Há quem acredite que vivemos tempos distópicos, onde intolerância, opressão e ódio parecem formar um sentido único, com narrativas muito peculiares de desconstrução do bom-senso. De certa forma, este universo da pós-verdade segue tendo uma influência bastante significativa na vida em sociedade, ditando comportamentos e influenciando inclusive decisões governamentais e políticas públicas. Não só no Brasil. Neste sentido, perde-se a bússola civilizatória que norteia os caminhos do equilíbrio. É por isso que regimes totalitários e personagens extremistas alcançam protagonismo indevido. Contra eles, só há um caminho: informação de qualidade e jornalismo profissional.
É dentro deste contexto que o País, neste 1º de junho, lembra o Dia da Imprensa, uma data que sugere ser calendário de almanaque, como tantas outras, mas que carrega um simbolismo forte num período de ataque sistemático à produção jornalística e aos profissionais do ramo. Rankings de organizações não governamentais apontam que, desde a chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro, os ataques à imprensa e aos jornalistas tiveram salto significativo. Impulsionado por estratégias sistemáticas de inteligência artificial, esse esforço de desqualificação do jornalismo usa o modus operandis da mentira, até que ela de alguma forma, cole. É a política de propaganda de Goebbels, estrategista da comunicação nazista.
Mais que isso. Utiliza, com ou sem consciência plena, do comportamento cada vez mais recorrente dos novos tempos, o viés da confirmação. Nele, busca-se de forma dirigida confirmar as teses, hipóteses e crenças nas quais determinada pessoa acredita e reverbera. Essa fórmula nutre e sacia todo um arcabouço ideológico e cultural que ela carrega, mas que ignora algo essencial: o contraditório. Sem ele, segue-se uma toada rumo ao pensamento único, uma rota que não oferece a oportunidade da reflexão. O negacionismo é exemplo evidente dessa atitude.
O jornalismo, exercido com responsabilidade, é o antídoto desse cercadinho de ideias, parafraseando o espacinho que o governo federal confinava os jornalistas às portas do Alvorada, agora ocupado por seguidores do presidente, parte deles extremistas. Usando a claque como exemplo, a questão é que o comportamento de quem assaca o exercício jornalístico passa por ignorar cabalmente a natureza do ofício de perguntar, incomodar e investigar. Neste sentido, se a imprensa age para cobrar algo ou questionar firmemente condutas, passa a ser persona non grata, o que coloca-a em terreno demoníaco considerando os tempos de intensa polarização.
Refletir sobre o Dia da Imprensa sem contextualizar a perseguição oficial e deliberada aos veículos de comunicação é perder a oportunidade de jogar luz num tema delicado, já que, sabe-se, a democracia forte passa necessariamente pelo exercício jornalístico pleno. Não é uma questão de esquerda ou direita. É uma questão de civilidade, de honestidade para com os fatos.
História
Até 1999, celebrava-se o Dia da Imprensa no dia 10 de setembro. Era uma alusão à data da primeira circulação do jornal Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808, periódico da Corte. Em 1999, a comemoração mudou e passou para 1º de junho porque foi a data em que começou a circular o jornal Correio Braziliense, fundado por Hipólito José da Costa. Era um jornal considerado clandestino, mas que começou a circular três meses antes da Gazeta.
Mundo tech
Vale ressaltar que num mundo digital, com intenso compartilhamento de dados, a tarefa de separar o joio do trigo é hercúlea e ingrata. As Big Techs, como Google, Facebook e YouTube, têm responsabilidade grande sobre esse momento de confusão global. Mas, cabe a cada um e àqueles com responsabilidade coletiva, o exercício regular da autocapacitação para encarar as fake news diárias ou os nada inocentes posts que inundam o nosso celular.
Missão
Líderes de redações de jornais, revistas e TVs de todo o mundo têm feito um grande esforço para reforçar a importância do jornalismo feito de forma profissional. Apoiados por agências de checagem de fatos ou por núcleos de pesquisa e observatórios independentes, esses líderes têm se empenhado para construir pontes com segmentos da sociedade capazes de estabelecer um diálogo importante – e permanente – de desconstrução desse olhar repressor à mídia, como se a sua totalidade ou maioria simbolizassem uma espécie de escória da informação.
É esse olhar que, disparado por estratagemas digitais, visa a classificar o exercício do jornalismo como um labor desprezível, manchado, sob essa visão, por interesses os mais escusos. É verdade que a imprensa, como qualquer poder dentro de uma sociedade minimamente democrática, deve fazer a sua autocrítica, sob pena também de incorrer nos erros da presunção e da arrogância.
Pandemia
O momento da vida brasileira é grave. Escalada de mortos e uma crise sanitária sem comando central, misturado a divergências políticas de todos os lados, sem colaboração de uma parcela da sociedade, que insiste em se aglomerar e que despreza a dor das famílias que sepultaram os seus entes queridos. Também neste contexto vale lembrar que, desde o ano passado, quando o tema da Covid entrou na vida dos brasileiros, a imprensa tem feito um trabalho louvável de orientação e de cobrança legítima das políticas de enfrentamento. Trata-se de um papel essencial, que joga luz em muitas situações obscuras adotadas por agentes públicos que levaram o País ao caos, em vários sentidos.
Vários veículos seguem cumprindo a sua obrigação, ainda que isso desagrade a quem desdenha da imprensa e a quem negue a realidade. O Hora Campinas tem pouco tempo de vida, uma jornada de apenas dois meses. Mas nem por isso não tem memória. Ao contrário, sabe e exalta o papel de quem pratica o jornalismo profissional em nome da civilidade e em defesa da sociedade. No Dia da Imprensa, o portal quer se juntar, modestamente, a esse esforço global pela compreensão da importância do jornalismo e, sobretudo, pela lembrança de que a informação e o conhecimento são bens coletivos, aos quais se deve dar o devido valor.