O campineiro Antônio Augusto Pereira, mais conhecido pelo apelido de Pardal, viveu vários momentos importantes ao longo de sua carreira no futebol, chegando, inclusive, a participar de uma edição de Olimpíada, sonho de qualquer profissional envolvido com esporte.
No entanto, não há nada que desperte nele mais emoção e o encha mais de orgulho do que lembrar do trabalho desempenhado na Ponte Preta, seu time do coração, primeiro como preparador físico, entre 1979 e 1982, e depois na função de treinador, em 1997.
“Eu comecei a trabalhar na Ponte no dia 4 de janeiro de 1979. Eu não estava nem formado na faculdade ainda”, relembra Pardal, cuja relação com o clube já vinha desde a década de 50, quando ainda garoto ele começou a frequentar o estádio Moisés Lucarelli e se apaixonou pela equipe alvinegra.
“Eu tinha sete anos de idade quando meu tio chamado Alcides me levou para ver jogo da Ponte Preta. Na época, eu tinha um vizinho bugrino que também me levava ao campo do Guarani, mas acabei gostando mais da Ponte. Eu frequentava o Guarani, inclusive era sócio do clube, só que sempre torcendo para a Ponte e até viajando para assistir jogos fora de Campinas”, revela Pardal, sobre o início da paixão pela Macaca, que persiste até hoje.
Na virada dos anos 70 para os 80, tendo Pardal como responsável pelo condicionamento físico dos atletas, a Ponte Preta alcançou feitos notáveis e inéditos dentro de campo. E isso se aplica tanto à equipe profissional quanto às categorias de base.
Naquele período de transição de década, contando com um verdadeiro esquadrão que tinha nada menos do que o goleiro Carlos e o meia Dicá como principais referências técnicas, a Macaca chegou às decisões do Campeonato Paulista de 1979 e 1981, repetindo o que já havia conseguido fazer em 1977, mas novamente bateu na trave e ficou com o vice-campeonato estadual em ambas as ocasiões, perdendo primeiro para o Corinthians, carrasco recorrente, e depois para o São Paulo.
Também naquele ano de 1981, sob o comando de Jair Picerni, em sua primeira experiência como treinador após pendurar as chuteiras, a Ponte Preta alcançou, pela primeira e única vez em sua história, as semifinais do Campeonato Brasileiro, terminando na terceira colocação, até hoje o melhor desempenho do clube na principal competição nacional.
Para Pardal, aquele magnífico momento da história da Ponte Preta também marcou o início da dupla de sucesso que formou com o técnico Jair Picerni. Foi uma parceria de 15 anos que começou em 1981 e durou até 1996, com apenas um hiato em 1982, pequeno período em que ficaram afastados trabalhando em clubes diferentes.
Na sequência das façanhas alcançadas pelo time principal, chegava a vez dos garotos da Macaca brilharem em campo e se sagrarem bicampeões da tradicional Copa São Paulo de Futebol Júnior, derrotando São Paulo e Santos nas decisões de 1981 e 1982, respectivamente. O centroavante Chicão terminou como artilheiro das duas edições do torneio, sendo eleito o melhor jogador da segunda conquista.
A dobradinha da Copinha veio sob o comando do técnico Milton dos Santos. “Ele era um cara maravilhoso, sensacional. Tinha uma visão fantástica, enxergava muito futebol. Era sereno, sempre tranquilo, bem diferente de mim, que era mais agitado”, compara Pardal.
Escola com Cilinho e Bebeto
Nascido no dia 4 de maio de 1949, em Campinas, Antônio Augusto Pereira, o famoso Pardal, formou-se em Educação Física pela PUC-Campinas, em 1979, na mesma turma do então ponta-esquerda pontepretano Tuta e do meia bugrino Zenon, grandes jogadores da história do futebol campineiro.
Algumas semanas antes de iniciar o penúltimo período da faculdade, à beira dos 30 anos, Pardal começou a fazer estágio na Ponte Preta, ao lado do revolucionário técnico campineiro Cilinho, que retornava ao clube trazendo o preparador físico Bebeto de Oliveira, também campineiro, em um processo de reformulação da comissão técnica visando à temporada de 1979. Mais tarde, os dois fariam história juntos no São Paulo.
“Com o Bebeto, aprendi todo o processo de preparação física. Já com o Cilinho, toda a parte de comando, personalidade e liderança. Trabalhar com Cilinho e Bebeto foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida”, destaca Pardal.
