Por João Nunes
Colunista
Augusto Sevá nasceu em Campinas, foi para São Paulo quando terminou o colégio e, há seis anos, retornou à terra natal. Justo, portanto, que seu sexto longa-metragem, Tais & Taiane, estreasse na cidade. A estreia, no entanto, só acontecerá na capital paulista, nesta quinta, dia 14/10, e chega a Aracaju, Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre na próxima semana. Em Campinas, segundo a distribuidora Pandora Filmes, ainda não há previsão.
Mas ele não lamenta, porque está ciente do enorme processo de mudança pelo qual passa o mercado exibidor, que produz grande quantidade de produtos audiovisuais e tem cada vez tem menos salas.
“Claro que eu gostaria que estreasse na minha cidade, mas esse mesmo mercado ganhou novos espaços com o advento do streaming”.
De fato, em poucas semanas o filme estará à disposição do assinante de alguma empresa que utiliza plataformas digitais. Isso demonstra como o mercado cinematográfico mudou comparado ao que havia em 1980, quando Augusto lançou A Caminho das Índias, o primeiro longa.
Mudou a forma de exibir e a de produzir. Os recursos sempre foram e continuam escassos, ele não tem o mesmo ímpeto do jovem de décadas atrás, a concorrência multiplicou-se e, apesar da facilidade trazida pelo digital (hoje, lembra, filma-se no celular), qualquer produção demanda muita energia. E evoca Nelson Pereira dos Santos, que à certa altura da vida, afirmava que só filmaria se fosse convidado.
É assim, reticente, que o cineasta afirma que tem novos projetos engavetados, mas não vislumbra por enquanto uma volta ao set, acumulando os cargos de roteirista, diretor, câmera e produtor (é dele a Albatroz Cinematográfica, produtora do filme).
O processo de produção de Tais & Taiane começou em 2014 a partir de recursos advindos de leis de incentivo e terminou em meados de 2019. Havia obrigatoriedade de lançamento, por conta das leis, mas a pandemia atropelou a estreia. Agora, que as coisas começam a retornar a algo próximo do que havia antes, o filme chega aos cinemas.
https://www.youtube.com/watch?v=z3iPxnO3rfY
Trata-se de um road movie que tem como protagonistas duas garotas: Taís (Gabriella Verganni), que viaja de carona em busca do pai, e Taiane (Yasmin Santos), prostituta de estrada. Elas se conhecem na estrada e, logo depois do natural estranhamento, tornam-se amigas. E cúmplices.
Para criar as ficcionais Tais e Taiane, Augusto conta que se inspirou nas garotas que conheceu na própria experiência de caroneiro nos anos 1970 e 1980.
Os tempos eram outros, mas, ainda assim, ele fez muitos amigos, conheceu prostíbulos, os antigos restaurantes de beira de estrada, acompanhou cenas de violência e entendeu o sentido de intolerância, um dos temas centrais da história.
O filme tem, claramente, um pé nessas duas décadas, seja pela linguagem de ritmo desacelerado da narrativa, dos planos abertos, dos poucos diálogos e das estradas precárias desprovidas de segurança. E, não por acaso, não se vê placa de sinalização de qualquer natureza.
E não só porque o diretor e roteirista não queria identificar o local onde se passa a história (com locações na Chapada dos Veadeiros até a fronteira com o estado do Tocantins), mas porque se trata de fábula.
E, também não por acaso, e embaladas com a presença constante da trilha do compositor José Antônio Marchezani, conhecido por Corciolli, as duas amigas encontrarão Poliana, garota surgida do nada, que conta histórias fantásticas e desaparece, também, assim, do nada.
O próprio diretor classifica o filme de produto fora do padrão do cinema atual e que ele trafega na contramão do mercado. Por isso, Augusto não tem qualquer expectativa sobre performance e recepção do filme. No antigo mercado, sim, havia como prever.
Hoje, com televisões cada vez maiores, e o espectador vendo filmes na sala de cinema da própria casa, a medição é de outra natureza. De novo, sem lamentos, Augusto afirma: “Essa é uma realidade que veio para ficar, mas o importante é filme chegar ao espectador”.
As premiações de Tais & Taiane
Prêmios e participações do filme em festivais
♦ Melhor ficção no Festival Latino de Cleveland/ EUA, 2019
♦ Melhor atriz para Gabriella Vergani e Yasmim Santos no Festival Internacional de Mumbai, Índia, em 2019
♦ Melhor filme no Festival de Hyderabad, Índia, em 2020
♦ Seleção oficial do Prisma Award de Roma e no Festival Latino-americano da Venezuela e Ilha Margarita, ambos em 2019
De estudante de jornalismo a cineasta
Augusto Sevá saiu de Campinas, depois de estudar no Colégio Culto à Ciência, a fim de se preparar para ser jornalista. Entrou para Universidade de São Paulo (USP), mas acabou se interessando por cinema. Iniciou a profissão, em 1975, fazendo documentários e ficções. Produziu, escreveu e dirigiu cinco longas-metragens: A Caminho das Índias (1980), Real Desejo (1990), Estórias de Trancoso (2005), Fala Sério! (2009) e Tais & Taiane (2019). Também exerceu funções públicas, tendo sido diretor da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e secretário-executivo da Comissão Estadual de Cinema de São Paulo.
João Nunes é jornalista e crítico de cinema