Instituído em 1980, o Dia Nacional da Defesa da Fauna é comemorado nesta quarta-feira (22), visando à conscientização da população sobre a importância da preservação da vida animal no Brasil, que possui uma das maiores e mais ricas biodiversidades do mundo.
Além de fatores como desmatamento, poluição, queimadas, caça, pesca e tráfico de animais, outra constante ameaça humana à fauna silvestre são os acidentes de trânsito. Na noite do último domingo (19), uma onça parda morreu após se chocar com uma motocicleta na Rodovia Aziz Lian (SP-107), em Santo Antônio de Posse. Esta foi apenas a mais recente fatalidade registrada em rodovias da Região Metropolitana de Campinas (RMC), dentre inúmeros casos semelhantes envolvendo animais silvestres.
Em maio deste ano, outra onça parda foi atropelada por um caminhão na Rodovia Zeferino Vaz (SP-332), na altura do Km 118. A morte do animal revoltou ativistas ambientais e desencadeou a criação do Movimento Popular em Defesa de Passagem de Fauna, com o objetivo de lutar pela instalação de estruturas que permitam a circulação de animais silvestres entre áreas verdes sem riscos de atropelamento e acidentes na pista.
“Nosso coletivo decidiu ser um movimento de luta permanente na defesa das passagens de fauna, mobilizando opinião e ações sociais para efetivamente termos a construção concluída na Rodovia Zeferino Vaz. A ideia é agregar cada vez mais moradores da RMC para lutarmos por passagens de fauna adequadas e seguras para que os animais não morram mais atropelados”, explicou Dulcinea Lopes da Silva, integrante do Movimento Popular em Defesa de Passagem de Fauna, em contato com a reportagem do Hora Campinas. Ela também é membra da Brigada de Combate a Incêndio Florestal Cachorro do Mato.
Nos dias 4 de julho e 14 de agosto, os integrantes do movimento que defendem a construção de passagem de fauna na Rodovia Zeferino Vaz realizaram manifestações no ponto exato do acidente fatal que vitimou a onça. Curiosamente, o segundo protesto coincidiu com a instalação de uma ponte verde na Estrada da Rhodia, em Barão Geraldo. Nesta próxima quinta-feira (23), outras duas estruturas desse tipo serão erguidas na Rodovia José Bonifácio Coutinho Nogueira (SP-81), que liga os distritos de Sousas e Joaquim Egídio.
“O tipo de travessia construída nesses locais atende apenas a pequenos animais que são majoritariamente arborícolas e que, por esse motivo, atravessam estruturas que ligam umas árvores às outras. O modelo de passagem não atende outros representantes da fauna local”, pondera Dulcinea Lopes.
Confira abaixo a entrevista completa com a integrante do movimento:
Hora Campinas: Nesta quarta-feira (22), comemora-se o Dia Nacional da Defesa da Fauna. O que é necessário para efetivamente celebrarmos a data de maneira que os animais tenham segurança e preservação garantidas?
Dulcinea Lopes da Silva: Infelizmente, o caminho é muito longo. Falta respeito, consciência e compreensão de que os animais possuem direito à vida e liberdade. A meu ver, uma mudança de mentalidade na nossa sociedade se faz necessária para que os animais sejam reconhecidos como seres de direito e não meramente objetos da natureza. É preciso um trabalho constante de educação da sociedade e conquistas na área da legislação que efetivamente garantam a segurança e a preservação da nossa fauna. Meu sonho é que, a exemplo da França, o Congresso Nacional possa votar uma lei reconhecendo os animais como seres vivos dotados de sensibilidades e com direitos à vida e liberdade garantidos. Nossa sociedade ainda tem muito a aprender nesse sentido, mas temos conquistado terreno nesse tema a cada dia. É um trabalho de formiguinha.
Quando e como surgiu o Movimento Popular em Defesa de Passagem de Fauna? E qual o seu envolvimento com o coletivo?
O Movimento Popular em Defesa de Passagem de Fauna nasceu da indignação de um grupo de pessoas envolvidas com a defesa do meio ambiente. No último dia 12 de maio, quando uma onça parda macho adolescente foi atropelada por um caminhão ao tentar atravessar a Rodovia Zeferino Vaz (SP-332), o veterinário Roberto Stevenson foi acionado para socorrer a onça, mas ao chegar lá, ela já estava morta. Quando ele nos informou da morte da onça, imediatamente começamos a nos mobilizar no grupo da Brigada Cachorro do Mato para fazer um ato denunciando a situação de atropelamento. A onça não foi o primeiro animal a morrer na Rodovia Zeferino Vaz. Essa é uma cobrança antiga de defensores dos direitos dos animais e ambientais. Uma reivindicação antiga do veterinário Roberto Stevenson, que sempre é chamado para socorrer os animais atropelados. E também uma luta que já dura anos dos moradores de Barão Geraldo. Por esse motivo, nosso coletivo decidiu ser um movimento de luta permanente na defesa das passagens de fauna, mobilizando opinião e ações sociais para efetivamente termos a construção das passagens de fauna concluídas na Rodovia Zeferino Vaz. Como o tema atrai grande interesse, outras pessoas da luta por direitos dos animais e defesa ambiental vieram se unir ao movimento. Hoje, podemos dizer que o coletivo é formado por pessoas que moram em Campinas, Americana, Sumaré, Paulínia, Artur Nogueira e Limeira. A ideia é agregar cada vez mais moradores da RMC para lutarmos por passagens de fauna adequadas e seguras para que os animais não morram mais atropelados.
