Estamos no olho do furacão de uma sociedade de consumo, sociedade composta por pessoas que, cada dia mais, perdem o norte existencial, isto é, o “pelo que viver”, aquilo que lhes faria sentido, que geraria bem-estar, alegria. Atualmente existimos para consumir, desde coisas que nos deem sensações estanques e, se possível, intensas – mesmo que fugazes – até o próprio tempo, pois empenhamos o máximo de nosso tempo para obtenção dos meios de ter e de repetir, muitas e muitas vezes, tais sensações. Mas, como disse Antifonte (c. 500 a. C) “entre tudo que gostamos, o mais precioso é o tempo”.
É nas frações de tempo que tudo acontece ou é realizado, de maneira que, administrar bem o tempo na relação com as questões existenciais, como trabalho e vida pessoal em seus diversos aspectos, se faz imprescindível. Sem isso não há uma vida boa.
As palavras “consumidor” e “consumir” derivam do Latim CONSUMERE, que significa “comer apressadamente”, “devorar”, de COM, mais SUMERE, que é “pegar”, “agarrar”, formado por SUB, “abaixo”, mais EMERE, “pegar”, “tomar”, “agarrar”. O consumidor é alguém que “devora algo desde às raízes”. O sentido de “consumir” é, portanto, “agarrar algo e, rapidamente, fazer que termine”.
O mercado quer mesmo que as pessoas “não saboreiem” as coisas. É preciso que “devorem”, “comam apressadamente” um produto ou serviço, para que outro logo seja oferecido, e outro, e mais outro… E se – considerando a realidade dos fatos- brincarmos com a composição da palavra “consumir”, teremos a expressão “sumir com”, “sumir juntamente”, ou seja, “devoramos a nós mesmos no ato de devorar algo”, perdemo-nos, em grande medida, ao obter o que não é necessário, o que obtemos por impulso estimulado por um marketing inescrupuloso, ávido de lucros! Para o atual sistema comercial, faz-se necessário que as pessoas estejam em frenético movimento, consumindo, isto é, que não parem para realmente viver.
Não quero continuar sendo consumidor, isto é, um “devorador de produtos e serviços”. Quero ser aquisitor, pois, diferentemente de um “devorador” (consumidor) o aquisitor tende ao planejamento, à consciência de precisar ou não, disto e/ ou daquilo, enquanto o consumidor é quem age por impulso, pela ilusão de que precisa daquilo que, na realidade, não é necessário; age compulsivamente.
Podemos ir bem mais além nessa história de “consumir”. Acompanha esse raciocínio e se pergunte a respeito: “Se você se sente melhor quando está trabalhando, do que quando a sós com você mesmo, e por isso mergulha de cabeça no trabalho, passando a ser um “voraz consumidor de trabalho”, um workaholic (viciado em trabalho) não significa que o trabalho está se tornando um “mecanismo de defesa” em relação à vida pessoal? Quando se trabalha muito, pouco se pensa na própria vida, no sentido que se está dando ou deixando de dar a sua existência.
Todos nós, em alguma medida e em diferentes circunstâncias, negligenciamos a vida pessoal, algumas vezes de modo tão intensamente que, o prejuízo que, em curto, médio e longo prazo, acabamos tendo, se torna imenso, quase insuportável, levando-nos ao trabalho como “refúgio” e “mecanismo de defesa” em face das questões que precisamos reconhecer e sobre as quais devemos agir. E trabalhar muito – além de causar danos à pessoa – pode não garantir os melhores resultados à empresa, pois trabalha-se como “autômato”, sem a alegria advinda do autêntico usufruto do mesmo.
Quando estamos bem, a tendência é que, o resultado de nossos trabalhos, sejam os melhores! Podemos ir ainda mais longe nisso de “consumir…”. Em termos bem práticos, o ser humano é “metamorfose social”, resultado das relações de consumo. E qual “produto”, atualmente, é o mais consumido?
Desde que o fluxo de informações começou a ser dinamizado no final do século XX, inaugurando o que passou a ser chamado de Era da Informação (ou Era Digital) a configuração das sociedades humanas vem sendo modificada aceleradamente. O fluxo de informações, assim, tão potencializado, facilitou incontáveis inovações para os mais diversos setores, destacando-se o “produto virtual”, que é, de diferentes maneiras, a própria informação.
Sendo, a informação, o “produto mais consumido” atualmente, de maneira consciente e inconscientemente, convém considerar o impacto causado pelo “mercado da informação” na educação convencional e no aprendizado natural, espontâneo, para a vida, pois a referida realidade pode ser benéfica e/ ou maléfica à linguagem e, consequentemente, ao desenvolvimento humano. O ser humano se move linguisticamente, “estrutura-se em significados para significar”, isto é, para dar -conscientemente e de modo inconsciente- sentido à própria vida.
A vida boa começa e vai se desenvolvendo pela educação, que passa pela escola e se perpetua, até o último instante da pessoa. As mudanças no cenário tecnológico impactam, firmemente, os hábitos de consumo e, consequentemente, a realidade de modo geral.
Qual é a vida boa?
A vida boa, tanto para a pessoa como para a empresa em que trabalha, e para a pessoa em suas relações de compra e venda, é aquela que, entre os extremos, entre as “polaridades do ser”, encontra o “ponto de tangenciamento” ou “intercessão”. Tal observação nos leva a uma pergunta: o que é ser rico?
A palavra “riqueza” deriva de “rico”, que veio do Gótico REIKS, que se traduz “poderoso”, derivado do Indo-Europeu REG, que é “andar em linha reta”. Considerando a etimologia de ser rico e observando a realidade da sociedade atual, que tipo de pessoa podemos dizer que é rica? Alguém que tem muito dinheiro, bem mais do que a média das pessoas, muitos imóveis, carros e outros tantos bens materiais? Se sim, podemos mensurar a riqueza de uma pessoa pelo tanto que ela consome. Rico seria, então, a pessoa que tem mais bens materiais.
Sobre o consumir, Noam Chomsky (1928) disse: “Não se pode controlar o povo pela força, mas se pode distraí-lo com consumismo”. Chomsky, assim, relaciona o consumismo à sujeição inconsciente a um poder político ou, simplesmente, ao comércio de modo geral ou, ainda, à combinação de ambos.
Por outro lado, Immanuel Kant (1724-1804) disse: “Não somos ricos pelo que temos, e sim, pelo que não precisamos ter”. Kant posiciona o “ser rico” à consciência do realmente necessário. Um milionário que consome, mais e mais, carros, casas, apartamentos, relógios, jóias etc, isto é, que “necessita de mais e mais”, não é, verdadeiramente, alguém rico, e sim, não passa de um necessitado.
A genuína riqueza tem relação direta à satisfação, a uma grande medida de imperturbabilidade, algo semelhante a ataraxia dos antigos filósofos céticos, epicuristas e estoicos.
Almejo que, pela Educação – se algo se fizer, urgentemente, pela qualidade da Educação – deixemos de ser “lebres em uma corrida atrás de uma cenoura que, quanto mais desejamos alcançar e ter, mais afasta-se”. O sistema comercial inescrupuloso faz tudo para que sejamos como tais lebres…
Cesar Tólmi é professor, psicanalista, jornalista, com Licenciatura Plena em Filosofia, pós-graduando em Neurociência Clínica, em Psicologia Jurídica e Avaliação Psicológica, em Análise do Comportamento, em Estudo da Linguística; artista plástico autodidata, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social. E-mail: [email protected]