O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT) condenou, em primeira instância, o jornal Correio Popular e seu grupo econômico pelos salários e verbas trabalhistas que não foram pagos a empregados e ex-empregados. O débito é milionário e vem se arrastando ao longo dos últimos anos, num processo de penúria e sofrimento que levou parte de seus funcionários e ex-funcionários a adoecer.
Cabe recurso à decisão. O temor dos credores é que o jornal recorra em estratégias protelatórias do pagamento. Mesmo com a decisão, não há ainda prazo para a quitação dos direitos.
De acordo com a decisão do Poder Judiciário, em atendimento a uma ação cívil pública, o grupo econômico do jornal deverá pagar o que deve a todos os jornalistas e trabalhadores administrativos, considerando salários (incluindo décimos-terceiros), férias, vale-alimentação, verbas rescisórias, valores relativos aos depósitos de FGTS e acréscimo de 40% do Fundo em relação à rescisão. Também deverá arcar com multas previstas nas Convenções Coletivas das duas categorias.
A causa solicitada pelos demandantes girava em torno de R$ 30 milhões, mas a Justiça considerou como base de cálculo R$ 20 milhões.
Os empregadores também foram condenados por danos morais, tanto individuais a cada um dos trabalhadores (o que vai gerar, para cada um deles, uma reparação em montante correspondente a dois salários), quanto coletivo, com compensação de R$ 1 milhão a serem revertidos a entidades de interesse público sem fins lucrativos ou órgãos públicos com trabalho voltado a direitos trabalhistas.
A ação civil pública foi protocolada no dia 18 de dezembro de 2020. Ela foi movida, em nome dos dezenas de trabalhadores e ex-trabalhadores, pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e Sindicato dos Empregados Administrativos de Jornais e Revistas, com participação do Ministério Público do Trabalho.
São rés nesta ação cinco empresas que foram consideradas como um único grupo econômico: Correio Popular S.A., Grande Campinas Editora e Gráfica LTDA., Agência Anhanguera de Notícias LTDA. Cosmo Networks S.A. e Empresa Jornalística e Editora Gazeta de Piracicaba LTDA.
“Essa sentença foi um passo importante na luta de anos dos trabalhadores para receber verbas salariais devidas pela empresa, mas a batalha continua até que haja o efetivo pagamento dos valores devidos a cada um dos empregados prejudicados”, explica Raphael Maia, coordenador do departamento jurídico do Sindicato dos Jornalistas.
Entenda a crise
Os jornalistas e funcionários administrativos do Correio Popular enfrentaram por vários anos o atraso ou pagamento parcial dos salários por parte da empresa, tendo realizado diversas paralisações e greves. A crise que se abateu sobre o jornal está no contexto de dificuldades que o setor de mídia impressa passa em todo mundo, sobretudo em razão do avanço da tecnologia, que sufocou a mídia hegemônica e tradicional.
Novos modelos de publicidade e de financiamento da indústria do jornalismo também conspiraram contra a saúde financeira dos veículos impressos. No entanto, o Correio segue em funcionamento, empregando funcionários administrativos e jornalistas. Recentemente, em setembro último, celebrou em evento na Concha Acústica da Lagoa do Taquaral o seu aniversário de 95 anos. A Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas se apresentou na ocasião, gerando desconforto entre os ex-empregados que seguem na fila atrás de seus direitos.
Para eles, a pompa do evento não combinava com o sofrimento de centenas de famílias que estão à espera dos direitos. Parte desse grupo foi obrigada a vender bens móveis e imóveis. Alguns abandonaram a profissão. Outros seguem no mercado, empregados em outros veículos ou em projetos coletivos ou como freelancers.
Sylvino de Godoy Neto
O Correio Popular tem entre os seus acionistas o empresário Sylvino de Godoy Neto. No expediente do jornal, ele consta como presidente do Grupo RAC, ao qual o Correio está atrelado. Ele também preside o Conselho Editorial. Em agosto desse ano, Godoy Neto assumiu uma das vice-presidências da Associação Nacional de Jornais (ANJ).
Em meio à crise, um empresário conhecido em Campinas assumiu a gestão executiva do Correio. Trata-se de Ítalo Barioni. Ele assumiu no mesmo mês que um grupo de 30 jornalistas iniciou uma nova greve por tempo indeterminado. Na ocasião, os então funcionários recebiam 1/8 de seu salário por semana, às vezes nem isso.
Com a agudização da crise, o Correio Popular passou, então, a ter um novo controlador na gestão diária, além de uma nova redação que foi contratada para substituir o grupo que estava à frente da linha editorial. Essa nova redação segue hoje no jornal.
“É inaceitável que a empresa possa agir com tanto descaso pela dignidade e condições de vida de seus funcionários, não só descumprindo as obrigações legais, os acordos para regularização, e mesmo protelando as decisões judiciais. Só a organização sindical coletiva dos próprios trabalhadores é capaz de fazer frente a situações como essa”, afirma Thiago Tanji, presidente do Sindicato dos Jornalistas.
Sobre os demitidos
Três meses depois da nova redação assumir, o grupo foi desligado do jornal. Nesse sentido, a Justiça também reconheceu os danos ao grupo e descreveu em sentença a obrigação dos empregadores.
“Deverão as rés pagar aos empregados substituídos todo o quanto devido e deferido em sentença, conforme vier a ser apurado em liquidação, acrescido de correção monetária e juros de mora, vedada a limitação aos valores estimados aos pedidos ou discriminados em planilhas juntadas aos autos, vez que o direito processual tem por finalidade precípua conferir concretude e efetividade ao direito material”, escreve o TRT na decisão.
À espera do desfecho
No decorrer da crise, foi aventada a possibilidade de o grupo econômico leiloar parte de seus bens para quitar a dívida trabalhista. Não se sabe se o valor alcançado com essa venda cumpriria as obrigações. O que se sabe, de prático, é que, dia após dia, funcionários e ex-funcionários seguem na expectativa de um desfecho favorável e que seus direitos sejam respeitados.