Quais são as principais reivindicações do movimento relacionadas a Campinas e região?
A primeira reivindicação é pela construção de passagens de fauna adequadas e seguras, podendo ser túneis por baixo das rodovias ou pontes verdes, para que os animais possam atravessar em busca de alimento e parceiros para procriarem. A segunda reivindicação é pela conexão do corredor ecológico. Nossa região possui um corredor ecológico de 150 km, mas que não existe efetivamente porque é cortado por dezenas de rodovias, o que torna os fragmentos de matas isolados entre si. Com a construção das passagens de fauna, a rodovia deixa de ser um elemento fragmentador do corredor ecológico e os animais podem circular em segurança à procura de alimentos e parceiros para a preservação das espécies.
Quais são os locais considerados fundamentais para a instalação de passagens de fauna na busca por evitar acidentes envolvendo animais nas pistas?
Os locais indicados para a construção das passagens, via de regra, deveriam ser aqueles que os animais já utilizam como passagem natural. Quanto menor for a intervenção na escolha dos animais, maiores são as chances de sucesso. Portanto, se os animais já estabeleceram um percurso de travessia, o ideal é que a passagem de fauna seja construída nessa rota estabelecida por eles.
No último dia 14 de agosto, você participou da marcha popular que saiu da Praça do Côco, em Barão Geraldo, e seguiu até o Km 118 da Rodovia Zeferino Vaz (SP-332), onde a onça morreu atropelada no dia 12 de maio. A manifestação surtiu algum efeito prático? E o que diz a concessionária Rota das Bandeiras sobre a construção de passagem da fauna na rodovia?
A concessionária sempre faz promessas, mas não leva a cabo as obras. Em uma reunião que tivemos em julho, disseram que o projeto estava sendo finalizado para conseguir a licença da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) para a construção das passagens de fauna, e que a previsão era de mais dois anos para a conclusão das obras. Os animais não podem esperar mais dois anos. Todo dia morrem animais atropelados na rodovia SP-332. Não é possível permitir que eles continuem morrendo a despeito da morosidade dos projetos.
Qual é a posição do movimento sobre a construção de passagem de fauna na Estrada da Rhodia, em Barão Geraldo, e as instalações em curso na estrada que liga Sousas e Joaquim Egídio? Há alguma divergência?
O tipo de travessia construída nesses locais atende apenas a pequenos animais que são majoritariamente arborícolas e que, por esse motivo, atravessam estruturas que ligam umas árvores às outras. O modelo de passagem não atende outros representantes da fauna local. Como movimento, não temos objeções quanto à construção dessas estruturas de travessia porque atendem uma categoria de animais. No entanto, o ideal é que essas estruturas tenham partes de madeiras e plantas para proteger as patas dos animais durante a travessia nas horas mais quentes do dia, uma vez que o metal aquece muito sob o sol e, sem essas partes de madeiras e plantas, os animais podem não fazer o uso das estruturas para não se ferirem.
É o que sempre falamos nas discussões propostas pelo Movimento Popular em Defesa de Passagem de Fauna: não basta fazer a passagem de fauna, ela deve ser adequada e segura para que os animais entendam que podem fazer uso delas sem correr riscos ou sofrer danos.
Outro apelo
Morador de Campinas e analista de sistemas da Unicamp, Ivan Miguel da Silva também alerta às autoridades públicas para a necessidade da construção de passagem de fauna que conecte o Parque das Águas à Floresta Estadual Serra D’Água, na região entre o Parque Prado e o Parque Jambeiro, na zona sul da cidade. As duas áreas verdes ficam separadas pela Avenida Washington Luiz, logo após o semáforo de acesso à Avenida Baden Powell. Um ponto de referência é o Clube dos Contabilistas. Veja o mapa abaixo:
“Como sou morador das proximidades e tenho vista para o fundo do Parque das Águas, posso afirmar que, apesar da área ser pequena, já identifiquei uma riqueza na fauna local, como capivaras, saguis, saracuras, tucanos, gaviões, cachorros-do-mato, raposas-do-campo, lebres europeias, tatus, ouriços, cobras e gambás. O segurança do parque garantiu ter visto até lobo-guará ali”, afirma Ivan Miguel.
“É um local que percebo ser bastante importante e apresenta riscos à fauna. É um ponto sensível porque possui duas áreas verdes bem próximas entre si, separadas por uma avenida de grande fluxo. Nessa semana, eu identifiquei dois atropelamentos próximos ao local, um de gambá e outro de ouriço. Também já identifiquei outros ouriços, além de cachorro-do-mato e saguis atropelados”, relata Ivan Miguel.
“Gostaria muito que avaliassem o local e estudassem a instalação de uma ponte verde para permitir a travessia segura de animais silvestres. Essa circulação para troca de comunidades é fundamental para a fauna”, destaca Ivan Miguel.