“Na época, eu tinha um salão mecânico e estava querendo parar de fazer faculdade para investir na oficina, mas aí veio uma luz. Fizemos os exames finais em dezembro e, pouco antes do Natal, saiu no jornal que a Ponte faria uma reformulação e o Cilinho pegaria estagiários”, relembra Pardal, que se inscreveu para vaga e acabou sendo escolhido para o trabalho que mudaria para sempre o rumo da sua vida.
“Foram 10 meses trabalhando junto com o Cilinho, até o final de setembro de 1979, quando ele teve um desentendimento com o presidente [Lauro Moraes] e acabou saindo. Aí veio o Zé Duarte, cheguei a trabalhar um pouco com ele, mas a filosofia era bem diferente”, comenta Pardal, sobre a sintonia mais afinada com Cilinho do que Zé Duarte, dois lendários treinadores do futebol campineiro.
Antes de deixar a Ponte Preta, em meados de 1982, Pardal também trabalhou com o técnico Wanderley Paiva, em sua primeira experiência no comando de uma equipe, e o preparador físico Nicanor de Carvalho, que depois virou treinador, inclusive com passagens por Ponte Preta e Guarani.
O maior voo de Pardal
Em 1980, Pardal resolveu alçar o primeiro grande voo de sua carreira, com destino aos Estados Unidos, para fazer estágio no New York Cosmos, mas ele nem chegou a bater asas. Tudo não passou de uma tentativa frustrada. Naquela época, o ex-zagueiro pontepretano Oscar Bernardi estava atuando no clube norte-americano, o mesmo onde Pelé havia pendurado as chuteiras pouco tempo antes, em 1977.
“O Oscar já estava jogando há quase um ano lá, morava a algumas quadras do centro de treinamento e me disse que eu poderia ficar hospedado no apartamento dele. Eu cheguei a vender um carro para comprar a passagem para Nova York, mas quando estava chegando perto da viagem, o Oscar acertou com o São Paulo”, conta Pardal, que teve o plano internacional frustrado por causa do retorno de Oscar ao futebol brasileiro.
Mal sabia Pardal que, dali a alguns anos, ele atingiria o ponto mais alto de sua carreira justamente nos Estados Unidos, ao integrar a delegação da Seleção Brasileira na disputa dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984.
“Realizei o sonho de qualquer professor de Educação Física”, aponta Pardal, sobre a participação nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, como preparador físico da Seleção Brasileira.
Na ocasião, sob o comando de Jair Picerni, trabalhando em parceria com Pardal, o Brasil conquistou medalha de prata e iniciou sua trajetória vencedora nas Olimpíadas. Depois, vieram mais duas pratas, em 1988, em Seoul, e 2012, em Londres; dois bronzes, em 1996, em Atlanta, e 2008, em Pequim; e dois ouros consecutivos, em 2016, no Rio de Janeiro, e 2021, em Tóquio.
A conquista da primeira medalha olímpica da história do futebol brasileiro, abrindo caminho para outras seis, marcou o ápice da parceria entre Jair Picerni e Augusto Pardal, que já tinham voltado a trabalhar juntos no Santo André, em 1983, após um ano separados trabalhando em clubes diferentes, ainda dentro do Interior de São Paulo: Jair na Inter de Limeira e Pardal no Taubaté, logo depois na Saltense.
Reunidos novamente no Santo André, reeditando a parceria que haviam iniciado na Ponte Preta, Jair e Pardal lideraram o Ramalhão numa grande campanha no Campeonato Paulista de 1983, que resultou na inédita classificação da equipe ao Campeonato Brasileiro, em 1984. Isso credenciou a dupla para assumir a Seleção Olímpica, aceitando prontamente o convite da CBF às vésperas do início das Olimpíadas.
Com ajuda do preparador físico campineiro, o treinador teve apenas dois meses para formar a equipe que representaria o futebol do País no evento esportivo mais importante do planeta, em um processo repleto de dificuldades, desde negativas de clubes para liberar jogadores até pouco tempo de preparação.
Utilizando como base o time do Internacional, que havia aceitado ceder seus jogadores e sua estrutura para treinamento, a convocação da Seleção Brasileira para as Olimpíadas de 1984, em Los Angeles, contou com dois jogadores da Ponte Preta: o goleiro Luís Henrique Dias e o centroavante Chicão.
