Os ecos da sindemia, nome mais rigoroso da atual pandemia, que felizmente parece chegar ao fim, ainda estão repercutindo. Poderíamos aproveitar alguns hábitos advindos da necessidade dos EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), mantendo-os como novas condutas úteis e inteligentes.
As máscaras estão liberadas, mas caberia usá-las em determinadas circunstâncias, não nos estressando com isso, sem excesso de temores nem de descuidos.
Além dos locais em que elas ainda são obrigatórias (transporte público e destinados à prestação de serviços de saúde), poderiam ser sugeridas para algumas eventualidades. Um exemplo de países asiáticos é construtivo: as pessoas cobrem o rosto quando estão resfriadas. Em restaurantes, padarias e serviços de alimentação, manter as máscaras de funcionários e atendentes também seria desejável.
À medida que vamos nos adaptando ao que chamamos de “novo normal”, seria ótimo aproveitar boas condutas surgidas nos tempos de isolamento social.
O trabalho virtual veio a ser rotina proveitosa para muitas pessoas e empresas. O home office mostrou-se mais útil e interessante em muitos casos, podendo ser uma escolha funcional. Os passatempos também podem ser readaptados e incrementados.
Muita gente que já dedicava muitas horas aos games, na oportunidade do isolamento, mergulhou ainda mais neles. Alguns jovens, já entendidos como viciados, tinham a desculpa de não poder sair de casa para não se afastar dos monitores.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) incluiu “vício em games” na sua classificação internacional de doenças, como um transtorno mental, desde o início deste ano.
O “jogo patológico” (ludomania) já está nos transtornos mentais desde a década de 1990, mas voltada para os jogos de salão e apostas esportivas. Cassinos e hipódromos atraem muitos apostadores, alguns com presença turística, eventual, e outros muito frequentes, bem compulsivos. As roletas, as mesas onde se compete com cartas, dados e os caça-níqueis seduzem os jogadores. Las Vegas não dá folga: quem chega já encontra as máquinas no aeroporto.
Atividades clandestinas são comuns, em todos os lugares do mundo. E tem público fiel, apesar das proibições. O exemplo nacional maior é o jogo do bicho.
O turfe promove eventos tradicionais nas grandes cidades brasileiras. O primeiro Grande Prêmio Brasil, no Rio, é de 1933.
O Congresso Nacional vem debatendo de modo polêmico e complexo a possibilidade de reabrir cassinos, fechados desde 1946.
Longe das compulsões, patologia e vícios, a atividade lúdica é essencialmente saudável e proveitosa.
Jogar baralho, por exemplo, é fato muito comum. Toda família sabe participar de alguma disputa simples, podendo comprar as peças com facilidade. Existem mais de cem modalidades.
Os rudimentos de cartas são de um milênio atrás, na China. O baralho de hoje, de 52 cartas, esboçou-se na França do século 16. De um tipo de jogo fácil, mais simples, ao elaborado, difícil, todos são interessantes. A pessoa pode progredir para os sofisticados ou permanecer nos elementares. Vale tudo, o importante é jogar.
O exercício mental, a ginástica cognitiva e a interação afetiva que o baralho proporciona são excelentes, desde que se sustentem no aproveitamento lúdico, prazeroso.
Amigos jogando numa tarde/noite de sábado, com mínima aposta em dinheiro, apenas simbólica, irão divertir-se intensa e longamente, ativando bastante o cérebro, em clima de bons sentimentos, desafiando-se, competindo e provocando-se com inteligência, bom humor e alegria.
Os jogos têm essa utilidade divertida e construtiva, resguardados os aspectos de risco e segurança.
Um homem casado, com filhos, bom emprego, estava consumindo quase 40 % do seu rendimento em jogos, incluindo bilhetes lotéricos. O casal entrou em crise, foi à terapia, onde ele percebeu a extrapolação: não poderia jogar mais do que 10% dessa renda.
Para alguns, a fronteira entre o prazer com calistenia e a compulsão com estresse é sutil e delicada. Eles e seus pares devem estar sempre atentos e cautelosos.
A maioria, felizmente, ainda que também demande alguns cuidados, pode e deve fruir ao máximo a satisfação do ludismo responsável, energético e criativo.
Joaquim Zailton Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor