Mesmo com queda na ocupação de leitos em Campinas e uma menor procura de atendimento nas unidades de saúde registradas nos últimos dias, o futuro da pandemia do novo coronavírus na região ainda está imerso em incerteza e preocupação, segundo dois médicos especialistas ouvidos pelo Hora Campinas.
De acordo com André Giglio Bueno, médico infectologista e professor da PUC-Campinas, é difícil prever o futuro da pandemia por conta do comportamento humano. “A palavra melhor é incerteza. A gente tenta, com base nos dados, prever o que vai acontecer, mas o comportamento do vírus é muito dependente do comportamento das pessoas. Por sua vez, o comportamento das pessoas é difícil de prever pelo que a gente tem observado ao longo desse mais de um ano de pandemia no Brasil”, diz.
Segundo o pesquisador, é pouco provável que ocorra uma rápida melhora da situação atual, principalmente, porque Campinas e as cidades da região optaram por não adotar uma medida restritiva de circulação mais drástica, como o lockdown, por exemplo. “Não é esperado que a gente venha a ter uma queda rápida das infecções. Então, é provável que o vírus ainda vá continuar circulando de forma intensa como ainda esteve até no mês de março. A gente ainda vai continuar com essa situação crítica por mais tempo. O mês de março, até agora, foi o pior da pandemia sem dúvida nenhuma, com uma quantidade muito grande de óbitos”, afirma André.
“A gente já está numa situação de colapso do sistema de saúde. Até semana passada, tinham mais de 100 pessoas esperando vaga de internação. Mesmo dentro de hospitais têm pacientes que ficam internados, ficam entubados em enfermarias, isso já é falta de uma assistência adequada por conta da sobrecarga do serviço de saúde”, André Giglio Bueno, infectologista e professor da PUC-Campinas.
O profissional recorda que a nova cepa do vírus identificada primeiro em Manaus, está em circulação no País todo e é mais um ingrediente que piorou a situação em março. “É uma cepa já comprovadamente mais transmissível, com um pequeno descuido com as medidas de proteção a transmissão já vai ocorrer. E a nova cepa potencialmente está associada com quadros mais graves, e podendo acometer de forma mais grave pessoas mais jovens, inclusive crianças, então esse é um ingrediente a mais que entra nessa conta”, diz.
O médico explica que governo federal tem parte da responsabilidade nesse cenário. “Pela falta de coordenação nacional, pela mensagem errada, falando justamente o contrário do que deve ser feito, contra as medidas de distanciamento, falando contra o uso de máscaras, promovendo tratamentos que não são eficazes, falando contra a vacina no momento inicial e retardando a compra”, elenca.
André afirma que esse contexto persiste e faz com que boa parte da população simplesmente não siga as recomendações corretas ou fique totalmente alheia ao que está acontecendo e segue promovendo aglomerações. “Uma parte da população com esse comportamento é suficiente para manter o vírus circulando, porque essas pessoas frequentam as aglomerações, adquirem e transmitem o vírus. Esse cenário já vinha ocorrendo no passado e continua praticamente da mesma forma. A despeito da troca do ministro da Saúde, até o momento não deu para ver uma mudança de postura do governo federal em relação a isso, nem do Ministério da Saúde, então é uma dificuldade”, avalia o médico.
Serviços de Saúde
Dados divulgados pela Prefeitura mostram que menos pessoas têm procurado atendimento com quadros respiratórios. O infectologista indica que isso é bom. “Se tem menos gente procurando serviço de saúde com quadro gripal é provável que menos pessoas precisem ser internadas e, consequentemente, menos pessoas vão morrer da doença. Mostra uma redução no ritmo de internações. Isso pode ser uma tendência que nos leve a acreditar que a situação pode ter parado de piorar como vinha piorando sequencialmente. Mas, uma coisa é uma redução drástica das novas infecções, outra coisa é ter uma redução leve, uma estabilização e persistir dessa forma por mais tempo”, explica.
O médico considera que a situação pode se agravar por conta do feriado da Páscoa.
“A gente observou que muitas pessoas não respeitaram as orientações de isolamento e até viajaram. Teve uma moradora de Campinas contaminada, tentando furar bloqueio no Litoral Norte de São Paulo. É uma demonstração de que parte das pessoas segue não respeitando as orientações. Então, é possível que tenham ocorrido muitas aglomerações nesse feriado e que isso apareça depois de duas semanas e faça de novo mudar esse cenário. É uma situação muito preocupante. A gente já passou do limite do sistema de saúde e qualquer aumento adicional vai nos colocar numa situação pior ainda”, decreta.
O especialista alerta ainda que outro ponto preocupante é o comportamento das pessoas depois de mais de um ano de pandemia. “A tendência é que as pessoas respeitem cada vez menos as medidas de prevenção, apesar de todos os esforços de comunicação da imprensa e de sociedades científicas. A gente ainda não teve uma melhora da estratégia de comunicação do governo federal para auxiliar nessa mudança de comportamento das pessoas. Além disso, a gente está entrando no período de maior circulação de vírus respiratórios aqui na nossa região e a gente não sabe como vai ser a circulação do vírus influenza esse ano. No ano passado foi baixíssima, mas pode ser que a gente tem uma sobreposição de circulação, que pode ser agravante na situação atual”, completa.
Campanha educativa e vacinação
Raquel Stucchi, Infectologista da Unicamp e Consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, concorda com o colega. “O futuro da pandemia aqui na nossa região ainda é muito incerto. Nós, talvez, poderemos comemorar daqui algumas semanas alguma melhora caso seja feita uma grande campanha educativa e que seja mantida por um tempo longo, reafirmando para as pessoas a importância do uso correto das máscaras sempre que precisar sair de casa, a necessidade de manter o distanciamento social, de não aglomerar e higienizar sempre as mãos”, alega.
Raquel também alerta sobre a necessidade do aumento da vacinação. “Junto com esta campanha contínua para a conscientização das pessoas, nós temos que ter um processo de aceleração da vacinação. A gente consegue fazer esse bloqueio através das pessoas não terem contato próximo com as outras e com a vacina. Assim, a gente consegue diminuir a circulação do vírus, vamos conseguir diminuir o número de casos, vamos conseguir diminuir o número de pacientes que serão internados e o sistema de saúde pode voltar a trabalhar com certa normalidade”, diz.
“Se não tivermos vacina, se as pessoas continuarem se aglomerando, devemos ter uma nova onda (da doença) daqui a algumas semanas, então, o momento ainda é de muita preocupação”, Raquel Stucchi, Infectologista da Unicamp e Consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
A infectologista ressalta que todo o esforço pode ser perdido se essas medidas não forem adotadas. “Se nada disso for feito, se as vacinas demorarem muito, se as pessoas insistirem em se aglomerar, se o transporte público não melhorar para as pessoas que precisam usar para trabalhar, nós continuaremos ainda com números trágicos, com uma mortalidade muito alta, e pior que isso, nós podemos ter novas variantes que podem vir sim a comprometer a eficácia das vacinas que nós temos disponíveis, daí todo o esforço feito até este momento de vacinação será perdido”, alerta.
“Infelizmente, na minha visão, é que nós teremos algumas semanas ainda muito difíceis e uma mortalidade muito alta. Nos últimos dias, teve uma aparente melhora em relação à diminuição do número de casos de síndrome respiratória e isto é um bom sinal, mas, isso provavelmente aconteceu por uma curva natural da doença, ou seja, já têm muitas pessoas expostas, mas a gente sabe que talvez alguma proteção que já tenha acontecido pela exposição das pessoas é muito temporária”, finaliza.