A filósofa, escritora e ativista Djamila Ribeiro esteve em Campinas no sábado (22) para conhecer e doar mais de mil títulos para a Biblioteca Comunitária Lugar de Fala, que fica na comunidade Chico Amaral, na periferia de Campinas. O nome do espaço é uma homenagem ao livro Lugar de Fala, de Djamila.
O espaço comunitário nasceu do esforço de Majori Silva, de 22 anos, que é uma das mais recentes colunistas do Hora Campinas, com objetivo de democratizar o acesso aos livros e ao conhecimento. O portal, por meio da coluna Caçadora de Boas Histórias, da jornalista Kátia Camargo, publicou a história da biblioteca em abril de 2021. Desta primeira publicação no Hora, surgiram convites para Majori participar de várias outras entrevistas. Numa delas, num programa de televisão, Majori revelou que é fã de Djamila Ribeiro. Foi armado um encontro entre as duas ainda no ano passado, quando ocorreu a promessa da visita e da doação.
“Tive o prazer de vir à Campinas para conhecer a biblioteca da Majori, a Biblioteca Lugar de Fala. Eu fiquei muito tocada com a história dela. Essa menina que construiu aqui uma biblioteca com as próprias mãos”, disse Djamila.
A filósofa doou 11 títulos que compõem a Coleção Feminismos Plurais, entre eles, Lugar de Fala, Interseccionalidade, Apropriação Cultural, Trabalho Doméstico, além de outros. “A gente veio doar 1.100 livros e também 1.000 assinaturas da plataforma Feminismos Plurais, que é o streaming de educação antirracista que eu coordeno. Tem vários cursos, aulas ao vivo. Enfim, vim contribuir para esse trabalho maravilhoso da Majori de multiplicação de conhecimento”, diz.
De acordo com Djamila, a iniciativa dos jovens é muito importante. “É fundamental que jovens como a Majori façam esse tipo de trabalho, multipliquem, sobretudo, porque como a gente fala da ancestralidade das mais velhas, as mais novas aprendem com as mais velhas. As mais velhas pavimentaram o caminho para que a gente estivesse aqui, mas a gente só continua através das mais novas, então a gente precisa delas para continuar seguindo”, argumenta.
Djamila ressalta que jovens como a Majori fazendo esse tipo de trabalho, são representatividade também para outras meninas, multiplicando o trabalho que o povo negro vem construindo historicamente.
“Acho que é importante dizer que não é novo, muita gente importante construiu a história, o problema é que essas pessoas ficaram invisibilizadas. Eu acho que garotas como a Majori, inclusive, fazem justiça a essas mais velhas, que não tiveram essa possibilidade de ser visível, então é fundamental, eu fico muito feliz e emocionada”, afirma.
Majori não escondia a alegria e o encantamento com as palavras de Djamila. Os olhos dela brilhavam em cada troca com sua fonte de inspiração. “Eu acho que é combustível para a gente continuar fazendo e me inspira muito ter a Djamila hoje aqui. É a realização de mais um sonho, e com certeza hoje vou dormir com aquele sorriso, superfeliz. São processos que ajudam muito a gente a continuar sonhando e realizando”, disse.
Majori, que lançou em dezembro do ano passado o livro infantil O Jardim de Marielle, pela Editora Mostarda, já tem planos para o futuro.
“Espero continuar lutando por uma educação antirracista, espero me tornar uma cientista social e continuar compartilhando conhecimento, fazendo isso com a comunicação facilitadora como eu vejo na Coleção Feminismos Plurais, que é muito fácil de se interpretar, fácil de entender, são temas muito importantes que a gente precisa trabalhar. E eu pretendo fazer dessa a minha missão, pegar algo que é tão complexo e tornar fácil como a Djamila está fazendo e outras pessoas também”, comenta.
Elza Soares
Djamila comentou sobre a perda recente da cantora Elza Soares, que faleceu no último dia 20 de janeiro, aos 91 anos. “A Elza Soares foi uma figura muito importante para o brasileiro. É uma mulher com um talento absurdo, que também se posicionou politicamente, que nas suas letras também se posicionava. Acho que a Elza também teve essa coragem de bancar quem ela era”, afirmou.
A escritora destaca a força de Elza, mesmo diante dos preconceitos e dificuldades. “Além de sofrer o racismo, sofreu muito com sexismo pelas escolhas afetivas, o quanto que esse país também foi cruel com a Elza Soares durante muito tempo, mas Elza sempre ressurgia, ela sempre continuava. Acho que ela traz para a gente um exemplo muito bonito e acho que a gente tem que celebrar esse legado dela”, afirma.
Djamila conviveu de perto com a cantora do milênio, autointitulada a mulher do fim do mundo, e garante que ela é imortal. “Eu tive a oportunidade de conhecê-la, de conviver com ela. Ela me convidou para escrever o release do álbum dela A Mulher do Fim do Mundo. E que lindo que é ver uma mulher já muito mais velha que a gente, super antenada nas discussões, ela escreveu uma música sobre o Lugar de Fala, Exu nas Escolas, O Meu País é o Meu lugar de Fala, então estava super antenada com o que a gente estava fazendo, e me chamar para fazer parte, acho que a Elza é imortal porque o legado dela com certeza vai permanecer vivo em todas nós, finaliza.