Quando observamos as pessoas correrem riscos desnecessários, logo nos assola uma agonia resolutiva, uma perspectiva suspirosa, aguda, de evitar aqueles absurdos.
Ver uma criança tateando a parede, aproximando os dedinhos da tomada elétrica, é agoniante. A agonia pode ser ainda maior se vemos um senescente renunciar ao andador e caminhar de modo meio arrastado para o banheiro… E olha que as famílias tomaram providências – acabaram de colocar protetores plásticos nos furinhos elétricos e equiparam os corredores e banheiros com úteis corrimões. No entanto, algum mínimo descuido pode favorecer uma brecha fatal.
São tantos os momentos e oportunidades em que ansiamos por um limite! Tantas vezes queremos bradar: Chega! Basta!
Um motociclista costurando no trânsito, corpo solto na moto, ou mesmo um motorista, todo fixado pelo cinto de segurança, mas com o carro abusando em velocidade.
A paciente insone que pede cada dia mais remédio controlado, o homem maduro que, na última hora, sempre foge da consulta urológica.
O adolescente que, todo domingo, pede a mesada, mas não estuda e passa as noites jogando videogames. O moço que precisa se embebedar toda noite no boteco do bairro.
O telejornal, logo pela manhã, carregando notícias de guerras e ataques terroristas. E, ao longo das horas que passam, reverberando-as…
O sem-teto que pede esmola à porta do supermercado, o pedinte no semáforo ou aquele que se senta estrategicamente, exibindo a perna com ferimento malcuidado.
Os políticos que só se empenham nos ciclos eleitorais e, a cada mandato, insistem no binômio corrupção – impunidade. E os eleitores que reconduzem os mesmos candidatos aos parlamentos…
O casal que assusta os vizinhos toda noite, quebrando coisas, gritando vitupérios em frente aos filhos, agredindo-se fisicamente, e, nos finais de semana, comparece com as crianças aos cultos familiares da igreja, a esposa com maquiagem sobre o hematoma facial.
Os que não prestam atenção naquilo que têm, nem mesmo enxergam o que possuem, e só valorizam o que não têm. E a coisa pode piorar – eles não se preparam para cobrir as faltas – ficarão até sem aquilo que hoje dispõem.
Muitos se animam com a possibilidade de serem agraciados com supostas bênçãos divinas. Apostam alto em sistemas lotéricos e rezam para que o(s) seu(s) deus(es) os abençoe(m).
As bênçãos são sugeridas em profusão, tanto por religiosos profissionais quanto pelos prosélitos. A mãe comemora a vitória da filha no vestibular declarando que toda a sua família é abençoada pelos céus.
Amigos e familiares que já lidaram com obras alertam que não dá para acreditar nos orçamentos e nos prazos das construções. E o sujeito contrata um empreiteiro para uma reforma com preço fixado e tempo determinado. No meio da obra, já está pedindo empréstimo no banco…
Quantas vezes nos confundimos, criamos trapalhadas em nossas vidas, trabalhos e relacionamentos. Em muitas, imaginamos criar trajetórias de coalizão e, vira e mexe, entramos em rotas de colisão.
Garotinha brasileira, de 13 anos, perguntou ao pai se quando ela tiver a idade dele (44), os governos terão menos corruptos. Bem, pelo menos, ela ofereceu um pouco mais de 30 anos para criar um basta, fazer uma diferença…
O vocalista Bono Vox (Paul D. Hewson), do grupo irlandês U2, colocou um limite intelectual interessante e criativo em sua experiência de vida, que tem forte sucesso mundial. Ele diz que ser uma celebridade é ridículo, mas quer fazer ótimo uso dessa moeda.
O exemplo do músico e filantropo é bem significativo. E reforça a perspectiva de que só o homem, ele próprio, em seu universo, nas suas ações individuais e nos seus mutirões, em sua geração, em sua vivência física, consegue parar uma sangria desatada, um abuso exponencial, uma situação insustentável.
Os crentes costumam delegar esse compromisso ao Criador, deixar os limites por conta da Providência Divina. Isso pode demorar o incomensurável tempo dos deuses…
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.