Marshall McLuhan (1911 – 1980), que talvez seja quem melhor conceituou a questão da revolução tecnológica que vivemos liderada pelos computadores, iphones, internet, etc, apresentou uma série de conceitos que permitem entender o que está acontecendo e ajudam na tomada de decisão face à situação que essa revolução nas comunicações criou. São dele as expressões “O meio é a mensagem” e ”Aldeia global”, sendo que previu a Internet 30 anos antes de ser inventada. Era o maior e mais procurado consultor sobre comunicação nas décadas de 60 e 70 até sua morte em 1980.
Como era muito controverso e de difícil compreensão, escrevendo quase sempre num sistema que é uma colcha de retalhos de ensaios cobrindo assuntos aparentemente desconexos, foi muito criticado pela Academia. Com a explosão da Internet, sua obra voltou a ser estudada e talvez seja a única forma racional e coerente disponível para entender o que está acontecendo e tentar descobrir o que fazer. Ele praticamente detectou o que hoje conhecemos como Cultura Popular Contemporânea e seu primeiro livro foi um estudo pioneiro sobre como ocorre a persuasão, através de vários exemplos, que é o conteúdo dessa obra: “A Noiva Mecânica: O Folclore do Homem Industrial” (1951).
Na sua segunda obra, “Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem” (1964) ou, no original “Entendendo Mídia: As Extensões do Homem”, seu livro mais lido e estudado, ele inverteu o foco para dentro e apresentou um estudo sobre a influência dos meios de comunicação independentemente do seu conteúdo. Dessa obra vem o famoso aforismo “O meio é a mensagem”, que expõe um efeito intrínseco nunca antes percebido dos meios de comunicação.
Sua terceira obra, e a segunda mais lida, porém a meu ver a mais importante, foi “A Galáxia de Gutemberg: O Aparecimento do Homem Tipográfico” (1962). Neste livro, ele revela na sua maneira de escrever em mosaicos, como a tecnologia de comunicação (ou seja, a escrita alfabética, a imprensa e a mídia eletrônica) afeta a organização cognitiva, que por sua vez tem profundas ramificações para a organização social.
Ele leva o leitor através dos mosaicos a percorrer desde a humanidade tribal pré-alfabética até a era eletrônica. Ele destaca que a invenção dos tipos móveis possibilitou, acelerou muito e intensificou mudanças culturais e cognitivas que já vinham ocorrendo desde a invenção e implementação do alfabeto, substituindo a cultura oral/visual por uma cultura impressa.
Para entender o que aconteceu com a invenção de Gutemberg e o que está acontecendo agora, a metáfora preferida de McLuhan é o conto de Edgar Allan Poe, “Uma descida no Maelstrom”. Maelstrom é um redemoinho numa superfície de água em rotação produzida por correntes opostas ou uma corrente que atinge um obstáculo. Quando puxa para o fundo, o nome correto é Vortex, ou vórtice com sorvedouro. O conto se passa na Noruega, onde existem os maiores redemoinhos deste tipo e a palavra vem da língua deles e foi absorvida por outros idiomas.
Nossa cultura, especialmente por não falarmos a língua de Poe, não percebe muito bem a riqueza da lição que este conto encerra. Resumindo: Um homem velho conta sua trajetória no mar a outro. Fala que há apenas três anos atrás era bem diferente da atualidade, que ainda pescava normalmente com seus irmãos. Ele explica que nunca pescava durante o Maelström, um redemoinho gigante, porém numa dessas pescarias, ele e os irmãos não conseguiram escapar. Num primeiro momento ficou muito assustado e só depois de ter perdido um irmão e de observar o outro completamente perdido, conseguiu se acalmar e analisar o que estava ocorrendo. Vendo tudo com sabedoria, apesar do tumulto, observou que os objetos que caiam no redemoinho sumiam rapidamente e que os maiores iam mais rápido para o fundo do mar, Então chamou seu irmão para saírem do barco, agarrados a um barril. Porém o irmão não quis sair do barco.
O velho ficou sozinho no barril e o barco foi sugado com seu irmão. Em seguida o redemoinho acabou e ele ficou flutuando com o barril no mar tranquilo até ser resgatado por um grupo de homens. Os homens que o resgataram eram seus amigos, porém não o reconheceram, o que causou estranheza ao homem que se salvou, pois o pescador era mais novo quando foi pescar e voltou já velho: o fenômeno levara anos do sobrevivente.
Os jornais, todos em qualquer lugar, especialmente aqui e nos EUA, ameaçados pelas tecnologias de comunicação, optaram e lacraram em torno da ideia de que para sair do vendaval que os ameaça à extinção, deveriam polarizar o público leitor e se alinhar à agenda da esquerda. A polarização, que é a formação de blocos distintos e opostos separados por ideologias conflitantes, é totalmente avessa à ideia da livre expressão e da democracia.
A agenda da esquerda, além da polarização, deixou de ser centrada na questão da desigualdade social ou das promessas que não se realizaram onde seu projeto foi implantado. Especialmente na União Soviética e, com a queda do Muro de Berlim, o comunismo se perdeu. E a esquerda também. É uma minoria, sem bandeira ou agenda que interesse ao povo, insistindo numa ladainha que se resume em ódio ao presidente Bolsonaro, vazia de objetivos ou de planejamento para enfrentar a urgência do que tem que ser reformado, resumindo-de numa postura do quanto pior melhor.
No discurso, até enxergam o barril que os salvaria, que tem que ser composto pela independência, alinhado com a democracia, comprometido com a verdade dos fatos, porém, pelo andar da carruagem, infelizmente, agem com total perda de contato com a realidade. É possível usar essas mesmas forças que os ameaçam para fazê-los sair desse vórtice, mas teriam que usar outras premissas que as que escolheram.
Roque Ehrhardt de Campos – [email protected]