Em outubro de 2014, a revista Exame publicava uma matéria sobre crenças árabes. Os curdos prenderam um jihadista. Este implorava que fosse morto para alcançar a glória dos mártires, suplicando para que facilitassem o acesso ao paraíso, onde se beneficiaria de todas as “recompensas prometidas”. Um curdo entrevistado disse: “Tentamos em vão conversar com ele, mas ele não queria saber de nada. Disse e insistiu que éramos infiéis e que ele, sim, iria para o paraíso encontrar as 40 mulheres que lhe prometeram”.
Agora, nove anos depois, com essa movimentação atual de mais uma guerra em Israel, reciclam-se essas circunstâncias e valores polêmicos.
Jayme Brener, no portal UOL (09/10/23), comenta que o conflito entre árabes e judeus é relativamente mais recente do que se costuma imaginar: “Os problemas ganharam corpo com a crise dos grandes impérios, ao término do século 19, que permitiu o avanço de inúmeros movimentos nacionalistas”. Entre esses novos movimentos, estavam o nacionalismo árabe, empenhado na criação de um grande Estado, e o sionista, defensor da volta dos judeus à Palestina.
Uma nação própria, um local para se assentar, uma terra para cultivar, uma casa como moradia, um ambiente interpretado como lar e um contexto seguro para se sentir em paz. É a aspiração mais prosaica e natural para qualquer um de nós, seres humanos.
Observemos, no entanto, que todos esses itens expectados dependem essencialmente do contexto de paz. Sem ela, as inseguranças demandarão muitos cuidados, e as necessidades de prevenção exigirão atualizações permanentes de vigilância e alarmes.
Por enquanto, o Oriente Médio é um decisivo exemplo de local onde não se consegue viver em paz, o que desassossega, estressa a todos, inclusive os que moram em ótimos imóveis, servidos com tecnologia de última geração.
Qualquer versão de um paraíso terreno precisará, em primeiro plano, de um cenário de paz. Mafiosos, criminosos e terroristas são hábeis em suscitar e manipular o medo que vulnerabiliza as vítimas.
Nas versões religiosas, os ideais edênicos têm a supervisão de um deus. O controle divino permite o relaxamento impecável e o aproveitamento sublime de qualquer ilusão ou possibilidade magnífica que a imaginação criar.
No século 16, Thomas More publicou seu marcante trabalho “Utopia”. Ele nos provocou com a reflexão: “A qualquer um, nada agrada tanto quanto as suas próprias opiniões.”
No século 17, John Milton apresenta seu poema épico “O Paraíso Perdido”. Religioso, mas liberal, ele cria algumas questões instigantes: para Satã, seria melhor reinar no inferno do que obedecer no céu?
No início deste terceiro milênio, revemos episódios deprimentes e desumanos.
Nem bem estreávamos no século 21, já nos assustava o 11 de setembro. Na virada para a terceira década, explode a bomba da Covid, com batalhas ideológicas e políticas absurdas e insuportáveis. No início de 2022, Rússia e Ucrânia entram em confronto bélico. Agora, a Palestina ferve novamente…
Estamos cientes da nossa evolução tecnológica, mas não percebemos devidamente a nossa regressão humanitária!
Vivemos conflitos antigos, ultrapassados, renovando-os com sofisticação destrutiva, egoísta e bárbara.
Em certos comportamentos, somos cruéis e desalmados como bestas sanguinárias da Antiguidade ou da Idade Média. Como é possível não estarmos pelo menos com “Idade Médica” (sendo profissional de saúde ou não) para cuidar do próximo e de nós mesmos?!
Esse cuidado humano, preventivo e terapêutico, exige uma definição bem encaminhada quanto à perspectiva religiosa ou descrente.
A pessoa poderia encarar sacrifícios, martírios, ao longo da vida terrena, expectando o futuro póstumo no éden da sua religião.
Pelo outro ângulo, bastaria à pessoa, perfeita e adequadamente, viver com a tranquilidade e o conforto de um escandinavo. No presente, nos dias de hoje, temos esse exemplo, real, prático e viável de um bom paraíso.
Se o morador médio da Escandinávia anseia por um éden religioso, não fará muita diferença. Ele vive a vida cuidando-se e administrando a possibilidade incontornável da morte.
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.