Um passeio rápido pelo Cemitério da Saudade, em Campinas, o maior da cidade, indica que há algo intrigante no espaço: a grande quantidade de animais, principalmente gatos, circulando por alamedas e buscando abrigo em túmulos, frestas e lugares sombreados. Eles estão por toda parte: andando calmamente pelas ruas internas e escalando árvores, muros e até veículos da própria Serviços Técnicos Gerais (Setec), a autarquia responsável pelo gerenciamento dos cemitérios públicos em Campinas.
Não é novidade que animais domésticos busquem refúgio em espaços urbanos como parques e cemitérios. Na Lagoa do Taquaral, por exemplo, os gatos costumam aparecer com frequência nas trilhas internas. Eles buscam alimento, que é levado pelos próprios frequentadores.
No Cemitério da Saudade, a explicação é a mesma. Ao encontrar abrigo e conforto, considerando água e acomodações para dormir e descansar, os gatos também são “favorecidos” pelo hábito de parte dos visitantes que acabam levando ração ou outro tipo de alimento.
A Setec aponta também outra questão: a presença de insetos e roedores no cemitério atrai esses animais, que vivem “em colônia” e que buscam territórios com “segurança” para ficar.
A reportagem do Hora Campinas percorreu parte do Saudade na última sexta-feira e, além dos gatos, achou a carcaça de um animal. Pessoas contratadas para limpar os túmulos confirmam que os gatos são alimentados pelos frequentadores. “Tem gente que traz alimento e troca a água deles”, afirma uma mulher que cuida da limpeza de várias sepulturas.
Os gatos, aliás, aparentam ter boa saúde. Não têm visual famélicos, ao contrário, sinalizam ter peso adequado para o tamanho, além de pelagem saudável.
Suposto envenenamento
A cuidadora de túmulos que deu entrevista ao Hora acredita que a aparição de alguns gatos mortos no Cemitério pode ter relação com envenenamento, embora a Setec apure o eventual ataque de cães aos felinos “Acho que foi chumbinho”, opina, sem provas, contudo.
Medidas já adotadas
Representantes da Serviços Técnicos Gerais (Setec) e da Associação dos Amigos do Animais de Campinas (AAAC) se reuniram nesta seman para avaliar medidas com objetivo de evitar os ataques de cães que têm acontecido no interior do Cemitério da Saudade. De acordo com Flavio Lamas, presidente da AAAC, as investigações feitas pela associação apontam que, provavelmente, são cães que vivem na rua com seus tutores que estão invadindo o cemitério e provocando a morte de gatos e saruês que vivem no local. Saruês é dos nomes do gambá. São marsupiais não domesticáveis. Podem atacar, se sentirem ameaçados. Na visita ao Saudade, a reportagem do Hora Campinas não encontrou nenhum saruê.
O Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal da Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Campinas, também está mobilizado com esse tema.
Barras de ferro
No encontro, o presidente da Setec, André Assad Mell, havia informado que havia um plano de fechamento das saídas de água do cemitério, por onde estariam entrando os cães. Na última sexta-feira, por meio da assessoria de imprensa, o comando da autarquia confirmou que esse espaços foram obstruídos com “barras de ferro”.
A Setec também informou que desde que adotou essas barreiras, “não foram registrados novos ataques”.
A autarquia estime uma presença de aproximadamente 40 gatos no cemitério. “São animais que vivem em colônias, normalmente em locais onde há alimento (insetos e roedores) e segurança”, observou, em nota. “Saruês são difíceis de contar por ficarem mais escondidos”, ponderou a Setec. Os animais mortos encontrados foram destinados ao aterro sanitário por meio da coleta ambulatorial, de acordo com a assessoria.
Perfil do Saudade
O Cemitério da Saudade tem valor histórico, artístico e arquitetônico. Ele foi tombado como patrimônio cultural da cidade de Campinas em novembro de 2003. É considerado um dos maiores do País em termos de acervo de arte. Frequentadores, porém, apontam que a manutenção do espaço deixa muito a desejar.
Em suas 112 quadras, abriga desde pessoas simples, vítimas de epidemias, ilustres, barões, baronesas, monarquistas republicanos, políticos, médicos, juristas e outras personalidades, além dos conhecidos como milagreiro Maria Jandira, os três anjinhos e o escravo Toninho.
O maior valor cultural do cemitério são as peças esculpidas que ornamentam túmulos de famílias abastadas da época, final do século 19 e início do século 20, auge do período em que o café era o grande gerador de riqueza da região.
Ele ocupa cerca de 180 mil metros quadrados e foi inaugurado em 1881.