O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), eleito democraticamente em 2008 pelas urnas eletrônicas, as mesmas que desacreditou em parte de seu mandato, flertou com o autoritarismo e com o golpe militar desde que chegou ao Planalto. Passado o clima de lua-de-mel pós-vitória e de compreensível ode inicial ao poder, Bolsonaro flertou com a ruptura institucional por meio de declarações e posicionamentos.
Ainda que não tenha ultrapassado o limite da Constituição, em parte pela resistência das instituições, o presidente deixou pavimentado um sentimento de golpismo exacerbado em parte de seus apoiadores, aqueles que entendem que as Forças Armadas teriam legitimidade para voltar a controlar o País.
Esse caminho para um possível golpe foi trilhado em várias ocasiões, com a corda esticando ao seu limite máximo, como no 7 de Setembro de 2021, e como em ato de grande adesão em Brasília em 2020, com presença maciça de manifestantes pró-ditadura. A um presidente eleito pela democracia não cabia, sob qualquer hipótese, todos esses acenos.
Agora, dois dias depois do resultado da eleição que não lhe foi favorável, Bolsonaro mantém a mesma estratégia de esticar a corda, numa atitude perigosa de irresponsabilidade.
Seu silêncio diz muito. A mensagem para o apoiador radical é que seria hora de mobilização por uma causa. A questão é que a motivação é golpista e antidemocrática.
Evocar o artigo 142 da Constituição é, mais uma vez, uma forma de olhar enviezado para as letras da Carta Magna. O trecho não autoriza uma intervenção militar a pretexto de “restaurar a ordem”. Vários pareceres já foram externados por juristas renomados e pelos demais poderes da República rejeitando que as Forças Armadas teriam “a função de mediar conflitos entre os Poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional”.
Essa interpretação é uma fraude e sobre ela os bolsonaristas mais radicais repousam seu desejo confesso de golpe.
As imagens e a dimensão dos atos antidemocráticos falam por si. A região de Campinas, por exemplo, está sitiada. Servida por um complexo rodoviário estratégico, a região vive um caos por conta dos bloqueios liderados por caminhoneiros golpistas. Milhares de pessoas sem poder ir ao emprego, jovens e adultos sem frequentar aulas, comerciantes sem poder entregar as suas mercadorias. O impacto atingiu a Rodoviária, que suspendeu a venda de passagens, e também o acesso ao Aeroporto Internacional de Viracopos.
Há relatos de problemas com transporte de oxigênio para os hospitais e risco de desabastecimento dos postos de combustível, já que os caminhões não podem seguir viagem próximos da Replan, a Refinaria de Paulínia.
Não há nenhum sentido para a manutenção de um movimento que rompe o razoável e lança seus defensores e protagonistas ao adjetivo de baderneiros. Protestar é legítimo, desde que não haja impacto no direito de ir e vir das pessoas. Irritar-se com a derrota é do jogo, é humano. Mas sair das “quatro linhas da Constituição”, como costuma dizer Bolsonaro, é atitude de arruaça. Quanto maior o silêncio de Bolsonaro, pior e mais prolongado será o caos.
O presidente é líder de um movimento que capitalizou os anseios legítimos de parte da sociedade. Ele está saindo dessa eleição com o apoio de 58 milhões de brasileiros. Cabia a ele organizar esse sentimento doído de seus eleitores e preparar-se para os próximos pleitos, na estratégia natural de um tabuleiro político. Analistas consideram-no atrapalhado, mas nunca duvidararm de sua capacidade de aglutinação de forças. Por pouco não foi reeleito democraticamente. E talvez não tenha consegido a vitória pelos seus próprios erros.
O que se esperava, portanto, era que pudesse liderar essa legião de apoiadores com certa estatura, o tamanho que se sugere ser a sua liderança. Numa democracia, as alternativas se sucedem ao poder. E assim segue um país. Os bloqueios lançam o País numa aventura. Seus idealizadores terão de ser responsabilizados. Para que a normalidade possa ser restaurada.