Sentiu aquele frio na espinha, que lembrava as aranhas que subiam e desciam e não o largavam em seus sonhos horripilantes. Para o menino tímido que um dia fora não era nada fácil subir em um palco e palestrar, mesmo com todo preparo que já realizara nesses seus trinta e três anos de vida. Estudado, preparado, autoconfiante; pensou.
O anfitrião chamou o seu nome. Reconhecido por alguns poucos amigos que estavam na plateia, apreensivos. Alguns já com celulares a postos para fotografar e filmar. Aproximou-se sério do microfone, um tapinha com a ponta dos dedos, viu que funcionava bem. Diferente daqueles que usava nas festas de família para cantar hits que agradavam apenas os familiares mais amorosos. Repetiu seu nome, disse boa noite ao estilo de um apresentador das antigas lutas de boxe norte-americanas. A primeira palavra dita e todos começaram a aplaudir.
Aplaudiam. Era uma catarse. Todos estavam emocionados. Alguns riam com alegria verdadeira, outros choravam feito desenhos animados. As palmas contagiantes se transformaram em uma espécie de hino. Ele tentou falar sua segunda palavra, mas não saiu devido ao barulho daquela multidão. Aplaudiam.
Trêmulo, o anfitrião veio para junto com abraço de um pai e olhos marejados. Em seguida, outros da equipe de organização vieram parabenizá-lo, queriam tocá-lo. Foi a deixa para quase toda plateia subir no palco para tirar selfies. Ninguém perderia esse instante. Atônito, abraçava e posava. As palavras que queria ter dito, presas, se transformando em sombras.
A noite não terminava, o levaram dali. Festejos nunca vistos. Nas redes seu nome já era o mais comentado. Não faltavam elogios, não faltavam os que viram nele sua maior inspiração. Frases que ele nunca tinha dito circularam com seu nome. Junto com os admiradores vieram os que o odiaram, e frases torpes, que ele nunca havia dito, eram compartilhadas com ferocidade e ranger de dentes.
Comunicadores em bando só conseguiam falar sobre ele, o fenômeno que estava mudando o mundo. Quis ir para sua casa, mas a casa não tinha mais. Ao chegar da festa feita para ele, cada cômodo era um escritório. Seus agentes estavam a postos, iniciando o primeiro e grande dia de luz. A assessoria de imprensa a partir de agora era quem controlava sua comunicação com todo o resto da vida.
Ele não era mais ele. As aranhas subiam e desciam, subiam e desciam. Até que todos compreenderam. Sua influência não era boa para ninguém. Dali só sairia vilania. Os que trabalhavam para ele pediram demissão, um a um. Sua casa voltou a ser seu lar, inglório. Manifestantes gritando com cartazes envenenados.
Não podia mais sair. Não conseguia mais sair desse dia estranho. Porém, o dia acabou, como acabam todos os dias. O anoitecer trouxe um silêncio. As aranhas não subiam e nem desciam mais, teceram suas teias e sonhos. Quando o sol voltou a nascer, ninguém mais se lembrava dele. Nem ele.
Danilo Pascoal é filósofo e pedagogo