi em seu governo que a GM ganhou corpo e passou a ter uma visão de polícia municipal.
Respeito às diferenças, às divergências e aos jornalistas
Diante de desafios tão complexos, era de se esperar de Chico uma certa indisposição com a cobertura jornalística. Mas, ao contrário, o que se verificou, pelo menos aos meus olhos e juízo de jovem repórter, foi um respeito altivo ao papel da imprensa livre, ao ofício do jornalismo investigativo e às críticas dos colunistas que integravam o corpo dos jornais diários.
Chico tinha respeito pelo papel da imprensa. Quando necessário, questionava por meio de notas respeitosas.
Por outro lado, utilizava-se de um expediente que virou a sua marca de gestor; se tinha que dar um pito ou uma sugestão a um secretário ou assessor, mandava um bilhete verde, escrito à mão, com letra cursiva. Era o “WhatsApp dos anos 90”.
Essa marca democrata jamais deixou de aparecer em suas ações de homem público. Como deputado constituinte, votou, por exemplo, a favor do voto aos 16 anos, e pelo rompimento de relações diplomáticas do Brasil com países que praticassem política de discriminação racial.
Civilidade, tolerância e conduta republicana sintetizam seus passos.
Em tempos de ódio político e de perseguição ao jornalismo profissional, Chico Amaral é exemplo de homem público que respeitou a democracia em todos os seus movimentos, seja no Executivo ou no Legislativo. Oriundo do MDB raiz, sabia que seus opositores não eram inimigos mortais, mas integrantes de legendas que pensavam diferente.
Chico foi um dos políticos que mostraram para mim, jovem jornalista, de forma continuada, o valor da democracia. Valorizar o seu legado e a sua memória é respeitar os valores civilizados. Para aqueles que tripudiam da República e atacam as instituições, vale ler, pesquisar e estudar um pouco mais. Um bom exercício é conhecer mais sobre Chico Amaral. Combateu a ditadura militar, mas tinha bom trânsito nas Forças Armadas. Chico provou que é possível fazer política sem cólera e beligerância.