Durante o intenso período de montagem da equipe olímpica, que durou entre maio e julho de 1984, Jair Picerni recebeu uma irresistível proposta do Corinthians e ameaçou abandonar o comando da Seleção no meio do trabalho, mas o fiel escudeiro interferiu para mantê-lo no projeto que visava à conquista de uma medalha olímpica em Los Angeles.
“O Corinthians estava passando por um momento complicado e contratou o Jair, que quis largar a Seleção, mas eu o convenci a ficar”, lembra Pardal, que só depois da missão cumprida na Olimpíada acompanharia Jair na mudança para o Parque São Jorge.
À espera da dupla, o Timão passou o período olímpico sob o comando de Hélio Maffia, outro lendário preparador físico do futebol brasileiro, com história no futebol campineiro, tendo sido campeão brasileiro pelo Guarani, em 1978.
Medalha com sabor de revanche
Após derrotar Arábia Saudita, Alemanha Ocidental e Marrocos, obtendo 100% de aproveitamento na primeira fase do torneio olímpico de futebol masculino de 1984, a Seleção Brasileira sofreu para eliminar o Canadá nas quartas de final, mas conseguiu avançar nos pênaltis, com vitória por 4 a 2, após empate por 1 a 1 no tempo normal.
Na semifinal, em um jogo duro decidido na prorrogação, o Brasil bateu a Itália por 2 a 1, vitória que teve sabor de revanche, pois os italianos haviam eliminado os brasileiros na chamada “Tragédia do Sarriá”, na Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Estava engasgado na garganta. Na Olimpíada, a Itália contava com o técnico Enzo Bearzot e o zagueiro Franco Baresi, que haviam sido campeões mundiais e carrascos do Brasil dois anos antes.
Uma década mais tarde, o Brasil reencontrou a Itália na decisão da Copa de 1994, nos Estados Unidos, onde Baresi desperdiçou a primeira cobrança italiana na disputa de pênaltis que terminou com o tetracampeonato mundial brasileiro. O volante Dunga, autor da última cobrança antes da famosa isolada de Roberto Baggio, e o goleiro Gilmar Rinaldi, reserva do herói Taffarel, eram remanescentes do primeiro vice-campeonato olímpico brasileiro, sob o comando de Jair Picerni e Pardal.
Na grande decisão olímpica, no entanto, o Brasil não foi páreo para a França, sendo derrotado por 2 a 0 diante de mais de 100 mil pessoas no estádio Rose Bowl, no dia 11 de agosto de 1984, curiosamente data do aniversário da Ponte Preta. Mais tarde, os franceses voltariam a ser carrascos dos brasileiros, impondo dolorosas derrotas e eliminações nas Copas do Mundo de 1986, 1998 e 2006.
“Nosso time já tinha cansado, estava no limite. Gastamos tudo o que tínhamos na semifinal contra a Itália por causa da raiva da derrota na Copa. Mas, acima de tudo, perdemos a final porque a seleção olímpica da França era um grande time, a base da equipe que seria campeã do mundo em 1986, praticamente só sem o Platini”, comenta Pardal, que retornou pela primeira vez a Los Angeles no último mês de junho, quase 40 anos depois da conquista da medalha de prata, numa viagem a turismo ao lado da família.
Confira abaixo áudio do ex-técnico Jair Picerni sobre a parceria e amizade com Pardal:
Sequência da parceria com Jair
Após a inédita medalha de prata conquistada nas Olimpíadas de Los Angeles, Jair Picerni e Augusto Pardal foram vice-campeões paulistas duas vezes seguida, primeiro com o Corinthians em 1984 e depois com a Portuguesa em 1985.
Em 1986, Jair Picerni e Augusto Pardal deixaram a Lusa para embarcar em mais uma aventura internacional, agora no futebol árabe, após aceitarem uma proposta do Al Ain, dos Emirados Árabes Unidos. Na volta do Oriente Médio, Jair e Pardal foram campeões brasileiros com o Sport Recife em 1987, aquele título polêmico que depois gerou disputa na Justiça com o Flamengo.
Entre 1989 e 1992, em nova experiência em terras estrangeiras, ainda no encalço de Jair, Pardal trabalhou no Nacional, da Ilha da Madeira, mesmo clube onde o craque português Cristiano Ronaldo começou a carreira no futebol. A cidade-sede do time é Funchal, terra natal do famoso e talentoso jogador.
Em 1996, após 13 anos seguidos trabalhando ao lado de Jair Picerni, Augusto Pardal decidiu colocar ponto final em sua carreira como preparador físico e virou treinador do Bragantino, substituindo justamente o seu parceiro de longa data, que havia acabado de deixar o clube de Bragança Paulista.
A estreia de Pardal como treinador, no comando do Bragantino, não poderia ter sido mais animadora, aplicando goleada por 5 a 1 sobre o Palmeiras, então comandado pelo técnico Vanderlei Luxemburgo, pelas oitavas de final da antiga Copa CONMEBOL. Aquele foi o primeiro jogo internacional do Massa Bruta, que só recentemente voltou a disputar competições continentais graças à parceria com a Red Bull.
“O Luxemburgo ganhava R$ 100 mil e eu, cinco, seis mil. Eu fiz um grande trabalho no Bragantino, revelei um monte de jogador”, relembra Pardal, que ficou no Bragantino por alguns meses.
Retorno ao Majestoso como treinador
Em 1997, quinze anos depois de deixar sua querida Ponte Preta para rodar o mundo, Pardal retornou ao clube alvinegro, seu ninho, ao ser convidado para assumir o comando técnico da equipe principal, dando assim sequência à carreira de treinador, não mais como preparador físico.
O momento da Macaca, no entanto, não era nada promissor. “A Ponte estava caindo para a Série A3 e faltavam só seis jogos. Eu fui assistir à primeira dessas partidas contra o Ituano e o time perdeu de quatro. O Sérgio Carnielli me ligou perguntando se tinha jeito e respondi que precisava trabalhar bastante e colocar o coração para ver se dava”, recorda-se Pardal, que estreou diante da torcida pontepretana no empate em 1 a 1 com o Santo André, antes de uma derrota fora de casa por 1 a 0 para o Bragantino.
O time parecia fadado à trágica queda à terceira divisão estadual, mas a tabela previa três dos últimos quatro jogos no Majestoso e, assim, vieram quatro vitórias seguidas sobre São-carlense, Paulista de Jundiaí, Ferroviária e XV de Piracicaba, numa reta final perfeita que salvou a equipe da degola.
Depois dessa verdadeira proeza, dada a situação do time à época, Pardal ainda teve papel determinante para que a Ponte Preta terminasse a temporada de 1997 conquistando o acesso à Série A do Campeonato Brasileiro, numa época em que subiam apenas dois times à elite nacional.
“Limpei o elenco e ficamos 40 dias remontando o time, só fazendo peneira com a molecada da base, antes de fazer a pré-temporada para a Série B. Ficaram só o Marcelo Borges, o Grizzo e mais alguns. No ano anterior, o clube tinha gastado muito dinheiro, mas sem conseguir nada”, lembra Pardal, sobre aquele momento complicado da Ponte Preta dentro e fora de campo, no fim dos anos 90.
Ao todo, entre maio e novembro de 1997, Pardal comandou a Ponte Preta em 24 jogos, com 14 vitórias, seis empates e quatro derrotas, o que corresponde a um aproveitamento de 66,6%. Ele acabou demitido, não pelo desempenho da equipe, o que não se justificaria, mas em razão de um desentendimento com a diretoria alvinegra, situação que lamenta até hoje.
A saída de Pardal aconteceu logo após um derrota por 3 a 0 para o Náutico, nos Aflitos, em Recife, faltando apenas três jogos para o jogo que culminaria no acesso, conquistado sob o comando do técnico Pepe, com empate em 1 a 1 diante do próprio Timbu, no dia 7 de dezembro de 1997, diante de 20 mil torcedores no estádio Moisés Lucarelli.
A Ponte Preta terminou com o vice-campeonato da Série B de 1997, título que ficou com o América-MG. “Mas fomos campeões de todas a fases anteriores, o que nos deu o direito de jogar a última partida em casa”, ressalta Pardal. Será que a Macaca teria sido campeã da Série B, conquistando assim o único título nacional de sua história, se Pardal tivesse ficado até o fim daquele campeonato?
Decorridos 10 anos, após conquistar outros acessos em divisões inferiores do futebol paulista, Pardal viveu a sua terceira passagem pela Ponte Preta, em mais uma função diferente, desta vez como supervisor das categorias de base, sua última atividade ligada a clubes de futebol, em 2007.
Atualmente, aos 74 anos, Antônio Augusto Pereira, o Pardal, trabalha em um escritório na Avenida Francisco Glicério, no centro de Campinas, prestando suporte administrativo a atletas de futebol.